Era um chove-não-molha, na comunicação sobre o Abrigo do Largo da Igreja do Carmo, com comerciantes e taxistas apreensivos com o dia seguinte, ante ampla reforma e nova configuração empreendidas pela parceria da Prefeitura de São Luís e o Iphan, e o repórter, calejado em não malhar em ferro frio e vender gato por lebre, trouxe dos receptores certos que nada e ninguém serão descartados, na paisagem, com a reinauguração, presumivelmente, no próximo Aniversário da Cidade. Sem jogar conversa fora da bacia e confete em carnaval errado, soma-se a boa-nova ao imenso programa de revitalização do Centro Histórico, que tem resgatado a beleza de importantes espaços da cidade.


A Reportagem começou na Oficina do Sílvio Líbio, no Beco da Pacotilha (Rua João Victal de Matos), na manhã de ontem, onde o conhecido ourives comentou haver diversas versões, como construir um shopping no lugar do Abrigo, ou que não retornariam todos os comerciantes. Foi o que Adauto, com 77 anos de idade e 54 só no seu restaurante, ali, assinalou que ouviu dizer, além de que funcionariam apenas três boxes (dos 10 originais), após licitação, e que todos (instalados, precariamente, embaixo de barracas de lona) receberiam RS 23 mil a título de indenização.
Nada mais de que “Tudo será como dantes no Quartel de Abrantes”, no tocante à conservação do Abrigo do Carmo, teve repercussão midiática que o projeto contemplará também a criação de uma rampa de acesso entre o Largo e a Igreja do Carmo, e o reordenamento do serviço de engraxate, para o prosseguimento da atividade tradicionalmente realizada há décadas no espaço, algo que lembrei já em companhia do professor, guia de Turismo e poliglota Simão Cireneu Ramos, que apontou onde aqueles profissionais labutavam. Os serviços são acompanhados pelo Iphan, órgão federal responsável pela preservação do patrimônio da cidade tombado pela Unesco.
O relógio do Largo e a fonte da Igreja do Carmo — Folgamos em saber que “A restauração do Largo do Carmo e entorno contempla um novo projeto paisagístico e mobiliário urbano, com bancos, lixeiras, além de nova iluminação, permitindo que os locais possam ser frequentados pela população também no período noturno, e, bem por isso, deverá haver policiamento. Ganhou boa receptividade a informação de que “O antigo relógio do Largo do Carmo será restaurado, assim como os demais monumentos”, entendido, neste ponto, pelo repórter e por Simão Cireneu Ramos, a inclusão de uma fonte, na frente do templo. Deu no jornal: “As obras de intervenção compreendem ainda a ampliação dos espaços para pedestres, com adequação total às normas de acessibilidade; a uniformização do pavimento das vias que serão em paralelepípedos; além de maior percepção da amplitude do espaço urbano e da riqueza do conjunto arquitetônico do logradouro.”


Art dèco ou Art noveau na arquitetura — O Abrigo do Largo do Carmo será mantido e restaurado para preservar as características arquitetônicas “art dèco” da marquise do prédio. Para Simão Cireneu Ramos, que fala, fluentemente, idiomas estrangeiros, inclusive o francês, é “Art noveau” (arte nova, estilo da época). Avisaram ao navegante aqui que “O espaço ganhará um posto policial, uma central de táxi e dois banheiros públicos adaptados. As bancas de revistas também retornarão ao espaço de forma ordenada. Terá estacionamento para 22 veículos de passeio, 12 vagas para motocicletas, bicicletário com 12 vagas, nove vagas para táxis, espaço para estacionamento de ônibus de turismo, duas vagas para pessoas com deficiência, espaços para carga e descarga, etc. Com muita vivência na área, posso opinar que tão-só nove vagas não contentarão os taxistas do Abrigo, dentre o veterano Carlos Irmão, e mesmo com perda de profissionais inesquecíveis, como Tiotônio, que deveria nomear o posto de táxi. O repórter recomendaria à prefeitura que retirasse da prancheta o estacionamento para 22 veículos, na consolidação de que o Largo Carmo e a Praça João Lisboa sempre foram para um passeio a pé, e aumentasse a cota dos taxistas, à proporção que crescerá a demanda, tão embelezado que ficará o recinto histórico.


