“Quem perdeu, perdeu. A gente volta no segundo semestre do ano que vem”. A despedida do produtor Ricarte Almeida Santos não procurava ironizar os que porventura faltaram à última edição (ou deixaram-na antes da hora) — ou à temporada — de RicoChoro ComVida na Praça em 2019. Ele estava em estado de êxtase, com o resultado da noite de encerramento do projeto no ano. E da temporada, como um todo.


A despeito do barulho provocado por um evento gospel paralelo que ocorria na Praça Maria Aragão, vizinha à Gonçalves Dias palco do sarau de música e poesia, nem o contratempo diminuiu-lhe o brilho — numa pauta fechada com quase seis meses de antecedência.
O Crivador havia virado trio, diante da impossibilidade de um de seus integrantes contrariar as leis da física e estar em dois lugares ao mesmo tempo. A química rolou bonita entre Wendell de la Salles (bandolim), Marquinhos Carcará (percuteria) e Luiz Jr. Maranhão (violão sete cordas) e entre eles e a plateia, num repertório que fugiu ao óbvio.
Messias Britto provou por que é, atualmente, reconhecido como um dos mais talentosos nomes do cavaquinho no Brasil. Sozinho ou acompanhado do trio anfitrião, equilibrou-se nas quatro cordas entre repertório autoral e clássicos do Choro. No dia anterior, em roda de conversa na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Emem), havia brincado: “cavaquinho eu até que toco bem, mas meu negócio é sinuca”, para risos dos presentes, ao contar alguma história, a demonstrar que mais que espaço de fruição, RicoChoro ComVida na Praça é também espaço de formação, intercâmbio e bom humor. Te cuida, Rui Chapéu!
E é bonita a história do moço. Baiano de Euclides da Cunha, não vem de uma família de músicos e acabou chegando ao cavaquinho por intuição. Após comprar e arrebentar as cordas de plástico de instrumentos de brinquedo vendidos na feira dos sábados em seu município, acabou trocando uma bicicleta por um cavaquinho de verdade. De lá para cá não parou mais: foi pioneiro ao fundar o primeiro grupo de Choro do sertão baiano, Os Chorões do Cumbe (antigo nome da cidade), depois mudou-se para Salvador, a convite do Clube do Choro da Bahia, fixando residência em São Paulo, onde gravou os discos Baianato (2017) e Cavaquinho polifônico (2018), em que explora todas as possibilidades do instrumento, ao executar ao mesmo tempo ritmo, harmonia e melodia.
Um gigante!
Celso Borges subiu ao palco e recitou Now.
São quatro anos de saraus gratuitos ocupando praças públicas: um lugar do afeto, do respeito e da tolerância. Todo mundo é bem vindo, entre ouvir boa música e circular entre a pequena feira que acaba se formando a cada edição, a cada praça, entre bancas de comida, bebida, livros, discos e artesanato.
É, enfim, o lugar da diversidade, algo traduzido também nos sons escolhidos pelo alquimista Joaquim Zion, dj escalado para encerrar 2019 em grande estilo, ano em que o projeto, além de abrir espaço para a poesia, inaugurou também sua série de homenagens. O primeiro a recebê-las foi Joãozinho Ribeiro, celebrado pelos 40 anos de música, completados este ano. Acompanhado pelo Trio Crivador ele fez uma inspirada participação especial.
RicoChoro ComVida na Praça tem patrocínio de TVN, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão e é realizado por Eurica Produções, Girassol Produções Artísticas e RicoChoro Produções Culturais. Pode ser que alguém ainda espere uma edição em dezembro, mas os saraus terminaram mais cedo este ano.
Frequentadores assíduos presenciaram momentos históricos como o sarau de abertura, em que Mestre Solano, do Pará, botou a praça inteira para dançar ao som da lambada e da guitarrada; ou o encontro mágico de Célia Maria e Cláudio Lima, sem dúvidas, duas das maiores vozes do Brasil na atualidade.
Texto: Vanessa Serra