O primeiro time dos compositores das Escolas de Samba do Maranhão sofreu considerável perda, com o falecimento de Chico da Ladeira (Francisco de Assis Vieira), aos 71 anos incompletos (nascido em São Luís, em 6.12.1949), após passar três dias internado na UPA do Bacanga e a seguir transferido para o Hospital de Cuidados Intensivos (HCI), na Av. Jerônimo de Albuquerque, onde ocorreu o óbito em decorrência de falência múltipla dos órgãos, na madrugada de 24 de outubro último. Prestigiaram o seu velório, na sede da Flor do Samba, no Desterro, populares, seus fãs, que seriam uma multidão, certamente, se não houvesse o temor pela pandemia, nas aglomerações, assim quanto no seu sepultamento, de tardezinha, no Cemitério do Gavião, onde estiveram notáveis, além do seu filho, Ladeirinha, e outros familiares: o presidente da Flor do Samba, Luís César Maia(Lulu), o ex-jogador do Sampaio Corrêa, Vico, o jornalista e radialista Joel Jacintho, o jornalista, poeta e cantor Cesar Teixeira, e o jornalista, poeta, prosador, compositor e folclorista Herbert de Jesus Santos, ambos autores de sambas-enredo considerados antológicos.


Palavra de presidente vale ouro — Consoante Lulu, desde o ano passado, Chico da Ladeira vinha tendo internações hospitalares, que se intensificaram em 2020. Destacou que consagrado, em 1979, com Haja Deus, em parceria com Augusto Tampinha, foi se consolidando qual um dos principais compositores do nosso carnaval, não só da Flor, onde marcou o seu talento em O Circo, Joãosinho Trinta, o Arquiteto das Ilusões, Em Terra de Poetas, a Flor é Marrom, etc. “Fez diversas músicas, além de sambas, dentre toadas de bumba-boi, deixando um legado muito grande e perda irreparável para a Flor, carnaval e para a cultura maranhense!”— enfatizou Lulu César Maia.
Jackson Lago, seu padrinho de casamento — Ainda emocionado com a perda do pai, seu filho, Francisco de Assis Vieira Júnior, ou Vieira Júnior, o popularizado Ladeirinha, confirmou para o repórter, ao telefone, na tarde de ontem, que ele havia passado três dias na UPA do Bacanga, internando-se logo no HCI (Hospital de Cuidados Intensivos), onde morreu. Nascido em 3.11.1987, em são Luís, Ladeirinha assinalou que o seu pai tinha uma predileção grandiosa pela Flor do Samba e o bairro dela, pois, ao casar-se com sua mãe, Flor de Lys Santos Vieira (hoje, com nova família, na Vila Maranhão), na Igreja do Desterro, fez questão da recepção ser na sede da sua agremiação de coração, com a lembrança deste repórter de que o Dr. Jackson Lago, tratado por ele, numa sua música, O Líder, foi o seu padrinho de casamento. Jackson (Kleper) Lago, aliás, foi governador do Maranhão e prefeito de São Luís por três ocasiões (1989-1992, 1997-2000 e 2001-2002, quando foi reeleito), e conquistou o título de melhor prefeito do Brasil, de acordo com pesquisa do jornal Folha de S. Paulo.


