Com uma epigrafe poderosa: “A cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem” (Geertz, 1978: 321), o saudoso Sergio Ferretti, antropólogo e professor da UFMA, abre seu grandioso Festa do Divino no Tambor de Mina—Estudo de ritos e símbolos na religião e na cultura popular: “A Festa do Divino é um ritual religioso do catolicismo popular, de origem açoreana, que ocorre em vários países e, como acontece com o bumba-meu-boi, com o carnaval e com outras festas populares, possui características específicas em diferentes regiões do Brasil. No Estado do Maranhão, localizado ao Norte do Brasil, entre a Região Amazônica e o Nordeste, a Festa do Divino é importante na capital, São Luís, e em vários lugares do Interior, como na vizinha cidade de Alcântara.”


Foi assim que se deu no Domingo de Pentecostes (que é uma das celebrações mais importantes do calendário cristão e comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo, sua mãe Maria e outros seguidores. O Pentecostes é celebrado 50 dias depois do Domingo de Páscoa, e ocorre no décimo dia depois da celebração da Ascensão de Jesus), bem-guardado, em São Luís, pelas venerandas Casa das Minas e Casa de Nagô, há mais de um século.
A Festa do Divino Espírito Santo, na Casa das Minas e na Casa de Nagô, começou com abertura da tribuna (neste ano, em 5 de maio) e busca do mastro. O festejo tradicional teve ainda uma vasta programação, com missa solene em louvor ao Divino Espírito Santo, no domingo, toque de caixa, derrubamento do mastro, na segunda-feira, coroação dos novos impérios, além de, no fecho, ladainha em louvor de São Benedito e tambor-de-crioula, na terça-feira. Na celebração do Domingo de Pentecostes, a missa do séquito da Casa das Minas foi de manhã, na Igreja de São Roque, no Lira, e a do da Casa de Nagô, no mesmo horário, na Igreja de São Pantaleão, voltando aos terreiros consagrados, na Rua São Pantaleão e na Rua das Crioulas, com acompanhamento, respectivamente, da Banda da Polícia Militar e da Banda do Bom Menino do Convento das Mercês. No domingo, houve no fim da tarde roda de samba com o Golpe do Baú, na Casa das Minas, e com o Grupo de Nivaldo, com palco na frente da Casa de Nagô, razão para uma multidão trilhar, também, entre um local e outro.


As caixeira do Divino e do Carimbó —- As caixeiras do Divino são responsáveis por conduzir todos os rituais da Festa do Divino Espírito Santo no Maranhão. Realizada nas casas de culto e terreiros de umbanda, também chamadas Tambor de Mina, a festa começou no Brasil no início do século XVII, com a vinda dos colonos portugueses. No século XIX, essa tradição já fazia parte da cultura popular da região. Uma das expressões do Bambaê Maranhense, o Carimbó de Caixa ou Carimbó de Caixeiras é uma dança-brincadeira das Caixeiras da Festa do Divino Espírito Santo do Maranhão, como na Casa das Minas (onde vem se realçando a cantora Rosa Reis, do Cacuriá de Dona Teté e do Laborarte) realizada após a derrubada do mastro, quando se reúnem para tocar caixa e dançar – para “vadiar”, tomando umas cervejas, como elas dizem.


Síntese histórica da Casa das Minas — Atualmente, ela é dirigida pelo “huntó” (tocador) Euzébio Pinto, neto de Dona Amélia (décima dirigente da Casa das Minas). O Querebentã Toi Zomadonu (Casa das Minas Jeje) foi fundada, aproximadamente, na década de 1840 por uma mulher africana chamada Maria Jesuína, trazida ao Brasil como escrava. Consoante Pierre Verger, Maria Jesuína seria a rainha Nã Agontimé, membro da família real do Daomé, esposa do arroçu (rei) Agonglô e mãe do príncipe Guezô. No documento mais antigo de que se tem notícia sobre a Casa das Minas, a escritura do prédio da esquina data de 1847, estando em nome de Maria Jesuína e suas companheiras que, consoante relatos, eram africanas. Em 1797 o rei Agonglô faleceu, quando Adandozan, em um acesso de fúria, vendeu a mãe de seu meio-irmão como escrava. Agontimé, juntamente com centenas de outros de escravizados, atravessaram o Oceano Atlântico e aportaram no Brasil, onde ela conseguiu comprar sua liberdade e de outras pessoas que a seguiam, e aportuguesou o nome para Maria Jesuína, a fim de não deixar pistas a possíveis perseguidores. Em São Luís, Maria Jesuína —mãe do herdeiro do trono do Dahomé— resolveu construir, mesmo em terras estrangeiras, um reino para que seu filho pudesse governar soberano. Com o auxílio dos deuses da bondade e do espírito ancestral de todas as mães do seu reino, Ná Agontime fundou o Querebentã de Zomadunu , conhecido como Casa das Minas-Jeje —- e, com outras mulheres que lhe seguiam, levantando os altares, os templos e o estilo de vida que levava em sua terra natal, com suas tradições e preceitos, manteve-se à espera de que, um dia, seu filho, o príncipe Ghezo, pudesse receber o seu verdadeiro legado. Em poucos anos, Ghezo destronou Adandozan e enviou uma missão ao Brasil para resgatar Agontimé. Ao chegar ao Maranhão, os súditos reconheceram os costumes e a linhagem real do Dahomé instalados em terras brasileiras. Ná Agontimé voltou a sua terra natal, como mãe do rei, e viveu longos anos. Ghezo governou soberano seus dois reinos, já que todos os voduns (espíritos ancestrais da tradição Fon), originários da família real do Dahomé, permaneceram no Querebentã, em São Luís. Ná Agontimé nos deixou o legado da Casa das Minas, a mais antiga casa africana da nação Jeje, do Brasil. Para comprovar a veracidade desta história, o trono de Adandozan, todo esculpido em madeira, foi enviado por Ghezo a D. Pedro I, e encontra-se exposto no Museu Histórico Nacional.


A Casa de Nagô, do orixá Xangô —- Conta na frente da sua organização, com a presença de Alex Correia, frequentador desde menino do loca, por ser sua bisavó, Dona Victorina, filha de santo (de orixá, vodunsi é de voduns, da Casa das Minas), e dançava tambor de mina desde os sete anos de idade e permaneceu na casa até quando faleceu, aos 100 anos. Também tendo a força, nas festas guardadas durante o ano, dos entusiastas Aírton Ferreira, Betinho Lima, Nazaré, Sebastiana, Vera e Rosinha, etc., a Casa de Nagô, na Rua Cândido Ribeiro, ou Rua das Crioulas, no Centro de São Luís, é considerada uma das maiores referências de culto afro de matriz africana , criada à época do Brasil Império, por malungos africanos, com o auxílio da fundadora da Casa das Minas, e, igualmente, influenciou os demais terreiros de São Luís.
O Nagon Abioton é dedicado ao orixá Xangô, Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo, Livro por Pierre Verger, que foi um fotógrafo autodidata, etnólogo, antropólogo e escritor franco-brasileiro. Compreendia a parte dos fundos de duas casas modestas mantidas por uma irmandade religiosa. O terreiro passou por períodos de grave crise financeira, foi fechado e reaberto, foi vendido e readquirido pela mesma irmandade, porém, dessa última vez, a reaquisição correspondeu somente a uma das casas, que é onde funciona até hoje.
Texto: Herbert de Jesus Santos