Na certidão de batismo, bons augúrios: José, Maria, Nascimento. Esta última gera um estado de espírito de plenitude, coroamento, alegria, otimismo. E evoca o derivado, renascimento: recomeço, como sinônimo de persistência, continuação, reconstrução. Aquele que nasce é um iniciado para a propiciação de provação, purgação e purificação, catarse. É um Guesa natural posto no mundo sem nenhuma noção das surpresas, sacrifícios e provações, venturas e desventuras.
Ter como nome mestre, José, é um privilégio, pois um José foi pai de Jesus Cristo. E Maria é aquela que passa na frente e pisa na cabeça da Serpente. Está, assim, em parte, justificada a longevidade do cidadão José Maria Nascimento, criador de um poeta homônimo há 60 anos, quando gerou, gestou, deu à luz e criou seu primeiro livro, leia-se, por similaridade e contiguidade: filho. Explicação: Depois de gerado e gestado, pronto e parido, como um filho, o poema precisa ser criado.
Por sua vez, o poeta é uma criação da criatura, do cidadão, que se torna criador, ao longo de alguns anos, desse hospedeiro, que o habitará, até o final de sua existência.
Vamos então verificar o outro lado da longevidade. Poeta é aquele ser incomum que se predispõe abelhudar o invisível, para se ocultar no imperceptível, ao plasmar as palavras de coisas intangíveis. Para tanto se torna inventor de ficções ou coincidências impossíveis entre a realidade e a fantasia. Assim, vai-se transmutando de alegoria em alegoria, como um camaleão pleno de mimetismo, que se confunde com a folhagem ou com a linguagem mutante da flora, para se livrar dos bichos papões, que caminham aberta e desafiadoramente em seus trajes comuns, sem a mínima intenção ou propósito de dissimular. Entenda-se: poeta é aquele que busca dizer as mesmas coisas que já foram ditas, de uma maneira que nunca foram ditas. Tradução: Non nova, sed nove. (Não coisas novas, senão ditas de uma maneira diferente). Assim, o poeta é aquele que incursiona pela terceira margem do rio. Aquele que busca dá ao precário e ao provisório um timbre, uma rubrica, uma abreviatura de permanência ou tornar pleno o escasso. É necessário repetir: O poeta só acontece quando alguém consegue tirar palavras, imagens, de significados comuns e injetar nelas significados e sentidos especiais. Esse não é o ofício mais fácil para o mago, o mágico, o feiticeiro ou bruxo, pois que a operação poética se opera no campo da transconsubstanciação, ou seja: se dá ao arriscado ofício de ser buscador de elixires para as dores, para as quais a ciência não tem remédio, através da transmutação do que é precário e provisório, em perene, quando consegue dar sobrevivência, ao que na vida é breve, resgatando-o numa fotografia, numa pintura, numa composição musical, num olhar, em mímicas, num filme, num documentário, num poema. Reafirmamos essa condição essencial da poesia, também no poema, para declarar que, ao longo dos 14 livros de poemas de José Maria Nascimento, esse processo se realiza, com a simplicidade que é própria de quem se sabe porta voz de ressurreições de momentos plenos de humanismo, como ternura, carinho, amor, dor, amargura, angústia, alegria, tristeza, felicidade, paz. Esse tem sido o caminho percorrido pelo poeta, de cuja essência nos damos conta, após oitenta anos de nascimento e sessenta de poema e poesia.
Portanto, ser poeta não é um simples caso de diletantismo, como: adormecer vagabundo e acordar sábio. Não. O poeta é aquele ser de meditação, que se debruça para leituras e vivências, às vezes até apenas para vivências sobre o humanismo, sobre as relações humanas, sobre amor, vida, alegria, dor, morte e superação, morte e ressurreição, sobrevivência, através da memória.
Nesse exercício diário em criar uma realidade paralela à vida cotidiana, regular, rotineira, o poeta descobre que isso não é vida normal, mas cruel. Aí nasce o poeta para a difícil missão em arte ao buscar dar suporte, remédio espiritual para quem vive sob a ação da dor, vivendo só o lado caótico da existência. Então emerge na vida da espécie humana para gerar o abalo e despertar o ser que oscila entre vida e morte cotidiana, e o convida e desafia a migrar da rotina para o sonho, para se conectar com realidades paralelas, concomitantes. E o poeta diz: Sim! A dor é real, mas o sonho também pode se transformar em realidade. A vida não se resume exclusivamente no jogo de perde e ganha, de existir e morrer, de sucesso ou fracasso, de amor ou solidão, de alegria ou amargura, de segurança e angústia, bem-estar e dor, mas em uma coisa e outra, uma dando suporte para que a negativa sirva, na provação, de aprendizado e amadurecimento sobre as constantes das antíteses e paradoxos do imprevisível.
