Permanece consenso que a primeira manifestação carnavalesca, no Brasil, data de 1844, no Rio, com baile de máscaras estrangeiras. Só em 1850, surgiu a nacional, em desfile nas ruas cariocas. Nesse ano, Zé Pereira, um sapateiro luso (José Nogueira de Azevedo Paredes), sacudiu o Rio, tocando bumbo, e eternizou seu bordão: “Viva o Zé Pereira”! A carreira artística do artefato fantasioso, na folgança, em São Luís, andava em noite de núpcias, até que o prefeito Epitácio Cafeteira — que nem Freud explica— proibiu seu acesso, nos bailes de segunda, que teve auge no Bigorrilho, que resistiu até o início dos 1970, no Caminho da Boiada, onde a minha adolescência, no ápice, dançou com folionas, com um pé na frente e o outro atrás, para não errar, quando menos, no sexo de “Eu te conheço, carnaval”! O réveillon de 1966 não teve celebração sequenciada, pois, no dia 2 de janeiro, as manchetes dos jornais eram o decreto do prefeito, que proibia o baile de máscaras. Incontinenti, saiu uma marchinha adesista, repudiada com um enxame de pragas para ele, por retirar da cancha as máscaras das empregadas domésticas, etc., receosas dos cochichos desairosos, na cidade: “O Cafeteira não quer máscara neste carnaval!/ E aí tem muita gente que vai ficar se dando mal!/ Boa, Seu Cafeteira, mande a máscara pra Lua!/Basta aqui os mascarados,/que a gente vê todo dia pela rua”! Saiu na Praça João Lisboa, na fumaça da pólvora, que era da lavra do maestro João Carlos, pai da que seria sucesso estrondoso nacional, Alcione.
O inimigo dos batuques e as danças inconvenientes — Essa perseguição à nossa gente, no fuzuê, tem história: O jornal O País, em 1876, ironizava que brincadeiras de negros, entre as quais, o tambor-de-crioula, tinham horário vigiado para a sua exibição; pior, no séc. 18, com as “danças inconvenientes”, dos escravos, reprimidas a qualquer hora. Eram deduradas por um Inimigo dos Batuques, que, na imprensa servil da sociedade escravagista, ruminava à polícia os pretensiosos sujeitados.
Só mesmo um poeta para exsurgir o fofão — Américo Azevedo Neto (na sintonização de que o fofão, que ocorre, exclusivamente, no Maranhão, nasceu de um projeto defeituoso de uma costureira que errou, redondamente, nas medidas da sua fantasia) viajou na imaginação. Pus minha versão no que saiu pior que a encomenda, ou não consoante mandava o figurino: Pierrôs, dominós, colombinas e arlequins de seda importada reluziam, na alta, e o nosso nativo, de chitão berrante e vistoso, sob a camuflagem chinfrim, idealizou uma fachada que menos o identificasse, saída pior a emenda do que o soneto, pela sua inabilidade e pressa.
O puto de um cronista — Para dissimular a decepção com sua ausência, nos luxuosos salões são-luisenses, o fofão (considerado a cara do carnaval maranhense) popularizou-se na rua, com a ginga de dois passos para a frente e um recuo sincronizado, como se ensaiasse um voo, na suspensão das asas do que deu pano pras mangas, nos guizos, na exposição da boneca, para alguma esmola, com sugestão de uma dose de cachaça, e uma varinha com o condão de afugentar cachorros, e o seu choroso “ôlálá”! Daí que passei adiante, e por mais invenções dele, no manejo da palavra, que Américo é um puto de um cronista, que ninguém percebe quando ele está um cronista puto!
“Carnis vale” (Adeus à carne) e os bailes de máscara — O populacho só usa o fingimento no carnaval. Os ladrões da politicagem, sem disfarce, aliás, surrupiam a Nação na hora em que lhes apetecer, e sua apetecência é insaciável. Tanto que pobreza é que jejua, em penitência, ou pela fome, carecida até de que o carnaval vem do latim “carnis”(carne) e “vale”(adeus), ou seja, Adeus à Carne. No séc. 2, d.C.,Telésforo, bispo de Roma, impôs a abstinência da carne, e o papa Gregório, o Grande, decidiu, no ano 600, que o jejum começasse na quarta-feira de Cinzas. Sabichões italianos, em Veneza, a origem dos bailes de máscara, procederam a privação com três dias de folguedo.
Os dias gordos de carnaval — Na tarde de terça-feira de carnaval, os romanos desfilavam com velas acesas, como se se penitenciassem pela gulodice. Longe da sisudez papal, e chegados numa comilança, os franceses fechavam o tríduo momesco, pelas ruas de Paris, com um boi gordo, conduzido por uma criança batizada O Rei dos Açougueiros. Originou-se daí a terça-feira gorda de carnaval. No Brasil, logo puseram segunda-feira gorda, domingo gordo, sábado gordo, terca-feira gorda! Nada a ver com “Vem a denominação Dias Gordos da ordem de transgredir e os exageros na comezaina, em contraposição ao jejum!”
Lembrança do jornalista José Rocha (Gojoba) — “Na meninice, aprendi que tinha o Domingo da Bula, antes do Domingo Magro. E esse era o domingo dos fofões, dezenas nas ruas do Centro de São Luís. É, poeta Herbert, estão querendo matar parte de nossas tradições! E, com os fofões, a recomendação dos pais para as meninas: Não recebe a boneca dele! Se pegasse, tinha que pagar uns 5 cruzeiros. Meus tempos das ruas São Pantaleão, Passeio e Belira!”
A foliona, não a foliã, na Última Flor do Lácio — Uma inesquecível aula do professor Zé Luís, no meu 1º ano científico, no Liceu, com o giz, no quadro-negro, foi sobre folião e seu feminino. Os meios de comunicação do Sudeste não assistiram àquela, senão, não estaríamos cortando um dobrado, com o erro na ponta da língua, pois: “A principal regra de formação do feminino é a substituição da vogal o átona final nas palavras no masculino pela vogal a, indicando assim sua forma feminina, e não se aplica aos substantivos acabados em –ão, como folião, cujo feminino é foliona!”
Vivam os mestres Zé Luís e Alexandre Botão! Existem regras específicas para a formação do feminino dos substantivos acabados em –ão, podendo haver a mudança da terminação –ão para –ona, –ã ou –oa. No caso da palavra folião, a terminação –ão passa para –ona: o folião/a foliona, com referência a quem aprecia a diversão. (Sei disso, desde que Alexandre Botão avisou à minha classe, no Liceu, na 4.ª série ginasial, que, com ele, só passava de ano quem estudasse bem Português, e, no susto, estou sempre, até hoje! Ajudou-me a fazer uma carreira de sucessos!) Viva o carnaval, sem Covid-19!