Diz a lenda que em tempos muito antigos existia um peixe triste que vivia nas profundezas do Rio Araguaia. Aruanã não gostava de ser peixe, o sonho dele era se transformar em ser humano e viver fora das águas.


Naquela época, os seres aquáticos do Araguaia sempre realizavam a linda festa do Boto, o senhor das águas, com a participação da Iara, de sua irmã Jururá-Açú e de todos os entes do rio. Aruanã era o único que não se sentia feliz.
Um dia, Aruanã saiu da festa do Boto e foi nadando para cada vez mais longe do fundo do rio. Atraído pela luz do sol, o peixe infeliz se aproximou da superfície e, quase sem conseguir respirar, fez um pedido desesperado ao deus do Universo: “Tupã, senhor da vida e da natureza, por tudo o que é mais sagrado, me tira das águas onde nasci e me deixa viver como humano!”.
Ante a súplica profunda de Aruanã, Tupã se compadeceu do seu destino e o transformou em um guerreiro forte e belo. Recebido na Terra pelas Parajás, entidades da justiça das matas, com elas formou família, e assim nasceu o povo Karajá, que hoje vive às margens do Araguaia.
É por essa razão que, todos os anos, em noites de lua cheia, os indígenas fazem o belo ritual de Aruanã, com cantos e danças, para celebrar o criador da nação Iny.
Por trás da lenda há uma há um povo rico em cultura e história, os Iny, que vivem na Ilha do Bananal (Tocantins) e nos estados do Pará e Goiás. Perpetuar e divulgar para o mundo os cantos sagrados que fazem parte da cosmologia e da vida do povo Iny Karajá é a proposta do projeto Cantos do Aruanã.
O projeto


A captação de áudio ocorreu no último final de semana, na Fazenda Encantada, em Taquaruçu, distrito de Palmas, Capital tocantinense. Todo o trabalho foi registrado para produção de um documentário.
O projeto, que consiste na gravação de um CD com 30 cantos originais foi consolidado pela Coordenação Regional Araguaia Tocantins, a partir da demanda dos anciões Iny, e tem recursos descentralizados pela Coordenação Geral de Promoção da Cidadania – Funai Brasília, com execução da Associação Ninho Cultural, em parceria com os indígenas e a equipe da Funai.
Os cantos sagrados foram entoados por dois representantes da Aldeia Santa Isabel do Morro, localizada na Ilha do Bananal: Berekete Karajá, cantor tradicional, e Sokrowe Karajá, Pajé e cacique cultural da Aldeia e chefe do cerimonial do Hetohoky, ou Casa Grande, que é a grande festa de iniciação masculina do Povo Iny. Também colaborou o professor Leandro Karajá.
Segundo o diretor geral do projeto, Diego Brito, todo o trabalho foi pautado pelos próprios indígenas, que definiram quais seriam os cantos a serem gravados. “A gravação foi uma demanda da comunidade e entendemos que os donos da cultura deveriam dizer como gostariam do registro”, explicou.
Sokrowe Karajá explicou que, assim como os estilos musicais que conhecemos, há oito células distintas, com cantos e danças diferentes. Para realizar as gravações, foram escolhidas três delas, cada uma com dez cantos. Um pequeno extrato de uma cultural ancestral que merece ser conhecida a partir de projetos de vivências turísticas que ainda estão em fase de amadurecimento.
“Com este trabalho, percebemos que há muita desinformação sobre os Aruanãs e este projeto pode ajudar com novos dados”, observou Emerson Silva, diretor de fotografia com mais de 15 anos de experiência no registro dos povos indígenas do Tocantins. Segundo ele, a principal é vincular os Aruanãs somente ao Hetohoky. “Os Aruanãs são representações das forças da natureza, e assim como os orixás africanos, cada entidade possui suas características próprias”, explicou.


Povo Iny
Os Karajá, Karajá-Xambioá (ou apenas Xambioá) e Javaé formam o povo Iny (pronuncia-se ‘inã’), que significa “nós”, pertencente ao tronco lingüístico Macro-Jê, família e língua Karajá. Juntos, formam o maior povo do Tocantins, com 6.123 indígenas, conforme o último levantamento.
Essencialmente coletores e pescadores, parte do povo Iny se fixou na Ilha do Bananal após longo período de migração.
Os rituais mais conhecidos e preservados do povo Iny são o Hetohoky (pronuncia-se retorrocã, que significa Casa Grande) e Aruanã, a Festa do Mel, o Itxeo (Homenagem aos Mortos) e Maarasi (Festa da Alegria).
Ficha Técnica
Direção Geral: Diego Brito
Produção Executiva: Ninho Cultural
Áudio: Iury Grooveman
Gravação Vídeo: Victória Pesan
Edição e finalização de vídeo: Victória Pesan
Fotografia e direção de fotografia: Emerson “Bento” Silva
Arte Gráfica e Redes sociais: Rafael Naufel
Texto: Seleucia Fontes
Edição: Gutemberg Bogéa