Vida
A biografia de um ser humano é sempre uma obra aberta, inacabada, complexa, principalmente quando se pretende enfocar o lado intelectual da pessoa. No caso específico de Jorge Nascimento, pretende-se traçar um perfil psicológico do jornalista e escritor, levando-se em conta o contexto em que viveu. Desse ponto de vista, a biografia de Jorge Nascimento não está pronta. Há ainda algumas imprecisões sobre as datas que demarcam estadias em determinados lugares. Também falta estabelecer-se um estudo mais criterioso sobre sua produção literária, bem como sobre a crítica relativa ao seu trabalho.


Jorge Nascimento nasceu em São Luís, a 8 de janeiro de 1931. Filho do senhor João Pereira do Nascimento, que nasceu no município de São Bernardo e de dona Neusa Pereira do Nascimento, nascida na Parnaíba, Piauí. O pai trabalhava como vigia do Matadouro do hoje bairro da Liberdade e de D. Neusa, que era a mãe de poetas, uma excelente cuidadora das prendas domésticas, cujo dom era fazer milagres com o pão nosso de cada dia posto na mesa, no ponto e toque certos para o paladar.
A infância, a adolescência e a mocidade de Jorge e seus vários irmãos, entre eles o poeta e fotógrafo José Maria do Nascimento, aconteceu no bairro Areal, hoje Monte Castelo.
O pai de Jorge era um cidadão simples. Relatos do próprio filho, o poeta José Maria Nascimento, dão conta que ele estudou para ser motorista e, exercendo essa profissão, teve o reconhecimento de uma família, que lhe deu de presente um caminhão. Nele transportava carne, a partir do Matadouro da Liberdade para o Exército, 24º. BC e Polícia, em 1942, em plena 2ª. Guerra Mundial, época de recrutamento de brasileiros para embarcarem para Monte Castelo, na Itália. Na época, foi vítima de terrorismo, pois colocaram uma bomba relógio no carro que era o seu ganha pão. Aqueles eram tempos em que os espiões nazistas andavam pelo Brasil e, talvez o identificaram como judeu, dado constar em sua identidade o nome Pereira, uma árvore. Naquela situação, quem tivesse na identidade uma palavra que representasse animal ou árvore, como Coelho, Carneiro, Pinto, Pereira, Pessegueiro etc. era considerado descendente de judeu. Seu Pereira salvou-se por sorte e, sem o carro, foi ser funcionário público da prefeitura de São Luís, na condição de vigia noturno do Matadouro, no bairro de Matadouro, hoje Liberdade, onde trabalhou durante 30 anos. No Matadouro ele era conhecido pelo nome de João Baé. Morreu já aposentado, aos 79 anos, com esclerose cerebral, consequência da perda de sono.
Seus irmãos: Nonato Nascimento, que cedo foi para São Paulo, onde se tornou Comandante da Marinha Mercante. Morreu, recentemente, aos 95 anos de idade. Até os 85, corria na São Silvestre; Mário Nazareth do Nascimento, que foi para Recife, PE, onde trabalhou na Alfândega da Receita Federal e faleceu aos 90 anos; Guilherme Nascimento, que foi para o Rio de Janeiro, tornou-se funcionário público. Hoje aposentado, vive em São Luís e José Maria Nascimento, que optou por permanecer em São Luís, onde é funcionário da SECMA. Poeta, dedicou sua existência à criação de poemas, em que encapsula poesia de excelente qualidade. É autor de quase duas dezenas de livros, em setembro/2020, completará oitenta anos, quando reunirá seus textos publicados, em coletânea.
Jorge Nascimento fez o curso primário, na Escola Modelo Benedito Leite e o secundário, no Colégio Ateneu Teixeira Mendes.
O saudoso ensaísta e jornalista Clóvis Ramos, o único biógrafo de Jorge, resgatou sua peregrinação de jornalista e escritor: “Em Belém do Pará, trabalhou no Conselho Nacional de Petróleo, de 1950 a 1952(?).
Em São Luís, trabalhou no Jornal do Povo, como revisor e repórter, 1956-58(?); no Jornal Pequeno,1975(?)-79(?); no O Estado do Maranhão, 1980-(?), como repórter e copidesque. Na Rádio Educadora, trabalhou entre 1964 e 1966. Foi um dos colaboradores da revista Legenda, na década de 1960. Em 1956, está no Rio de Janeiro, onde se submete a Concurso para revisor do Jornal do Brasil. Aprovado em segundo lugar, trabalhou nesse periódico, entre 1957(?) e 1959. (O poeta Chagas Val dá o acontecimento com data de 1956(?).
Em Pernambuco, foi revisor tipográfico, respectivamente, do Jornal do Comércio, 1974; do Diário de Pernambuco, 1975; e do Diário da Tarde, também em 1975.
De volta ao Rio de Janeiro, lá trabalhou no Ministério da Educação e Cultura, como revisor de textos, indicado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade.
Foi Secretário da Fundação Joaquim Nabuco, em São Luís, entre 1981 e 1982”.


