JP Guesa Errante – Série Edição Especial (2)
Nesta página, trazemos a segunda parte de uma sequência do GUESA ERRANTE que homenageia o poeta CARVALHO JÚNIOR, na condolência (ou “dor que é sentida conjuntamente) que apresentam seus amigos, principalmente através dos poemas que lhe ofertam.
“nada no mundo medescriançaliza.
vivo, o tempo todo, com meus pássaros.”
Carvalho Junior
Na verdade, todos nós nos expressamos através dessa voz que era/é a mesma de Carvalho, a voz incontida da poesia. São vários e vários poetas que o homenageiam, seja do Maranhão, seja do Brasil. Aqui, como na homenagem anteriormente publicada (Viva Carvalho Junior – Réquiem páginas 4 e 5, do JP TURISMO de 08/04/21), não pudemos trazer o poema-lamento de todos os que escreveram, mas nos foi possível fazer um conjunto forte e representativo.
Nesta edição, além de outros poetas maranhenses, trazemos também o poema “Perguntei ao Rio por ti”, da Wanda Monteiro, como representante de tantos e tantos “poetamigos” do Brasil afora, que tinham uma comunicação quase diária com Carvalho principalmente através do grupo O Arco e a Lira, criado por ele e o professor-poeta Ricardo Leão.
Deste modo, prosseguimos com essa homenagem, com todo o nosso respeito e consideração por esse homem/poeta brilhante, cuja presença move e comove.
Antonio Aílton
Temos a obrigação e a dura satisfação de prestar uma homenagem póstuma a um amigo, um cidadão, que morreu no dia 30 de março de 2021, no caso Carvalho Junior, que nos deixou um poeta homônimo pleno de vida, que está no testamento dos textos que ele deixa para a família e para seus leitores/admiradores, cuja herança é uma fortuna tal, que nos dá, a nós, amigos, e à família, orgulho e consolação.
Na realidade, a homenagem é para a memória do que partiu, mas ficou incólume nos textos. Uma forma de dar sobrevivência para ele, sim, ao poeta Carvalho Junior, revisitado, vivo e pleno nos poemas e na poesia – o que transforma, paradoxalmente, o pleito em homenagem do próprio poeta homenageado, prestada à família e aos amigos.
Acaba sendo, assim, uma forma de volta, de retorno, assinalando uma ausência restituída numa imperecível presença. Uma busca de dar e preencher uma ausência e transformá-la numa prodigalidade de presença. Tal é a força do verbo que se faz carne e habita entre nós.
É quando o próprio morto, paradoxalmente, se ressuscita, se dá vez e voz, através da perenidade da obra literária. E se perpetua vivo, redivivo, radiante, pulsante, entre nós.
O amigo Carvalho Junior, ao nos deixar, nos deixa, como eterna lembrança, o poeta Carvalho Junior, uma memória restituída e imperecível, na poesia.
Alberico Carneiro
CARVALHO
com as cinzas do poema te escrevo
e peço a Deus, pra de ti, cuidar
que não te falte papel tinta letras voos
pra quando o vento selvagem estiver de passagem
pra quando o calanguinho do sertão se divertir
com as cores da tinta
fazendo as letras se juntarem
saberei que és tu
e quando puderes, me responda
com aquele “intamanhável” sorriso no rosto
com a gana do gato-do-mato
que caça alimento para a alma
porque tem sido assim os dias
por alguns instantes
eu e o tempo paramos
as palavras repousam entre as flores
mas nos recompomos embora saibamos
que a vida nunca mais será a mesma.
Silvana Menezes
tijubin’alma
das nenhumas almas que tenho
treze têm o corpo de tijubina,
a cabeça esfolada de pedra,
a carne exposta ao sol da sorte.
a dor que me chora em sangue
é a mesma que em quimeras ri.
quanto mais me decepam o ânimo,
mas recomponho a tinta da teimosia.
Carvalho Junior. O homem-tijubina
& outras cipoadas entre as folhagens da malícia
– edição bilíngue. Patuá, 2019.
CERTEZA
P/ Carvalho Júnior (In memoriam)
Não creio em tua partida, poeta.
Caxias seguirá cheia de ti:
dos rastros do teu espírito;
de tua fé na palavra (e no tesouro
ancestral).
