De repente, o verão não chegou ao final, pois, sorrateiramente, ainda na ressaca do carnaval, o mundo é surpreendido por uma palavra que destruiu os mais fortes e modernos sistemas de defesa nuclear, poderosos sistemas financeiros, políticos, todos foram pegos com as calças nas mãos. Covid-19. Um vírus, inicialmente de baixa letalidade, logo se transformou em um surto com poder de contaminação ultra-sônico. Com a velocidade da luz se alastra pelos continentes, deixando de mãos atadas renomadas universidades, super laboratórios, gerando perguntas sem respostas, correria para entender o que estava acontecendo, conhecer quem atacava a humanidade tão violenta e impiedosamente. A cada número de infectados, de mortos, o novo coronavírus revelava uma face cruel para os cientistas que correm no seu encalço, como inocentes caçadores de borboletas. Na mesma velocidade, se transforma em uma incontrolável pandemia, palavra aposentada há um século, em desuso desde a gripe espanhola.
Aí começa uma história para o mundo contar adiante.
É, mudou. Mudou o mundo, mudou o ângulo de ver o mundo. Mudou o universo, mudou a amplitude do universo, mudou do plural para o singular, mudou o tempo do verbo. O eu passa ser a primeira e única pessoa. Meu espaço é minha casa, as paredes são as grades que me separam do perigo que espreita lá fora. Muda meu vocabulário, encolhendo o cotidianamente utilizado.
Pandemia, covid-19, novo coronavírus, use máscara, álcool em gel, álcool a 70%, distanciamento social, pico, platô, vai passar, sairemos mais fortes, vamos nos encontrar, protocolo, retomada. lives, quando tudo isso passar, doação, tudo se normaliza, aprendizado, reinventar, reativar a economia, novo normal, pós novo normal, colapsar, socialização de competências, sobrevivência ao mercado, fechamos tudo, tudo que podia fechar, estes e outros termos foram definitivamente incorporados ao linguajar diário das pessoas, das mídias… Palavras e termos que adicionei ao dia-a-dia para me comunicar com o exterior da minha bolha de sobrevivência.
Passo a ver o mundo pelas minhas janelas. As três voltadas para a mesma direção, para o mesmo cenário, mas faço de conta que troco de paisagem quando mudo de janela, minha medida de tempo passa a ser 14 dias.
Meses passam, outono e inverno. Às portas da primavera, economias, projetos, planejamentos, sonhos, profissões, ruíram sob olhares atônitos do mundo, sem saber ou ter o que fazer a não ser pronunciar os diversos chavões que foram surgindo por todas as bocas como se fossem para justificar a impotência diante de um inimigo invisível e avassalador. Teorias da conspiração surgiram por diversos matizes ideológicos, acompanhadas de mirabolantes e milagrosas receitas de cura e esperança da vacina salvadora… Bares, restaurantes, shopping centers vazios, empregos desaparecendo, empresas falindo, aeroportos, rodoviárias, cidades, o mundo fechando, a população parada confinada em casa e quem ousa desafiar é punido impiedosamente.
O mundo vive de lives, temas até agora escondidos vieram à tona através dos debates e discussões dos novos especialistas em generalidades. O digital foi definitivamente descoberto e sendo largamente incorporado às FAKES, reuniões, eventos, festas presenciais. O mundo virou um mar de bondade e doações. Até quando conseguirão salvar os menos favorecidos e famintos da pandemia? Olhos atentos nas estatísticas que não param de crescer negativamente, abre-e-fecha da economia cada vez mais combalida, vai passar, sairemos dessa mais fortes, menos o turismo, atividade que agoniza sem turistas para ocuparem os assentos dos aviões, os quartos dos hotéis, as mesas dos restaurantes, o que estrangula a cadeia que faz a roda do turismo girar na economia da cidade.
A pandemia não acabou, é preciso distanciamento social, usar máscara, ficar em casa, chegar a 60% dos leitos de UTIs ocupados, protocolos para os hotéis, protocolos para os bares e restaurantes, o destino precisa investir em divulgação e promoção para os turistas encherem os aviões… Aí todos poderão lançar mão dos diversos manuais criados para a retomada da economia no Brasil.
Todas as noites, quando o apresentador do jornal da TV diz boa noite, amanhã tem mais, eu respondo, estarei aqui novamente e não sei até quando.
Acho que cabe aqui, pelo menos, um trecho de “O Tempo”, do poeta Mário Quintana:
O tempo não pode ser segurado; a vida é uma tarefa a ser feita e que levamos para casa.
Quando vemos já são 18 horas.
Quando vemos já é sexta-feira.
Quando vemos já terminou o mês.
Quando vemos já terminou o ano.
Quando vemos já se passaram 50 ou 60 anos.
(“O Tempo”, Mario Quintana)
Quando vemos, nos damos conta de ter perdido um amigo.
Quando vemos, o amor de nossa vida parte e nos damos conta de que é tarde para voltar atrás…
Não pare de fazer alguma coisa que te dá prazer por falta de tempo, não pare de ter alguém ao seu lado ou de ter prazer na solidão.
Porque os teus filhos subitamente não serão mais teus e deverá fazer alguma coisa com o tempo que sobrar.
Tenta eliminar o “depois”…
Depois te ligo…
Depois eu faço…
Depois eu falo…
Depois eu mudo…
Penso nisso depois…
Deixamos tudo para depois, como se o depois fosse melhor, porque não entendemos que:
Depois, o café esfria…
Depois, a prioridade muda…
Depois, o encanto se perde…
Depois, o cedo se transforma em tarde…
Depois, a melancolia passa…
Depois, as coisas mudam…
Depois, os filhos crescem…
Depois, a gente envelhece…
Depois, as promessas são esquecidas…
Depois, o dia vira noite…
Depois, a vida acaba…
Não deixe nada para depois porque, na espera do depois, se pode perder os melhores momentos, as melhores experiências, os melhores amigos, os melhores amores …
Lembre-se que o depois pode ser tarde.
O dia é hoje, não estamos mais na idade em que é permitido postergar.
Gorgônio Loureiro – Jornalista especializado em Turismo, vice-presidente da Abrajet-BA
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