Na década de 1980, foi nomeado como Agente Cultural para a Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, tendo sido colocado à disposição do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, SIOGE, a partir de 1985. No SIOGE, trabalhou como integrante da Equipe do Plano Editorial SECMA/SIOGE, no qual fez parte das comissões de leitura. Foi membro do Conselho Editorial do SIOGE. Entre 1985 e 1988, foi um dos editores das Edições Especiais do Diário Oficial, quando trabalhou nas pesquisas para as edições sobre Gonçalves Dias, José Sarney, Nauro Machado, Corrêa de Araújo e sobre o SIOGE, dentre outras. Também, no mesmo período, foi um dos revisores das obras classificadas pelas comissões de leitura do Plano Editorial SIOGE. De 1988 a 1994, trabalha como editor do Suplemento Cultural e Literário Vagalume, do SIOGE. Em 1995, aposenta-se.
Jorge Nascimento morreu no Hospital do Servidor Maranhense, na noite de 11 de agosto de 2020, após passar por duas cirurgias, do estômago e do esôfago, às quais não resistiu. Foi velado em sua residência, no São Francisco, por familiares e amigos e, sepultado, no dia seguinte, no cemitério Jardim da Paz.
O escritor


Há dois marcos na obra poética de Jorge Nascimento. O primeiro se refere à maneira inusitada, como constrói o soneto. Opta pelo uso de uma estrutura do verso diferente da convencional. A maioria de seus poemas apresentam métricas além de doze sílabas poéticas, o que está mais para a técnica de raros assinalados, no gênero, como Homero. Ressalte-se esse lado enviesado, bizarro e luxuriante. Excluindo-se os temas, tem menos a ver com o Parnasianismo, mais com o Simbolismo e as extravagâncias do Decadentismo, cujos escritores, na realidade, nada tinham a ver com decadência, senão com genialidade, pois há no Decadentismo o rompimento com uma tradição herdada, uma quebra de arquétipos, ícones, uma ruptura com o conceito de escola literária.
Nos poemas, sonetos, Jorge Nascimento lembra os descomedimentos métricos de dois poetas helenistas, do período 323-146 a. C., respectivamente Teócrito, no poema Syrinx e Símias de Rodes, no poema O Ovo. Jorge opta pela ruptura ou quebra do metro poético, até então tradicional: em Átila, há uma variável de metro de 16 a 20 pés ou de sílabas poéticas; em Nódoas de Carvão, metro de 17 pés; no O Rinoceronte e Lamentação dos Hunos, metro de 16 pés. O segundo se atém à maneira como Jorge Nascimento trabalha a fabulação, no conto. Há em seu texto, em prosa, a predominância do viés poético, na confluência, convergência e frequência com os que, no Brasil, optaram pelo surrealismo. Zé Coré é um típico exemplo dessa para-realidade cuja base é a verossimilhança e, cujo mestre foi Machado de Assis, herdeiro de Luciano de Samósatra, Xavier de Maistre e de Sterne.
Obras: Ausência Restituída, poemas, 1972; Os mortos não leem os epitáfios das manhãs, poemas, 1987 e Universo Maranhense, cronicontos, 1983. Além de inúmeros inéditos em livros, publicados em jornais.
O pintor


Jorge Nascimento, também, a partir da década de 1980, dedicou-se à pintura de quadros expressionistas. Mas há, no fundo ou na intenção velada de suas telas um mergulho pelas galerias dos subterrâneos mais recônditos, obscuros e escuros da alma.
O quadro de chamada da capa, que poderá ser batizado como Os círculos do Inferno, uma obra prima que funde arte expressionista, surrealismo, bem como arte gótica, barroca, dantesca e, paradoxalmente naïf. É preciso ler o que está por trás, o velado, o encoberto, o grotesco, o sinistro, deformações, os seres-caveiras, máscaras, os seres biformes, mistos de animais e humanos, faces decadentes, infernais, uma maneira surreal de olhar a vida humana de um ponto de vista alegórico e sem hipocrisia. Há algo ali, encoberto no primitivismo, de Hieronymus Bosch (1450?-1516). Uma obra apocalíptica.
Texto:Alberico Carneiro
Desejo ao nobre poeta um lugar especial no paraíso, o pantheon dos vates. Ele deixa um legado que acrescenta nas nossas letras e na cultura literária artística maranhense brasileira.
Meu grande amigo Alberico nós dá uma visão completa do escritor e artista Jorge Nascimento, um outside, anjo torto, um cara autêntico e verdadeiro que sabia não serem, e ele e sua arte, deste mundo. O pequeno mundo dos hipócritas.