Tudo começou na cidade de Nazaré, na Galileia, onde o Anjo Gabriel anunciou à Virgem Maria que ela fora escolhida para ser a mãe do Filho de Deus, e onde Jesus passou sua infância, provavelmente, por isso, o segundo centro de peregrinação mais procurado de Israel (depois de Jerusalém). Maria, uma jovem muito religiosa, após casar com José, um carpinteiro (José de Nazaré, o Operário), precisou viajar já grávida para Belém de Judá, a fim de participar do recenseamento obrigatório engendrado pelos romanos dominadores de parte do Mundo conhecido. Depois de uma cansativa viagem feita a cavalo, o casal chegou à cidade, que, por conta do censo, estava cheia, sem mais quartos em nenhuma hospedaria para que eles pudessem descansar. Porque a estribaria de um albergue era o único lugar que acharam para repousar, foi ali, diante de alguns animais, que Maria deu à luz o Menino Jesus, logo visitado pelos Reis Magos, que, consoante a Bíblia, realizaram uma leitura dos astros e constataram que o brilho singular de uma estrela anunciava o nascimento do Rei dos Reis, Jesus. Eles saíram do Oriente e foram ao encontro do local do nascimento do menino sagrado, em Belém, seguindo a orientação da Estrela, levando presentes para Ele: Melquior ofereceu ouro, que representava o sinal da realeza; Baltazar levou incenso, que simbolizava o sinal de que Jesus era Filho de Deus; e o último Rei, Gaspar, concedeu mirra, um medicamento natural do Oriente Médio, que caracterizava a humanidade de Jesus. Ao nascer em um local simples, Jesus deu início a esse costume de Natal, que seria representado por milhares de anos.


Estrela de Belém com Júpiter e Saturno — Com alusão a esse acontecimento bíblico extraordinário, Júpiter e Saturno, os dois maiores planetas do sistema solar, alinharam-se na segunda-feira (21.12.2020), num evento raro conhecido como Estrela de Belém, Estrela de Natal ou Grande Conjunção. O fenômeno, visível a olho nu, não acontecia desde a Idade Média. Na fumaça da pólvora, a pesquisadora Josina Nascimento, do Observatório Nacional, no Bairro São Cristóvão (RJ), explicou que ainda seria possível visualizar o sucesso astronômico ao menos na terça-feira (22). Por sua vez, alguns astrônomos, na Revista Galileu, sugeriram que a estrela brilhante que guiou os Três Reis Magos até Jesus seria uma conjunção entre os planetas Saturno e Júpiter. “Estrela de Belém pode ter sido fenômeno parecido com o que ocorre nos céus hoje!” — intuíram.
Criação do Santo Pobrezinho de Assis — Ficou voz corrente que foi São Francisco de Assis, por volta de 1223, em Greccio/Itália, quem idealizou essa forma de prestar homenagem ao Menino-Deus, construindo, então, o primeiro presépio. A partir dessa data, generalizou-se nas comunidades franciscanas esse costume de se representar simbolicamente o Nascimento do Salvador. Com o tempo, estendeu-se por terras italianas e todo o universo cristão. Acredita-se que, no Brasil, o presépio pode ter sido introduzido pelos primeiros colonos, podendo essa prática ter sido reforçada com os padres jesuítas, em 1584, sendo, por vezes, acompanhado de cantos, danças e dramatizações, usados quanto veículos para tornar mais compreensíveis aos índios e colonos os dogmas da fé e religião católicas. No Maranhão, esse hábito religioso também se difundiu, tanto que nas primeiras décadas do século 20 já era muito cultivado em São Luís.
Em Natal (reunião de contos) de Astolfo Marques — Negro, nascido em São Luís, paupérrimo, quando ainda vigia a Escravatura, nada disso foi empecilho para (Raul) Astolfo Marques ascender, quando menos, literariamente, e ser um dos fundadores (cadeira 10) da Academia Maranhense de Letras(AML), a 10.8.1908, dia do aniversário de nascimento de Gonçalves Dias. Apreciava escrever sobre festas populares ludovicenses, qual no conto O Presépio de Nicolau, comprovando que este já se achava bem-acomodado no Maranhão, no fim do século retrasado: “Fazia já vinte e cinco anos que o Nicolau se esmerava em preparar com todo esplendor e requinte o seu presépio. Todos os anos, era aproximar-se o Natal, e já um novo melhoramento se lhe deparava a introduzir na abobadada gruta, onde, entre montanhas de tabatinga, incrustadas de cascas de mariscos pseudopedrarias – e o matagal em que a flora se manifestava variegadamente, na lapinha, se salientava a minúscula imagem do Deus-Menino, duma beleza artística admirável. Naquele ano, o Nicolau celebrava o jubileu do seu presépio, e o brilhantismo de que ele queria revesti-lo ecoava já tonitruantemente pela cidade. Se nos anos anteriores, imaginava, quase toda a população são-luisense acudia com fervor a visitar o belo presépio, sendo todos unânimes em dar-lhe a primazia pelo esplendor, quanto mais no ano jubilar, em que antecipadamente estava tudo preparado para fulgurar pomposamente! Semanas antes do Natal, era já de ver a atividade do homem posta em prática, no preparo, com galhardia, do Babilônia, que era como ele denominava o presépio(…)”


