O professor, poeta e prosador Alberico Carneiro, um dos nomes alteados da Literatura Maranhense, criou os hibridismos cronicontos e cronipoemas para os meus livros, respectivamente, Um Dedo de Prosa e Bazar São Luís—Artigos Para Presente e Futuro, meus dois primeiros prêmios literários, no gênero crônica, ele, nas comissões julgadoras, formalizando, ali, em nossas letras, um novo tipo de criação autoral, quanto o jornalista, poeta e prosador JM Cunha Santos, no que intitulou Insurgência Contra a Burra Cheia da Poesia Maranhense, precisou que em São Luís em PreAmar, meu segundo título de poemas, eu houvera juntado, condignamente, verso e prosa no mesmo esgar revolucionário. Fui no embalo dos dois escritores frutuosos e afiados críticos literários indígenas, que ensejaram a recepção mais condizente para eu determinar de contos poéticos os três primeiros títulos de narrativa prosaica de Alex Brasil: Amores Perdidos (1987), Lençóis Proibidos (2007) e Último Sol Nascente (2012). De lambuja, expuseram com sua verve o que sabemos de conotação, também referida como sentido conotativo e figurado, a associação subjetiva, cultural e/ou emocional, que está para além do significado escrito ou literal de uma palavra, frase ou conceito. Com um arsenal denotativo, fui ao encalço de uma avaliação precedente e procedente à incumbência.


Como nós vamos encontrar em Colégio do Vento, de José Chagas (ou 40 inquebrantáveis sonetos, para o altíssimo Nauro Machado, prefaciando-o em Memória do Verbo, na 2.ª edição em 1977, no Sioge, retratando sua vida de infância pobre, no povoado Piancó, em Santana dos Garrotes, no sertão paraibano, até, retirante da seca, alcançar São Luís, aonde chegou, definitivamente, puxando a cachorrinha da Poesia, bendito por ele mesmo), Alex Brasil (já um narrador excepcional, prosador poeta, denotado, em qualquer instância) saiu do seu povoado Saco, no município de Codó, bem moço, mas trouxe, nas malas e bagagens, o seu coração sendo prova autenticada de certidão de nascimento inesquecível e de cordão umbilical. Assim, ninguém como ele botaria o preto no branco melhor nos cinematográficos Meu Nome é Garcia (de Lençóis Proibidos), Ceguinho do Berimbau e A Caçada (do Último Sol Nascente).
Patriotas cerebrais, os mestres russos (Tolstói, notadamente) lecionaram à exaustão: “Quem canta sua aldeia, canta o Universo”! “Pinta a tua aldeia e serás eterno”! “Se queres ser universal, cultiva a tua aldeia”! Porventura de caso-pensado, ou uma bela coincidência ideada da sua embasada cultura, AB absorve os geniais russos, na prosa, verso e música, na exaltação ao seu chão de nascimento, e posiciona em boa parte dos seus textos, qual faz questão de honra ao mérito, Liev (Leon) Tolstói, amplamente reconhecido como um dos maiores escritores do Globo de todos os tempos. Era de Iasnaia Poliana, numa aldeia na vizinhança de Moscou, que ele parecia, do alto da uma torre, ver o Mundo, na celebração de que sem ela não conceberia melhor a Rússia e sua própria atitude, e gestou, ali, seus gigantescos romances históricos Guerra e Paz e Anna Karenina. Em Mulher Casada (do Último Sol Nascente), numa conversa “caliente”, entre um pretenso conquistador e uma tigresa, tão bonita quanto perigosa, comprometida com um gangster matador, Maiakóvski, poeta do Universo, sem trocadilho, dá o ar da sua graça: “O teu corpo/eu quero acariciar e olhar,/como o soldado ferido/pela guerra,/inútil, sozinho,/acaricia sua única perna,” .Vladimir Maiakovski, chamado de O Poeta da Revolução, foi também dramaturgo e teórico russo, frequentemente citado um dos maiores poetas do século 20, ao lado de Ezra Pound e T.S. Eliot. Com poemas nivelados por alto, O Poeta Pede ao seu Amor que lhe Escreva merece ser sempre evocado de belo e comovente, com alguma lembrança do nosso excelso Gonçalves Dias, lírico:“ Amor de minhas entranhas, morte viva, em vão espero tua palavra escrita e penso, com a flor que se murcha, que se vivo sem mim quero perder-te. O ar é imortal. A pedra inerte nem conhece a sombra nem a evita. Coração interior não necessita o mel gelado que a lua verte. Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias, tigre e pomba, sobre tua cintura em duelo de kordiscos e açucenas. Enche, pois, de palavras minha loucura, ou deixa-me viver em minha serena noite da alma para sempre escura.”


