Neste último dia 15, sancionada pelo presidente Bolsonaro, entrou em vigor lei versando sobre a política de saneamento básico, ou seja, o fornecimento de água e esgoto em todo território nacional; atividades que deverão alcançar, segundo o projeto, mais de noventa por cento de nossa população até o ano de 2033; prazo que em condições particularíssimas poderá ser dilatado. Deseja o legislador obrigar o poder público, quer Estadual ou Municipal, desenvolver esforços para que sejam alcançados tais resultados, seja através da administração direta ou pela privatização destes serviços.
A discursão sobre o tamanho e papel do Estado sempre norteou a visão de sistema econômico vigente em qualquer sociedade. Este tema, não é o único, desde a criação do materialismo histórico, – karl Marx, 1818 a 1883,- resultou no conceito de esquerda e direita, tão em voga nos tempos atuais: assim, direita seria a visão de mundo que defende a menor participação do estado na economia e, esquerda, a sua antítese, que advoga uma maior participação do estado na economia de determinada sociedade.
Em sendo verdade, sempre que falamos em privatizar atividades ou serviços, estamos discutindo o tamanho do estado na economia. Um estado forte tem algumas vantagens, como no caso brasileiro, neste momento com a pandemia do COVID19. Se nesta crise sanitária dependêssemos apenas da iniciativa privada nosso país teria se transformado num cemitério. Os EUA, país de primeiro mundo, após o fim do programa de saúde criado pelo ex-presidente Obama, paga enorme preço por inexistir um SUS em seu território. É verdade que para os críticos este gigantismo tem também desvantagens; seu tamanho cria uma regulamentação inibidora, fomenta a ineficiência e, é terreno fértil para o estabelecimento da corrupção.
O tema é recorrente! Neste sentido, experimentamos um leque fabuloso de privatizações a partir do governo FHC: foram rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, bancos e até mesmo sistemas de água e esgotos que passaram para o controle privado. Processos que mereceriam rigorosa análise contábil legal. Em nossa ilha, temos S.J.de Ribamar e Paço que privatizaram os serviços de água e esgoto. Olhando para o futuro vale indagar? Nestes casos, o que representou de avanços na qualidade e preço destas privatizações?
A lógica que movimenta o capital é o lucro. Se os serviços ofertados não representassem uma alternativa lucrativa não haveria interesse por parte da iniciativa privada. Afinal, geralmente estes serviços trabalham sob o regime de exclusividade, sem concorrência. O fornecedor tem a garantia da venda de tudo que produz. Cabe ao provedor do serviço determinar o total do consumo, é de sua propriedade o medidor. E mesmo onde existe agência reguladora, é sempre o prestador de serviço quem influencia no preço. Como sobejamente demonstrado é um verdadeiro negócio da China.
Voltando ao miolo do tema, o Brasil tem 5.570 municípios, a maioria com menos de 20.000 habitantes. Locais onde o investimento em saneamento é próximo de zero, estas populações têm renda per capta familiar de menos da metade da renda nacional, de aproximadamente R$ 1.5000 reais, portanto, com poder aquisitivo baixíssimo, incapaz de suportar despesas desta natureza. Em sendo assim, qual investidor manifestaria interesse em privatizar um serviço com características desta monta.
Em contra partida, nos grandes municípios, sobremaneira nas capitais, gastaríamos laudas nominando os interessados na privatização. Ainda que reconheçamos serem apenas mediana a qualidades dos serviços ora prestados, entretanto, são milhões de recursos públicos investidos nestes sistemas ao longo de séculos, que passariam, ou não, para a mão da iniciativa privada, dependendo do modelo de privatização. A maioria foi assim, a custo quase zero para o investidor. Basta lembrar entre nós a privatização da Telemar e da Cemar, que até hoje o povo se pergunta quanto pagou a Equatorial e a Oi por estes ativos.
Por que até agora os lixões que já tiveram prazos determinados para o seu final persistem? Sobretudo nas cidades com menos almas! Será que com a dilação do prazo não continuarão com o mesmo dilema? Mais ainda, por quais razões, até o momento, não colocaram nestes programas de privatizações nenhuma rodovia no território maranhense. Caro leitor, você pode até arranjar outras respostas, no entanto, atrás de todas estará a falta de interesse pela inviabilidade econômica. Sem lucros, sem negócios.
Neste diapasão, é bom lembrarmos que mesmo onde o investidor enxergou viabilidade e, após privatizado, o negócio não prosperou, o serviço ou atividade, encostado em processos fraudulentos ou truques contábeis foi devolvido ao ante público, com fragrante prejuízo ao povo. Veja-se o caso de algumas rodovias e aeroportos em processo de devolução. Quem pagará a conta?
Mesmo com os pés para trás, Claro que desejamos todo sucesso desta empreitada: a universalização da coleta, distribuição e tratamento dos serviços de água, esgoto e lixo, que o marco regulatório apresenta como objetivo, após implantados, significaria melhoria da qualidade de vida e elevação dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), reduzindo os custos com a saúde de nossa gente. Somente reconhecemos um grande distanciamento entre projeto e realidade palpável.
Sem desejar ser “amigo da onça”, não me desobrigo em pensar na hipótese de o Governo Federal com este projeto, almejar tão somente transferir a responsabilidade política pelos citados serviços para os gestores municipais, todos, sobejamente sabido, sem recursos para a solução do problema, enquanto a união que fica com a maior parte dos impostos arrecadados, passaria da condição de demandada para a de cobradora da funcionalidade destes serviços.
O que desejam, se é que desejam nosso congresso aprovando e o Presidente sancionando, uma lei que sabidamente não encontrará eficácia em sua vigência? Por que instituem prazos sabidamente inexequíveis? Uma de duas: ou jogam para a patuleia desejando mostrar serviço, ou pretendem realçar o conceito de utopia subtraído do pensador uruguaio Eduardo Galeano, “para que serve uma utopia”? Para nos obrigar a caminhar.
Renato Dionísio – Poeta, compositor e produtor cultural