O espírito natalino grandioso numa manjedoura — Num bordejo, em bairros centrais, a Reportagem do JP Turismo constatou que, mesmo com o movimento retraído pela pandemia da Covid-19, há o aguçado clima festivo para a celebração do período natalino, na preparação da chegada do Menino Jesus. As luzes da cidade, ruas, casas, prédios e igrejas se ornamentaram para a Magna Data. A tradição não sofre solução de continuidade e é representada sobremodo com a montagem dos presépios. A recriação da manjedoura, dos animais e reis reforçam a memória do Natal para os cristãos. Durante a noite, iluminados, muitos deles viram atração para famílias e crianças que guardam a lembrança das decorações em fotos. “Em diversos tamanhos e cores, a armação dos presépios se diversifica com a disposição dos fazedores e o espaço destinado à instalação. Todavia, independentemente da proporção das imagens, o propósito do ritual é recriar a palavra bíblica do Nascimento de Cristo e resgatar o espírito de fé das pessoas!” — estimou Dorilene Sousa Santos, graduada em Turismo, com mestrado em Cultura e Sociedade da UFMA, e residente na Av. Ruy Barbosa, na Madre de Deus.


No Centro de São Luís, sem perder o rumo da tradição — A Cidade habituou-se a ver os presépios dos Paços da Quaresma (neste ano, só no Beco da Pacotilha, não foi erguido o da Rua Afonso Pena), e os do Museu Histórico e Artístico do Maranhão (Rua do Sol, 203-Centro). As igrejas se esmeram na tradição: o Convento e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, na Praça João Lisboa, e pertencentes à Ordem dos Capuchinhos, um dos templos católicos tradicionais, localizando-se numa área tombada pelo IPHAN desde 1955. Na Igreja de Santo Antônio, aliás, houve o primeiro presépio natalino de São Luís. Na Igreja da Sé, na Praça D. Pedro II, na Igreja dos Remédios, na Praça Gonçalves Dias, na Igreja do Desterro, no largo do mesmo nome, na Igreja de São Pantaleão e na Igreja de São João, na Ru da Paz, etc.


Na Casa de Nagô, de culto de matriz africana — Assim como o da Casa das Minas, na Rua São Pantaleão, o primeiro terreiro de matriz africana (jeje), no Maranhão, na Casa de Nagô, na Rua das Crioulas, obedecendo a uma tradição que remonta a um tempo imemorial, no terreiro, também, de raiz afro, de origem iorubana, que vem do meado do séc.19, a feitura do presépio, com a planta murta, na semana antecedente ao Natal, segue um ritual de ladainha encabeçado pelos abnegados Alex Correia e Eladir Pereira (Lalá), com apoio da Associação dos Amigos da Casa de Nagô, com Betinho Lima e Aírton Ferreira. Presépios comunitários — São encontrados, há muitos anos, no Bairro da Madre de Deus, na Praça Dr. Carlos Macieira, mantido por grupo de antigos moradores, e no Bairro do João Paulo (Caratatiua), em plena rua, onde entusiastas são devotados, de acordo com as entrevistas jornalísticas, há mais de meio século.


No Estaleiro-Escola do Sítio Tamancão — Essa tradicional reminiscência natalina (presépio) vem sendo produzida no Estaleiro-Escola, que é uma unidade vocacional do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema), e fica localizado às margens do Rio Bacanga, no Sítio Tamancão, Anjo da Guarda, funcionando desde dezembro de 2006, com a intenção de formar mestres carpinteiros, pintores, calafates, ferreiros e mecânicos que atuam na produção artesanal de embarcações. O engenheiro civil Luiz Phelipe Andrès foi um dos coordenadores do projeto de pesquisa Embarcações do Maranhão (1998) para a formação de aprendizes na tradição da construção naval do Maranhão, preservando técnicas artesanais e peculiares dos mestres carpinteiros nas embarcações, difundindo o conhecimento popular para as novas gerações.


As lapinhas de murtas — Pesquisador e produtor cultural, ex-diretor do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, Sebastião Cardoso destaca que um dos símbolos mais utilizados pela população maranhense são as lapinhas de murta, ou presépio de murtas, feitos na época natalina, mas com características folclóricas singulares em relação a outras regiões do País, com os enfeitados ainda com ariris. “Durante a época de Reis no Maranhão, são feitas queimações de palhinhas de uma planta chamada murta, evento religioso e de cultura popular realizado no Maranhão, marcadas pelo desmonte do presépio que reproduz a cena do Nascimento de Jesus e a visita dos Reis Magos, havendo manifestações folclóricas que representam os pastores, como as pastorais e a dança de reis”, explicou. “A tradição dos presépios, nesta época do ano, se renova em vários pontos da cidade. É o espírito natalino que prevalece!” — arrematou.
Texto: Herbert de Jesus Santos