Com A Bailarina da Tarde (do Último Sol Nascente), no Teatro Artur Azevedo, onde os protagonistas Clarice e Poeta se conheceram, o poema foi parido: “Bailarina da tarde/flor branca/de branca carne; borboleta branca/em branca dança/assim o poeta te sonha/, um sonho sem esperança!”. Completamente vidrado em A Bailaria da Tarde, com A Dança dos Cisnes, de Tchaikovski, nos ouvidos, totalmente, Poeta só via luz em seu caminho: “Em frente do Teatro Artur Azevedo, a Rua do Sol seguia em linha reta, passava pela Praça João Lisboa e despencava em uma ladeira entre casarões seculares. Por cima dos telhados envelhecidos, eu vi um recorte do crepúsculo escarlate e apaixonado beijando as ondas do mar, lá longe, na Baía de São Marcos, seus reflexos dourados nos azulejos do tempo imemorial. Foi a tarde mais bela da minha vida”. Em A Sangue-Frio, como um Artilheiro (do Último Sol Nascente), um torcedor corintiano se revela um matador nato após virar o jogo, num metrô paulistano, ameaçado de toda sorte de violência por um trio de bandoleiros, com o herói da trama imaginando: “Eram apenas três piolhos, lembrei-me de Raskólnikov, personagem de Dostoiévski, em Crime e Castigo”. Fiódor Dostoiévski, jornalista do Império Russo, é considerado um dos maiores romancistas e pensadores da História, bem como um dos maiores psicólogos que já existiram.
N´A Carta (de Amores Proibidos e Último Sol Nascente), a cancha autoral comete uma performance simplesmente sensacional, redigindo palavras amorosas, com seu eu feminino para o destinatário (masculino), e ostenta o arremate de um poema. Em O Diário (Lençóis Proibidos) salienta-se, presumivelmente, um final feliz, entre desacertos. Já em O Edifício e O Estranho (em Amores Proibidos), o contista, onisciente, proporciona cenas de suspense do estilo hitchcockiano, e um dos atores, quando menos, se dá bem. Em Poema em Alcântara, um dos ases centrais, um certo Ciro, que era profissional em Departamento de Marketing de TV maranhense, que nem o autor do conto, literalmente, deita e rola com a outra metade da laranja, de nome Yana, uma linda e sensual repórter do Sudeste, que veio cobrir a Base Espacial de Alcântara e acabou se descobrindo, num fazer amor desenfreado, sob um céu estrelado, onde o parceiro, inteirado da Literatura local, recordou o nosso celebrizado romancista Josué Montello, com o seu Noite Sobre Alcântara. Teria que começar e terminar num poema! Não faltam nessa trilogia de contos poéticos, versos de Castro Alves, em Flores Negras de Luxemburgo, em Paris, de Florbela Espanca (poetisa portuguesa) e alusão ao clássico O Corvo, poema de Edgar Allan Poe. De modo que, nesse voo de autonomia por excelência, a águia de Alex Brasil se não vai atingir o cimo da montanha mirada será por um triz!
Salta aos olhos nos contos alexianos, encadeamento indissolúvel de ideias, em quase toda parte, concisão no enredo a toda prova, amiúde, numa linguagem coloquial e muito áspera, desde sua estreia em narrativa de prosa, como se para não deixar ninguém alheio à realidade brutal do que foi feito do nosso cotidiano, penalizando os mais pobres e fracos, consumidos pelas mazelas sociais. Ele dá um show em cenas de sexo explícito a três, que amaciou, sem vender gato por lebre, com Triângulo de Luz, num dos contextos frontais de Último Sol Nascente.