A missão, a função do poeta, portanto da poesia, é se predispor a criar para si e para os demais seres humanos um campo virtual paralelo ao real, que lhes permita desacelerar o acúmulo de nocautes do cotidiano, dissolver o stress, a má adrenalina, a bílis, sobre cujos males tanto J Cristo nos adverte. Sim, criar um buraco, na grossa camada de pele da realidade, uma válvula de escape, para uma fuga do monocórdio.
Sim, uma fuga via leitura, fazer essa pausa no semáforo e mudar de rumo, fugindo do engarrafamento e congestionamento no trânsito e tráfego mental.
O poeta José Maria Nascimento, em sua poética, expressa, em seus 14 títulos, compromisso com a vida, sem ignorar a morte. Não cria para o leitor fórmulas mágicas de como ficar rico; de como ser bem-sucedido, se tornando corrupto, maquiavélico; de como ganhar na loteria; ou de como se tornar bilionário, da noite para o dia, se elegendo político especializado em colocar o dinheiro público na conta particular. Ele não é um charlatão da autoajuda, embora possa contribuir para que o ser eleve a defesa imunológica de sua autoestima, pois o poeta entende o porquê de certos párias se comportarem como os legítimos ricos. Com as barrigas vazias, têm os olhos transbordantes da mais genuína poesia que, embora, talvez, jamais seja escrita em poemas, está ali inédita e póstuma.
Mas o poeta tem como missão social criar o mito da esperança, através da leitura, que não é possível sem educação. Os livros de um poeta, como José Maria Nascimento sempre serão um convite para uma pausa, um tirar o pé do acelerador, pois é próprio do poeta investir no mito da pausa para desaceleração das sobrecargas da loucura que é o dia a dia, que intoxica o ser humano e o mergulha exclusivamente no stress do capitalismo selvagem das falsas promessas da propaganda midiática do vale quem mais tem.
Diz o poeta: Que tal uma pausa para fuga do congestionamento, no trânsito do louco engarrafamento mental, psicológico e biológico? Que tal desviar do inferno do infarto, da pressão alta e do AVC, em andamento?
Sim, a leitura frena o carro acelerado de trabalho e consumo de um corpo-robô, em que não sobra tempo para a espiritualidade. A pausa proposta pelo poeta Nascimento predispõe os seres a se conectarem com outras dimensões, num ato corajoso de transbordo para outra astronave, no meio do caminho, em que o piloto, o poeta, transforma a viagem comercial, administrativa, funcional, em roteiro turístico mental, para desligar a tomada do fuso horário para o exercício do fluxo da memória. O que se acresce de ônus é apenas adentrar a porta da Biblioteca Pública Benedito Leite, o que já o desvia da rotina, ao contato do aroma que emana das páginas, sem o risco do vinho com sulfito.
A missão do poeta não é levar o leitor a um banco para fazer transações, especular câmbios, cotações de moedas, oscilações de bolsas de valores ou levá-lo a um encontro com o Leão, com um político corrupto ou com um agiota. O poeta não leva o leitor à presença do Presidente da República, da Câmara, do Congresso, do Senado ou do STF. O poeta sabe que, apesar de, não são esses caras que resolverão alguma coisa para desacelerar o ser humano, muito pelo contrário. Eles todos fazem parte da hierática hierarquia do reino temporal.
A missão do poeta é a de desviar o ser humano, transformado em máquina pelo sistema, em gente, re/humanizá-lo. Desligá-lo da tomada desse trampo, que gera pressão alta, faz o sangue se envenenar de bílis. Daí virá o diabetes, a hemodiálise, o infarto e o AVC.
Desviando o ser humano da viagem convencional, o poeta põe o leitor numa terceira margem, para uma outra viagem, de uma realidade psíquica paralela à física, de desaceleração dos males em curso ininterrupto, frutos dos milagres das civilizações de exploração de mão de obra de trabalho, escravidão e consumo e de uma falsa região ou área de conforto.
O ser humano no conforto tecnológico e científico de um apartamento, de onde tudo se resolve, desde a troca do oxigênio pelo ar artificial dos aparelhos mais sofisticados de ar condicionado, diz que não tem tempo para a poesia e desafia, com a segurança do plano de saúde e hospitais de excelência, o infarto e o AVC. Gullar e Pessoa nos disseram que a vida só, em si, não basta. A poesia serve para ajudar a suportar a rotina da existência. Os poemas e a poesia de José Maria Nascimento, idem.
O poeta, breve, lançará uma coletânea de seus livros. Vamos celebrar e aplaudir o milagre dos 80 anos de existência do cidadão e os 60 anos do poeta, do excelente poeta José Maria Nascimento.
Texto: Alberico Carneiro
Parabéns Poeta José Nascimento.Agradeço todos seus poemas,assim mantém viva a cultura,o amor à leitura,e como diz o desacelerar da vida🙌🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼☝🏼
Texto perfeito meu brilhante e querido poeta. Parabéns e um grande abraço. Vc é uma grata lembrança de um tempo distante no Liceu Maranhense.