A cidade ainda respira a passagem dos seus 408 anos. Faltaram, claro, como é de nossa tradição, as pompas cívicas, marcantes nos desfiles dos dias 5 e 7 de cada ano. Também ausentes as apresentações culturais nas ruas e praças de nossa cidade. Minguaram nos bares de nossa rica e deslumbrante orla marítima, as mesas familiares e a degustação de nosso caranguejo, no tradicional toc toc. Ainda privada pela pandemia, a cidade não assistiu aos shows de artistas locais ou de outras plagas. Todas as ausências e faltas motivadas pela tese do distanciamento social, elemento inibidor do contágio da COVID 19.
Não faltaram, entretanto, declarações de amor a este pedaço de Maranhão que lhe serve de capital e “farol”, produzidas por filhos naturais ou adotivos, seus amantes apaixonados. A mais significativa, segundo minha modesta e tendenciosa opinião, é feita pelo Alcaide Edivaldo Holanda, que aproveitou a efeméride para entregar um vigoroso conjunto de obras que ajudam a torná-la mais atraente e cobiçada. A esta seguiram-se artigos, tratados, teses e poemas que exprimem, em seu particularíssimo sentido, o amor e o carinho de cada um.
Releio artigos e comentários onde a tônica e a defesa, obviamente correta, de nosso acervo cultural, afinal, não fosse este, jamais teríamos o privilégio de morar na mais universal Capital Brasileira. Cidade Patrimônio da Humanidade. Dentre tantas manifestações neste sentido, cito aquelas que fazem a defesa da preservação e/ou restauração das esculturas e bustos, espalhados por nossas praças e logradouros públicos. Alguns destes bens, em bom estado de conservação, outros nem tanto. Alguns com séculos de idade e outros recentes, todos, no entanto, importantes pelo que representam e guardam.
Dentre as faltas, por onde anda o monumento conhecido como Roque Santeiro, construído na entrada do conjunto Bequimão? A sereia da Ponta D’areia? A Iemanjá da praia do Olho D’agua? Os canhões que vigiavam a cidade do obelisco Pedra da Memória, e o pescador da praça do mesmo nome na Praia Grande? Onde estarão os bustos de muitos de nossos intelectuais, parte integrante de nossas praças, motivo de conhecimento e respeito de todos que se sentem parte desta sempre Athenas.
Ao tempo em que saúdo a recuperação do centenário relógio de nossa praça João Lisboa, lamento que mesmo tratamento não tenham recebido outros tantos encrustados em nossas seculares igrejas, que ficam a chorar atenção, que da mesma forma, deveria ser dispensada a nosso Palácio das Lágrimas a Casa das Minas e a centenária manjedoura da cidade, nossa Fonte do Ribeirão
Reclamo ainda, mesmo tendo que admitir serem estes recentes, embora já estejam perfeitamente incorporados a nosso patrimônio, que tanto o altar erguido no Aterro do Bacanga, que marcou a passagem de sua santidade o Papa João Paulo II, em Outubro de 1991, entre nós, quanto o monumento a serpente, em nossa Lagoa da Jansen, para alguns laguna, por sinal imperdível cartão postal da cidade, deveriam receber urgente atenção e recuperação, para que a cidade, nosso imaginário e patrimônio, não fique mais empobrecido com este não fazer.
Não pode, e não acredito, que o sensível prefeito, Edivaldo Holanda, não tenha tido um olhar de carinho e uma atitude de gestor operoso em relação ao aterro, por professar religião diferente da que homenageou o pontífice. No mesmo diapasão, me furto em supor que o governador, Flávio Dino, deixou de reconhecer aquela alegoria da Lagoa, por ter sido aquela, edificada sob as ordens de sua antecessora, quando da mal sucedida despoluição do logradouro.
A partir de 1988, com a expansão da cidade, é criado o parque ecológico do Estado, depois transformado em unidade de conservação de uso sustentável do tipo Área de Preservação Ambiental, (APA). Antes, entretanto, ganha em 2001, com projeto do artista plástico Jesus Santos, A pedido da governadora, o monumento conhecido como a serpente, que mede 74 metros de comprimento, que a bem da verdade, nunca funcionou da forma prevista no projeto, mas se encontra perfeitamente incorporada ao dia a dia da cidade.
Quem, sendo maranhense, não conhece a lenda da serpente encantada, que segundo a crendice popular, habita o subsolo da ilha; para alguns tem duas cabeças uma delas em baixo da Igreja da Sé, a outra na Igreja do Carmo e três caudas uma em cada fonte: das Pedras, do Bispo e na Fonte do Ribeirão. O animal não para de crescer e algum dia, pelo seu gigantismo será vista na superfície da cidade. Como não sabemos se a lenda vai se cumprir, convido você, caro leitor, a lutarmos para não perdermos a que podemos ver, ainda que só pela metade. Ainda assim, nos ajuda a reviver nossas crendices, próprias desta terra de encantarias.
Renato Dionísio – Poeta, Compositor e Produtor Cultural