Um grande parceiro aos artistas nativos — Encontrado na oficina do ourives Sílvio Líbio, onde teve seu relógio consertado pelo mestre Luís Domingues (Pinheirinho), o poeta, compositor, cantor e arte-educador Paulinho Lopes, ludovicense da gema e cinquentão, para não perder a viagem, deu um abraço simbólico no espaço, lembrando que desde criancinha ouviu ser o Abrigo ponto de relevo para atender lanches, com sucos, refrigerantes, cafezinho, aos jornalistas, escritores, gráficos, ambulantes, ourives, relojoeiros, comerciários, portanto merecedor da melhor atenção dos gestores públicos. “Sem faltar a boa refeição na hora e a cerveja véu de noiva aos frequentadores boêmios, alicerçando nossa história e cultura!” — enfatizou. Com o mesmo tom, falou o popular Zequinha Boemia, músico: “Perdemos para os azares do novo cotidiano, com drogados e descuidistas, no recinto, até a nossa boemia sadia, com nossas vozes e violões, com o Abrigo indo pela metade da noite. No entanto, tem como servir muito para os que procurarem um almoço e um jantar da melhor qualidade, quanto os do Adauto, há muitos anos marcando presença no Abrigo. Daí por que ele tem tudo de bom para continuar oferecendo os seus serviços gastronômicos, por exemplo, à população, além do nosso pendor cultural!”


“Ali passaram Bandeira Tribuzi, Nascimento Morais Filho, Ribamar Bogéa!…” — Advogado, jornalista e radialista, Josemar Pinheiro cresceu vendo o Abrigo prestigiado por nomes alterosos do jornalismo e da literatura maranhense, qual os do poeta Bandeira Tribuzi, fundador do jornal O Estado do Maranhão, Nascimento Morais Filho, poeta, professor e ecologista, com obras vertidas para várias línguas, José Ribamar Bogéa, o combativo fundador do Jornal Pequeno, Amaral Raposo, jornalista e mestre da língua portuguesa, Bernardo Almeida, com honra ao mérito na prosa e poesia, os geniais poetas Nauro Machado e José Chagas, e Erasmo Dias (para este repórter, redator imbatível, e, com mais títulos, seria o nosso maior prosador), etc. “A conservação do Abrigo, além de boa renda para os laboriosos comerciantes, significa manutenção da memória maranhense, na glorificação da nossa Cultura e Inteligência. Terra sem memória, não louva seu passado, arrisca seu presente e perderá o melhor futuro possível!”— Josemar Pinheiro lecionou.


Abrigo de 72 anos nos costados históricos — Metendo um PF na pessoa, no Adauto, achamos o talvez hoje mais antigo frequentador do Abrigo, André de Jesus Souza, com 82 anos de idade e 68 de freguesia, e que era sapateiro nas imediações e hoje reside no Vinhais. Recordando o Cine Rival e a Loja Rioanil, no início da Rua Grande, ressaltou o boxe do Jorge, há 72 anos, continuado em sua atividade de lanchonete pelos descendentes, Joerbert, Mariano, Luís Carlos e Chiquinho. Com essa revelação, o Abrigo do Carmo não só assistiu à sangrenta Greve de 1951, contra a posse do industrial caxiense Eugênio Barros, com armação do senador pernambucano Vitorino Freire, que queria um governador seu no Palácio dos Leões, inaugurado no governo de Sebastião Archer (político e industrial codoense), igualmente, da trupe vitorinista, então, em 1948, surrado pelo demolidor Erasmo Dias, no fogoso vespertino O Combate, com o artigo virulento A Morte do Boi Marrequeiro.
Grupo benfeitor ao Abrigo — Com tantas histórias para contar e ameaças de morte, que nem a do médico Abdon Murad, então vereador, dito ali dono do bonito prédio de azulejo defronte do Abrigo (que pertencera ao Barão de Coroatá e sediou o terrível jornal abolicionista, Pacotilha, originando o Beco da Pacotilha), aqui dito que faria melhor salvando vidas, está em gestação uma agremiação para a defesa do Abrigo do Carmo: Já somos, este repórter, Josemar Pinheiro (que elaborará o Estatuto), Cordeiro Filho (chargista), Simão Cireneu Ramos, e com as portas, em forma de coração, indígena todo, abertas!
Texto: Herbert de Jesus Santos