A saudação de blocos e escolas de samba de São Luís, cujo começo está nas brumas do tempo, não deixava por menos os que os recepcionavam em uma visita, no seu bordão contumaz: Vai querer? Vai querer? Vai! Para quem nos recebe? Tudo! Para a nossa agremiação? Nada! Nos tempos atuais, soaria quanto o prestígio aos que ajudam a Cultura Maranhense, e o demérito aos que a atrapalham em todos seus segmentos.


Fariam honra ao mérito os bailes populares (de máscara), qual o Bigorrilho, que marcaram época, na cidade, nos carnavais mais comentados, e nada para os seus detratores e inimigos declarados, como assim: “Em nota de fevereiro de 1959, o jornal Diário da Manhã revela em sua primeira manchete a situação econômica de São Luís, que precisa se modernizar, e comenta que as festas do Carnaval entram em declínio (grifo do jornalista). Coloca tal situação como decorrente do elevado custo de vida, faltando recursos, até mesmo para a população divertir-se… Destaca o jornalista: Parece até que, no momento, apenas o Rio de Janeiro faz excepcionais homenagens a Momo, enquanto aqui, continuamos a ter aqueles bailes de máscaras, que se precisa acabar. O Carnaval maranhense está metido em suas máscaras nos clubes populares, onde reina a mais completa degeneração.”
Este trecho, Pós-graduação em Políticas Públicas da UFMA, está em O Império da Folia e as Máscaras da Repressão, de Sandra Maria Nascimento Sousa, num texto que discute a participação das mulheres nos bailes de máscaras do carnaval, em São Luís, e os jogos de relações institucionais que os controlavam e os limitavam. Não deixa para trás que as folionas trabalhavam nas fábricas São Luís, Cânhamo, Rio Anil, escritórios, repartições públicas, ou na casa da patroa, onde eram cozinheiras, lavadeiras, etc.
O redator do Diário da Manhã estava muito longe mesmo de A “camavalização” estudada por Bakhtin, que é um recurso para a compreensão do Fausto goethiano. A “camavalização” é uma abordagem para a influência do imaginário festivo popular do teatro. As festas na corte com suas mascaradas, procissões, alegorias, jogos pirotécnicos remontam à tradição do carnaval, nas festividades medievais. Goethe, filósofo e poeta alemão, um dos maiores cocos do universo, em qualquer tempo, tinha grande interesse pelo “simbolismo realista” das festividades populares. Iria se esbaldar com o carnaval das dançarinas de máscaras de pano preto e nariz de pano vermelho, em São Luís.


A origem do Baile do Bigorrilho — Foi no carnaval de 1964 que o samba-coco Bigorrilho, gravado pelo cantor carioca Jorge Veiga, estourou nas rádios de São Luís, quanto a Ribamar, na Rua do Apicum, onde o popular comerciante Dutra tinha propaganda de uma sua loja nos programas. Com a visão aguçada, ouvindo Bigorrilho toda hora, abriu um baile de máscara com este nome, no Caminho da Boiada, que cedo ganhou a preferência dos foliões e apoiado por uma publicidade apelativa de ter tudo de melhor (orquestra, animação, etc.), que rodava numa caminhonete dirigida pelo meu contemporâneo dos Apicuns de Erasmo Dias, Luís Carlos Leite (Paru), nos bairros centrais e periféricos mais próximos. E Bigorilho, em todos os carnavais, enchia as ruas de graça com uma melodia e letra de dar conta do recado: “Lá em casa tem um bigorrilho,/Bigorrilho fazia mingau,/Bigorrilho foi quem me ensinou,/A tirar o cavaco do pau!/Trepa, Antônio,o siri tá no pau,/Eu também sei tirar o cavaco do pau.(bis)/Dona Dadá, Dona Didi, seu marido entrou ali,/Ele tem que sair, ele tem que sair!”
Acabado por decreto — Os bailes de máscara, ou de segunda, no Bigorrilho, foram até que o então prefeito Epitácio Cafeteira decretou sua extinção, em 2.1.1966. Incontinenti, ganhou uma marchinha adesista, sob medida ao Palácio de La Ravardière, que seria a cara do maestro João Carlos, pai da cantora e sambista Alcione Marrom: “O Cafeteira não quer máscara neste carnaval!/E aí tem muita gente que vai ficar se dando mal!/Boa, Seu Cafeteira, mande a máscara pra Lua!/Basta aí de mascarados/que a gente vê todo dia pelas ruas”! Em cima da bucha, recebeu um enxame de pragas e zangões, por retirar da cancha as folionas da classe humilde, e, sem mais o quê para a camuflagem, ditas casadas que pagavam (táxi) para ver se os cônjuges haviam viajado mesmo, a serviço, ou caído na gandaia. Mesmo assim, o Bigorrilho aconteceu até 1971.
Meu ingresso com “o motora” de Dutra — Ali, na noite de um sábado gordo, no auge da minha adolescência, aluno do Liceu, dancei com um pé na frente, outro atrás, para não errar quando menos no sexo do par, de máscara negra de pano negra e de boina, que sempre ouvia “Eu te conheço, carnaval!”, a fim de algum indício desejoso ao ansioso dançarino. Paru (que era zagueiro insubstituível do nosso Apicum Futebol Clube e motorista do carro de propaganda de Dutra, o dono do Bigorrilho) falou ao porteiro, consoante combinamos, um dia antes, na Rádio Ribamar, na Rua do Apicum, em que seu mano Antônio Leite (Mitouca) era funcionário: “Esse aí é meu!”


O famoso bicão bem-vindo — Sem dinheiro nem para um refrigerante, encontrei um oásis numa mesa em que estavam Aldir Dantas, e Edy Garcia e Rayol Filho (da Rua do Apicum), radialistas da Rádio Difusora, e Elmar Costa, da TV Educativa e morador do Caminho da Boiada, que me provisionaram de cerveja, e tira-gostos, e uma posição boa para colocar o meu alvo mascarado na mira infalível. Era o bicão chamado na Jovem Guarda, ou penetra nas festas de aniversariantes embaladas por radiolas, nos bairros populares, com ingresso facilitado por um conhecido. Depois, fui por conta própria ao Bigorrilho, mas aí é uma outra história!


Carnaval na morada histórica — Com Baile da Prometida, na noite do sábado gordo, a morada inteira (casarão colonial), na Rua Afonso Penna, bombou de jovens de poder aquisitivo mais alto, havendo as vesperais, já marcado point de sucesso para 2023. Como não sou aquele jornalista indígena do passado, com hipocrisia de que eram antro de degeneração os bailes de máscara ou de segunda, porém vendo Cultura (alma do povo), qual veria um dos maiores cocos do universo (o alemão Goethe), indico que poderia ser aberto um espaço, no Centro Histórico, que nem na Casa do Tambor de Crioula, para ressurgir um novo Baile do Bigorrilho. Lembro um tino empresarial, que nem o do saudoso Dutra, no Caminho da Boiada, não algum inadvertido bibelô que, torcendo o nariz para o próprio umbigo, com suspeição de narcisista, só quer ser o que a folhinha não marca na avara seara cultural maranhense!
Texto: Herbert de Jesus