Habilidoso, como Canhoteiro — Conheci Chico da Ladeira, ele, estudante do Marista, eu do Liceu, nas peladas no Laranjal, ou num campo de futebol improvisado onde surgiria o Parque do Bom Menino, em 1967/8, muito concorridas com atletas da Rua do Apicum, Vila Passos, e da Macaúba, em que Haroldo Prado (atacante veloz e driblador), aluno da Escola Técnica Federal e logo no time titular do Sampaio Corrêa, realçava-se. Chico, que não era ainda da Ladeira, canhoto, era habilidoso em fazer pezinho com “bagaço de laranja” e, com o pé esquerdo, retirar moeda do chão, algo parecido com o lendário conterrâneo Canhoteiro, que brilhou no São Paulo Futebol Clube e, certamente, se na Seleção Brasileira, em preparação para a Copa de 1958, na Suécia.
Gol de placa com o pé direito — Sentindo, que nem a Cidade, a morte de Chico da Ladeira, o ourives Alexandrino Catarino Cabral Filho (Dino), em sua loja na Rua de Santaninha, entre Rua Grande e de Santana, relatou para a Reportagem que ele, jogando pelo Tupã, amador, da Madre de Deus, em 1972, contra Seleção de Viana, que se preparava para o Intermunicipal, naquela cidade, marcou um golaço, da seguinte forma: Na cobrança de um escanteio ao Tupã, ele veio correndo do meio campo, pedindo o cruzamento para ele, quando a defesa adversária parou, e ele, todo gás e saúde, matou a bola no peito e mandou um balaço para dentro do gol. Detalhe: Foi com o pé direito, não o esquerdo firmado.
Entre a joia, ou esmola, para o Divino — Dino, originado da Madre de Deus, quando sua ourivesaria era na Rua de Santana, esquina com a Rua Antônio Rayol, onde o compositor famoso residia, solicitado para opinar sobre Maranhão, Festas, Lendas e Mistérios, simplesmente, Haja Deus, em 1979, considerou para Chico da Ladeira, na parte da Festa do Divino, que era falado joia, não esmola, e não houve Divino que desse a versão da joia na letra que ficaria um dos hinos do carnaval maranhense. Perguntei ao mestre Dino, ao celular: E na composição dele, no enredo Praia Grande, que tinha tudo para ser cantada pela Turma do Quinto, como segundo lugar, em 1981, com a desistência de Godão e Bulcão, vencedores do concurso, aberto aos compositores, não só da Madre de Deus? Em cima da bucha, Dino, cuidando do seu ofício, em que é craque de mão-cheia, respondeu, monossilábico: “Nessa eu não entrei!”
“Era Manoel, era Joaquim, foi a Turma do Quinto que passou cantando assim!”
Posso falar de cadeira sobre o artista aludido, e eu com a bagagem de campeão pela Favela do Samba, desde o concurso interno, no desfile das escolas de samba, em 2003, com o enredo De Sousândrade e Louco, Todos nós Somos um Pouco, mas Genial e Errante só O Guesa, para a Escola Pirata do Samba de São José de Ribamar, em parceria com Cesar Teixeira, em 1983, Erasmo Dias e Noites, com Godão e Bulcão, para a Turma do Quinto, A Festa de São Pedro na Madre de Deus, e minha consagração, com Origens e Lendas de São José de Ribamar, em 1979, quando a Escola Pirata do Samba, campeã no Grupo B, passou para o A, no campeonato em São Luís. Assim, acompanhei sambas memoriais de Chico da Ladeira, sempre na Flor do Samba. Se estivesse no Rio, ou São Paulo, seria um dos mais requisitados da ala de compositores das agremiações, por sacar uma melodia contagiante, se com um bom letrista, muito melhor! Tentei participar com samba-enredo sobre A Lenda de D. Sebastião, na Praia dos Lençóis, numa agremiação carioca, ao carnaval de 2019, que não se interessou, e preferiu um trabalho local confuso e fraco para a grandeza que exigia, apesar da força, ali, dos maranhenses Augusto Maia (Tampinha, poeta e compositor), violonista João Pedro Borges (Sinhô) e o seu tio César Lima (meu contemporâneo na Madre de Deus). A Beija-Flor voou com milhões nossos para o enredo dos 400 Anos de São Luís, e compôs um dos seus piores sambas, em 2012.


Quando a Turma do Quinto, com o enredo Praia Grande, para o carnaval de 1981, abriu o concurso para compositores não apenas do bairro, Chico da Ladeira ficou em segundo lugar. Com a desistência da dupla Godão e Bulcão, ganhadores, achando que não emplacaram um do tamanho deles, e eu concordo, com um refrão devagar, mesmo na onomatopéia “Olha o bonde belém, blemblém, blemblém, o meu troco, condutor, tá faltando um vintém!”, também o vice não demorou muito, pois encontraram no samba de Cesar Teixeira, já cantado por ele nas esquinas e quitandas da Madre de Deus, e não menos antológico, a salvação da pátria, e não havia sequer participado da seleção oficial, e a TQ, perdendo para a Flor, em 1979 e 1980, foi ali campeã de ponta a ponta. A diretoria raciocinou que viria do Desterro mais gozação, como no bicampeonato com o enredo de Daomé à Casa das Minas, e, em 1981, entornaria o caldo já se valendo de um dos ases da Flor em samba-enredo. Nunca tive dúvida de que aquele refrão de Chico da Ladeira, em sua composição encorpada e evocativa, seria decantado até hoje: ´(…)Era Manoel, era Joaquim, foi a Turma do Quinto que passou cantando assim!´ Contagiava: Até os portugas da Lusitana, gerenciando o supermercado, fundado por Seu Manoel, na Rua de Santana, esquina com a ladeira da Antônio Rayol, reduto da inspiração do sambista, já cantavam. Patativa já havia dado o brado que a macharia, na Madredivina, ia relaxar “o chá de barbudinho dela”, com sua química da pá virada, um potente afrodisíaco, por causa do “Me dá um raspado aí!”, da criação de Chico da Ladeira, e, com a boa recepção, “Me dá um raspado aí!” era cantado nas prévias carnavalescas, nas ruas e sede do Quinto. (Chico da Ladeira também compôs, em parceria com o poeta Francisco Tribuzi, músicas carnavalescas)
Aleijadinho cadê meu relógio que tu roubou?
Aleijadinho cadê meu relógio que tu roubou?
Eu não roubei Zé Leite, eu não roubei Zé Leite
Foi tu que empenhou pra Bobô!
(Toada de bumba-meu-boi, cantada por Coral da Cemar)
Texto: Herbert de Jesus Santos