O que tem a ver a obra Reminiscências de Penalva (Década de 1950), de Braz Mello, com sentenças de Leon (Liev) Tolstói, um dos gênios da literatura russa? Tudo a ver, quando diz “Quem canta sua aldeia, canta o universo!”, “Se queres ser universal, cultiva a tua aldeia!” e “Quem pinta sua aldeia será eterno”! Amplamente reconhecido como um dos maiores escritores de todos os tempos, no Globo, era de Iasnaia Poliana, casa senhorial que foi seu berço, numa aldeia perto de Moscou, que ele parecia, do alto de uma torre, ver o Mundo, na celebração de que sem ela não conceberia melhor a Rússia e sua própria atitude, e gestou, ali, seus gigantescos romances históricos Guerra e Paz e Anna Karenina. Esse decantar sua terra, que está muito evidenciado neste livro do autor penalvense, acha-se totalmente inserido no contexto preconizado pelo mestre russo.


Braz Mello inicia seu título pela Festa de São José de Penalva, na reunião de moradores dos povoados e do centro, que adquiriam tecidos para a costura das suas becas e participarem do evento com seus atrativos, além da religiosidade. Fala da iluminação pública, com seu horário reduzido de cobertura das ruas centrais e dos bairros periféricos. A culinária vem com a deliciosa torta de traíra, sendo o principal prato da Semana Santa, ali, como em outros lugares da Baixada. Passeou na novidade que foi andar de bicicleta, em que não poderia deixar de haver um malabarista querendo abafar na magrela (bike). Ele realça bem o processo de fabricação de tijolos nas olarias locais. Os tipos populares, com seus apelidos inusitados e tiradas hilárias, apupados pela meninada: Jequi, Caburé, Farriá, dentre outros. As viagens de lancha, zarpando do Porto do Aquino, de Penalva para São Luís e vice-versa, com seu serviço de bordo típico, com roteiro de passar por Viana, Cajari, e arriar a âncora onde necessitasse esperar a maré alta para a continuação do itinerário.


Como testemunha presencial, destacou as festas em outros municípios, que nem a do Padroeiro de Monção (São Francisco), com seus transcursos pitorescos, às vezes, com os romeiros vencendo os obstáculos do campo. Fez a precisa exaltação à organizadora da Dança de São Gonçalo, e, dentre outros folguedos, a Dança do Pastoril. Porque a primeira vez ninguém esquece, não faltou no memorável trabalho sua viagem a São Luís de avião. Com a fartura de peixe, este era o prato de segunda à sexta-feira, com a comida caseira sendo o tradicional arroz de toucinho, mocotó ou sarrabulho, aos domingos. A mudança do sistema de pagamento do INSS não lhe passou despercebida, como o banho nas biqueiras das casas, quando chovia, com a garotada procurando onde elas surgiam. A concorrida Festa da Assunção de Nossa Senhora, em agosto, fazendo acontecer a disputada corrida de canoas no Lago Cajari. Na época invernosa, com os igarapés apinhados de peixes, a pescaria era com tarrafas, e a abundância facilitava um certo de comer “pegado” muito requerido pelos frequentadores. Lenda ou não, comentaram uma briga formidável entre um pescador e uma “curacanga”, que aterrorizava os despreocupados nos campos. Tornaram-se inesquecíveis para o escritor as viagens de ônibus, passando por Peritoró(MA) e Teresina(PI), com destino a Salvador (BA). A vida solitária do comerciante Zé Ricardo, que, mesmo ermitão, tinha círculo de amizades, comprando babaçu e vendendo gêneros mais procurados.


A lembrança querida dos pais — Teve sua vida marcada por um episódio envolvendo seu pai, que não foi para São Paulo por ser analfabeto, quando prometeu que trabalharia muito, mesmo na roça, para que nenhum dos seus filhos passasse por aquele vexame. Ele cumpriu a palavra, após retornar de São Luís para Penalva, onde contraiu matrimônio com sua conterrânea Ana Rosa, que foi mãe dos seus três rebentos


Agradecimento ao primo Zé Maria — Inesquecível também foi a feliz coincidência de reencontrar o seu primo Zé Maria, na Capital, quando ansiava realizar um concurso para órgão federal, sem ter dinheiro para fazer a sua inscrição. Braz Mello narrou, como se fosse hoje, seu vitorioso desfecho: “Saí a pé do Retiro Natal até o Centro. Estando na Praça João Lisboa, a via natural para chegar ao IAPI era a Rua de Nazaré. No entanto, quis o destino que eu fosse pela Rua Humberto de Campos. Ao descer a rua, encontrei meu primo Zé Maria, que vinha do Interior e quis saber o que eu estava fazendo por aquelas bandas. Contei-lhe a história e ele me deu duas notas de cinco cruzeiros: Uma para fazer a inscrição e a outra para pegar o bonde de volta para casa. Fiz o concurso; fui aprovado, nomeado, cumpri o tempo de serviço e hoje, já aposentado, estou aqui contando como as coisas se desenrolam quando estão traçadas pelo destino. Aproveito para prestar um tributo à memória do meu primo. Que Deus o tenha!“


Gratidão a São Luís — Nas Reminiscências de Penalva (Década de 1950), o autor não deixaria de fora seus passeios de bonde, em São Luís, cortando, poeticamente falando, a Praça João Lisboa, Rua Grande, Praça Gonçalves Dias, Rua do Passeio, indo ao Filipinho. Ficou comovente sua gratidão à Cidade dos Azulejos, que o abraçou em suas preparações para melhores dias. Porque ninguém é de ferro, claro que ainda com a lembrança lapidar de “Depois da Festa de São José, em dezembro, Penalva se preparava para o carnaval!…”
Obra singela e importante — Trata-se de um livro simples, e marcante, na concepção de que, qual em poesia, simplicidade é grandeza, aonde Braz Mello caminha leve e solto entre paragens e episódios do seu berço, em que a emoção filial não sofre solução de continuidade. Traz prefácio deste jornalista, poeta e prosador, apresentação de Francisco Soares Reis (advogado ludovicense e procurador federal aposentado) e comentário, na contracapa, de Gilmar Pereira dos Santos (advogado, escritor e penalvense da gema). Apreciaria muito a reedição de Reminiscências de Penalva (Década de 1950), a fim de que as gerações procedentes fossem insufladas pela proposição telúrica do mestre e gênio russo, em termos da relevância do chão de nascimento para o Universo.
Texto: Herbert de Jesus Santos