Insisto em conversar contigo
em toda parte: no Pantheon
solitário; no alto do Alecrim;
na Matriz desolada.
(E, por vezes, estacamos na Gonçalves
Dias – ante a estátua insigne!).
A cidade respira o entusiasmo
de tua voz. No entanto,
não te posso abraçar.
És agora uma evanescência
da memória (como se sonhássemos).
Dói-me a estranha certeza
do teu abraço impossível.
Salgado Maranhão
OS PUNGENTES OLHOS DE OUROBOROS
OU O QUE COLABORA PARA MEU CAOS
a Carvalho Junior
o poeta traz na pele um destino insólito
que rompe a existência como um grito
apesar das palavras às vezes lhe faltarem
revitaliza de caos os olhares impassíveis
entre as muitas bocas que se divinizam
ressoa como redemoinho por onde pisa
maestro incólume de versos preteridos
risca o céu como astro sem descaminhos
serpente que instiga homens e verbos
na direção inexata das fugas rotineiras
sem transparecer as emendas no rosto
casulo que atina o que não se espera
implodindo em gestos de delicadeza
a síntese do que pulsa no ressurgir
Bioque Mesito
POETA DIVINO
Ele chegou
Cheio de sorrisos.
Me abraçou carregado de luz.
Deduzi: anjo de Deus.
De passagem nesta terra de loucos,
Veio pra semear o bem.
Levou muita poesia por fazer
E deixou,
Com saudade, toda a poesia que ficou
Wanda Cunha
Em homenagem ao poeta Carvalho Júnior.
FILHO(S) DO ARREBOL
para Carvalho
Palavras voam
sem suas asas
e fora delas
examinando planuras
em consumação de linhas e curvas.
Pairam num ponto
atiradas por alças de alços
e do alto conferem
quem melhor as acolhem
quando ainda nem são
os sóis que surgem
no horizonte dos poemas.
César William
TIJUBINA
para Carvalho Junior
o homem-tijubina espreita
assunta o risco das metáforas
espalhadas pelas veredas
demarcadas pelos passos dos incaltos
o homem-tijubina espreita
pelas margens e entrelinhas
aguarda paciente o desaguar
imediato dos instantes de malícia
das asperezas dos gestos de desdém
o homem-tijubina não se restringe
aos campos de caxias
às aldeias altas das terras do maranhão
aos dias reatados nas palavras
de carvalho junior
o homem-tijubina te espreita
entre as páginas deste livro
Adriano Lobão Aragão
PERGUNTEI AO RIO POR TI
Ao poeta Carvalho Junior
Perguntei ao rio por ti
ouvi ele dizer:
É um inventor de palavras
e nesse fazimento
há mansidão e música
me disse ainda
que dentro de tuas veias
serpenteia um lagarto
que te acorta em versos
o sertão agreste de tua história
Perguntei ao rio por ti
ouvi ele dizer que antes de partires
deitastes pra descansar no leito
e que tu sonhaste: e veio o canto de Uiara da tapuia
[com olhos de céu e cauda de estrelas
veio o cheiro da cachaça com aroma de cupuaçú
veio o acalanto quente dos lençois de areia
veio o balanço da canoa no banzeiro trazendo o cheiro do peixe
O rio me disse:
Seus olhos rasgados de sol ficaram fechados
ele continuou sonhando
O rio sussurou:
Ele agora é um Encantado
O rio me disse que antes de partires
tu inventaste uma ultima palavra
e que a palavra te serviu de nave
para visitar outras estrelas
O rio se despediu me dizendo:
O poeta fez um voo de luz
foi se embrenhar na eternidade
Wanda Monteiro
TRIBUTO A CARVALHO JUNIOR
Fui à cacimba com água das gamelas
E pássaros na orelha dos quibanos.
Um poeta saltou dos pilões de pedra
Com um sorriso largo e asas de anjo.
Logo atrás das aldravas das janelas
A noite caiu em silêncio e espanto.
O cofo da aurora está cheio de pétalas,
As mãos fartas de nêsperas e jambos.
Um urutau cantou por entre as feras,
No meio das cajuínas do tempo manco,
Ao som de grilos, lendas e libélulas.
O poeta sorriu com os dentes brancos
Pelos arbustos verdes das florestas
E sigo os seus passos por onde vamos.
Ricardo Leão