São Luís do Maranhão é uma cidade considerada por muitos como a única capital brasileira que teria sido fundada por franceses. A versão é duramente questionada pelos historiadores. Contudo, a missa rezada no dia 08 de setembro de 1612 pelos padres capuchinhos que vieram, ao lado de Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, criar por aqui a França Equinocial, considerada um marco fundacional pela historiadora Andréa Dahrer, é fato consumado, ao lado do livro publicado na época por um desses capuchinhos, Claude D’Abbeville, que tratou das “singularidades admiráveis e dos costumes maravilhosos dos índios habitantes da ilha do Maranhão”. Em termos arquitetônicos, São Luís nada conserva dessa tentativa de colonização.
Não somente D’Abbeville deixou seu relato. Yves D’Évreux também escreveu sobre esta terra e as impressões por eles deixadas constituem importante documento sobre a Literatura Informativa que caracterizou o primeiro século após a descoberta do Brasil, caracterizando a chamada literatura das viagens, que incorpora a perspectiva dos dois lados, como se pode depreender a partir da leitura dos relatos. Contudo, é importante assinalar que os livros denunciam claramente um projeto missionário marcadamente católico e francês, implantado como desafio às então monarquias ibéricas européias do início do século XVII. Esse patrimônio cultural foi ampliado e a posterior colonização portuguesa, com forte sotaque açoreano, marcou o início da dominação territorial da cidade.
O invejável acervo arquitetônico da capital maranhense, localizada no Centro Histórico, contabiliza quase quatro mil prédios edificados numa área de 250 hectares, com exemplares dos séculos XVII, XVIII e XIX. Em 1955, tal conjunto foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e, a 06 de dezembro de 1997, a Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura – UNESCO, concedeu à cidade o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, reconhecendo a importância de um dos maiores conjuntos arquitetônicos de origem européia em todo o planeta.
As ruas que ainda sobrevivem com o antigo calçamento com pedras pé de moleque, os azulejos que ainda resistem à fúria dos vândalos, as fontes que insistem em se manter belas sem a permanência da conservação, e, sobretudo, os casarões coloniais que lutam contra o abandono e o desabamento a cada inverno, monumentos que driblam a irresponsabilidade e o descaso.
A consciência da necessidade da conservação patrimonial surgiu a partir da reação de intelectuais europeus do final do século XIX. William Morris (1834-1896), artesão, poeta e teólogo inglês, John Ruskin (1819-1900), escritor e reformista e Camilo Sitte (1843-1903), urbanista austríaco, combateram ferozmente as demolições de prédios históricos, em decorrência do crescimento industrial e do aumento populacional das metrópoles européias. Das ideias inconformistas desses precursores surgiu o urbanismo ecológico e organicista, pai da moderna concepção de restauro, e a necessidade da preservação do patrimônio diante do surgimento da modernidade, sem ferir princípios artísticos, o que suscitou a realização de eventos internacionais que trataram de garantir a preservação diante das investidas da expansão urbano-industrial.
Em 1972, a UNESCO realizou a sua primeira conferência tratando de patrimônio da humanidade, natural e cultural, tendo como base de discussão a diversidade, considerando como pertencentes a todos os povos do planeta os locais elevados a tais categorias, princípio enfeixado num documento assinado por 150 países.
Apesar dos esforços realizados desde então, somente a partir da década de 80 do século passado é que a ideia mais completa acerca do patrimônio se consolidou, incluindo a contribuição de artistas anônimos, representantes da cultura popular, sendo reconhecidas as contribuições das crenças, línguas, rituais e outras manifestações culturais dos mais diversos povos, o que veio consolidar a identidade cultural dos mesmos. É nesse contexto que São Luís foi elevada à categoria de patrimônio da humanidade, no qual a cultura é parte indissociável desse processo.
Texto: Paulo Melo Sousa