Vários fatores contribuíram para que o memorável ano de 1968 se destacasse no cenário político-cultural do Brasil e do mundo. Considerado o “ano que não morreu”, 1968 ficou na história pela sua grande ebulição e poder de transformação social.
Nos Estados Unidos os americanos protestavam contra o conflito do Vietnã e contra questões raciais e políticas que nesse ano mataram o líder negro Martin Luther King e o senador Robert Kennedy, candidato à Presidência da República. Além disso, a “guerra fria” entre norte- americanos e russos estava em pleno vapor e incentivava os golpes militares na América Latina com a finalidade de combater um suposto avanço do comunismo.
No Brasil, o famigerado regime militar que rompeu com a ordem democrática já havia se instalado desde 1964 e, apesar de todo o seu poder de exceção, só a partir de 1968 o governo enfrenta efetivamente resistências de políticos de esquerda e da juventude estudantil organizada.
Nesse ano, mais precisamente no Rio de Janeiro, estudantes, religiosos, políticos e outras classes de trabalhadores começaram realmente a contestar a ditadura militar brasileira. Um movimento popular com centenas de milhares de pessoas (A Passeata dos Cem Mil) se revoltou não só contra a morte do estudante Edson Luís no restaurante Calabouço, mas também contra as proibições das ações da UNE, contra a tortura, o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de parlamentares e a vigência do Ato Institucional n° 5.
Estudantes protestavam e militantes políticos mais radicais como Fernando Gabeira, Carlos Marighela e Carlos Lamarca não relutavam em apoiar ações violentas contra o governo opressor. Muitos religiosos como Dom Helder Câmara eram vigiados porque lutavam contra os bolsões de miséria, a opressão e o desrespeito aos direitos humanos.
O Maranhão também viveu a agitação de 1968. O líder camponês Manoel da Conceição, recentemente falecido, que lutava contra o regime militar, foi preso e torturado. Eram constantes em São Luís passeatas formadas principalmente por alunos do Liceu Maranhense, que secretamente organizavam movimentos estudantis, driblando a vigilância da polícia política instalada pelo regime. Mais tarde, soube-se através do saudoso professor e diretor Antônio Carlos Beckmam, que o Liceu era constantemente visitado e vigiado por oficiais do exército, que ameaçavam prender líderes estudantis liceístas.
O ano de 1968 também sofreu um processo de profunda revolução no âmbito da cultura musical brasileira e por isso foi considerado o ano dos festivais. Geraldo Vandré protesta cantando “Para não dizer que não falei de flores”; Caetano Veloso e Gilberto Gil criam o tropicalismo e protestam interpretando “É Proibido Proibir”. É o ano do surgimento dos famosos festivais da música popular brasileira.
1968, enfim, mostrou ao mundo que o Brasil também sabia protestar e que seu povo estava acordado para lutar contra as injustiças sociais.
O que se pode dizer dos movimentos populares neste ano de 2021, que até agora não tiveram a força dos religiosos, dos políticos de esquerda, dos produtores musicais, das forças sindicais e das massas estudantis organizadas? Por que a UNE e os sindicatos estão calados? Ninguém vai para as ruas, na semana da pátria, reclamar contra o alto índice de desemprego, contra o aumento mensal do preço da gasolina, contra a inflação que está nas alturas , contra a ameaça de um novo golpe militar ou contra o descaso com a pandemia que ceifou mais de meio milhão de vidas?
Vamos aguardar até outubro de 2022 para ouvir a voz das ruas e observar se a verdadeira vontade dos brasileiros é a mesma que inspirou os movimentos de 1968.
Garibaldi Segundo Farias e Silva – Advogado , ex-liceísta e autor do livro : “ Cajapió, 100 Anos de História Política “.