Neste diapasão, por assim dizer, vali-me do nosso Wilson Martins (não o autor da coleção grandiosa História da Inteligência Brasileira, pensado, na fumaça da pólvora, pelo mestre filólogo e maior autoridade em Artur Azevedo, Antônio Martins de Araújo, numa sua correspondência a mim endereçada do seu exílio, no Rio), que, em prefácio do meu premiado Serventia e os Outros da Patota (contos), intitulado Um Infinito Jogo de Espelhos, analisou que nem eu vi o Alex Brasil prosador: “(…)O grande envolvimento da narrativa do contista é manter o leitor interessado nos desdobramentos das histórias e nos dramas das suas personagens. Nesse sentido, a coletânea é uniforme, pois raros são os momentos em que o autor deixa de extrair e conservar nossa atenção, e nos eleva com seus contos sempre gravitando em torno da emoção, mas sem perder o pé no real, no racional. Seus textos são despojados do excesso da palavra, que o leva ao extremo pudor por tudo que seja dispersivo ou chavão. Despojamento da palavra, não da linguagem(…)”


Quem conhece a Literatura Maranhense de cor e salteado, falará de cadeira que Alex Brasil se insere uma plêiade de soberbos contistas, além dos seus confrades da AML, Ronaldo Costa Fernandes e J. Ewerton Neto, vultosos que compuseram, em alto e bom som, a nossa fama nesse que fazer intelectual: Domingos Barbosa (do livro O Dominó Vermelho, de 1911, e elogiado sempre, dali até aqui), um dos criadores da AML; o premiado Lucas Baldez (de Um Homem Dentro da Noite e a coletânea A Outra Face da Ilha, de 1981”; Lenita Estrela de Sá, com Cinderela de Berlim e Atrás do Baú de Guardados; Luiz de Mello (com Meridiano Oposto, ganhador do Concurso Literário Cidade de São Luís, em 1987, e Os Segredos de Guímel, vencedor, em 1993); Ubiratan Teixeira (de Sol dos Navegantes, para o poeta e ensaísta alteroso Nauro Machado, “Inigualável livro”, com o qual Seu Bira se ombreava com os maiores escritores do gênero no Brasil); Fernando Moreira (com O Grupo e Figuras em Cera, nosso professor de História da Literatura, na Faculdade de Comunicação Social da UFMA, e para Ubiratan Teixeira, “Contista, romancista, dramaturgo, crítico de cinema, ensaísta, dominando como um nativo de formação acadêmica esmerada os idiomas francês e inglês, um dos fundadores da UFMA, seria uma personalidade de respeito, no Brasil, não tivesse sofrido a maldição de haver nascido maranhense e permanecido na terra-berço por toda a sua vida!”); e Erasmo Dias, insuperável ficcionista, com seus contos magistrais, A Rapsódia de Muitas Terezas, O Adolescente Louro, O Inventor da Finimacoteca, O Roubo dos Personagens, O Fio da Vida, etc., e a fabulosa novela Maria Arcângela, salvados no título Erasmo Dias e Noites, publicados graça ao descortino da mestra e poetisa Arlete Nogueira da Cruz, então secretária estadual da Cultura, e de Nauro Machado, e sem o seu inconcluso romance O Gasômetro, com que pretendia estrear na constelação nacional, e já nas suas primeiras páginas, um escritor descomunal. Fecho com ouro, sem medo de ser feliz: Trata-se de obras portentosas, para as quais a intelectualidade brasileira não pechincharia aplausos! Amores Perdidos, Lençóis Proibidos e Último Sol Nascente, com elas! No útero (lugar onde alguma coisa se gera ou se cria; o que pode ser usado como fundamento, fonte, princípio; manancial) imaginoso e fecundo de Alex Brasil, “Deus não joga dados”, consoante concluiria o herói de Relatividade à Primeira Vista —conto do Último Sol Nascente—, enquanto se recuperava de um acidente no Canto da Viração, no Centro de São Luís, e exibia o endereço de uma bela jovem, que o socorrera e tinham em comum a admiração por Einstein, e grande possibilidade de um amor à primeira vista. O contista Alex Brasil não costuma deixar seus personagens com as mãos vazias e abanando, no meio da viagem, e sua contística, além de navegar em águas claras, sem abrolhos e sargaços, em mar de almirante, denota estar a todo vapor ou a pano solto! Sabe, como ave grande, de que “Quem canta sua aldeia, canta o universo!”
Texto: Herbert de Jesus Santos