

Falar que – “essa é a razão, por que em São Luís, donde as pessoas não se foram, ainda neste momento a cidade se move, em seus muitos sistemas e velocidades, pois quando um pote se quebra, outro pote se faz – foi dito isso em 1975, pelo poeta e intelectual maranhense Ferreira Gullar”. Palavras registradas no portal de legendas do Guia de São Luís do Maranhão, de Jomar Moraes.
Sim, recorri-me a ele para cumprir tal missão. Escrever sobre São Luís não é uma tarefa fácil. É algo que foge a dicotomia do olhar, da observação sobre o outro, posso dizer que é uma simbiose pois me sinto parte dela.
Lembro-me ainda criança quando vi pela primeira vez a mãe d’água da praça Dom Pedro II, ela falou comigo. A Iara, da água doce. Nesse mesmo dia, ou não, vi um casal de namorados se beijando encostado em um fusquinha azul. Aquelas imagens nunca saíram da minha cabeça, são como uma cena de um filme. O filme que desenhei a partir dessas memórias infantis e que me nutrem até hoje, assim como tudo o que já ouvi por aqui ao longo dos anos. Um filme onde a fotografia e a trilha sonora sobrepõem seu roteiro; que se metamorfoseia a todo instante, talvez seja isso a eterna sedução dessa Ilha. Tudo é muito intenso; universal, mas muito íntimo e particular. Desde as toadas, as histórias reais, outras imaginárias, nosso jeito de morar e a pulsação rítmica que envolve esse lugar situado no meio do golfão maranhense. Nas marés, cheia e vazante, o cinza do Atlântico, o vermelho dos guarás, o rio Anil; é um enlace que dá gosto de viver.
São Luís não é só seus belos azulejos que refletem a luz do sol, e protegem as paredes da chuva, e resistem ao tempo. Não é só os telhados de ângulos retos, os casarões, meia-morada, morada inteira, as pedras de cantaria, paralelepípedos, galerias subterrâneas. Mas é também o que está do outro lado da ponte e o que tem por baixo delas.
É o cheiro do mangue na beira mar, o pôr do sol da ponta da areia, a juçara com camarão seco, a farinha d´água e a pescada amarela numa pechincha na feira da Cohab. É uma ilha inexata, quando toca o coração, citando versos de César Nascimento. É exatamente por isso, por essa complexidade toda que a faz ser tão única, magnética. É uma cidade que te provoca, te instiga; é uma terra que não se explica, apenas se sente.
E a força de nossas manifestações folclóricas é algo inimaginável até se ver que existe. No bumba-meu-boi, no bloco tradicional, na tribo de índio, na batucada original da Madre Deus, do Lira, Belira, Sacavém…


São Luís é uma cidade que dorme ao som dos tambores, frase assertiva escrita por Sérgio Ferretti na obra Tambor de Crioula – ritual e espetáculo; onde há também o ajuntamento da punga, o improviso, as palmas e o som do meião, grande e crivador traduzidos em partituras por Joaquim Santos. E o reggae, ah o reggae, você pode andar por qualquer canto dessa cidade, vai ouvir alguma radiola tocando umas “pedras de responsa”… Na praia, no centro e nos bairros, de manhã cedo ou no final da tarde, pode também deparar-se com um pregoeiro, tendo ele a fruta da estação, o sururu, o sorvete de casquinha, ou o cuscuz para te oferecer.
A cidade é um poema imenso. Com estrofes que nem sempre rimam entre si, mas que fazem todo sentido. Pára! Além do silêncio. A sabedoria herdada dos africanos, da ancestralidade dos tupinambás, junto ao que veio dos colonizadores europeus. Foram os papagaios amarelos que fundaram essa cidade, hoje, patrimônio da humanidade.
São Luís é tão simples e sofisticada como as bianas ao mar… São Luís é um porto de uma espera contínua, com passado e futuro em tempo presente; tão fértil que quando um pote se quebra, outro pote se faz…
Vanessa Serra
É jornalista, produtora e dj.
@vanessaserrah
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De São Marcos a São José
Josias Sobrinho e Eloy Melônio (LP Vinil & Poesia – Vol 1)
Maresia na onda do mar
Travessia na vela da canoa
Porto do sol a me esperar
Vento soprando na proa
Rezo uma prece, um anjo me mostra a baía
De São Marcos, Boqueirão, Praia da Guia
No horizonte te vejo em tela azul
Beirando o mar, ilha de Upaon-Acú
Do alto do farol do Araçagy
Uma voz me faz ouvir
Manhã de sol sempre morou aqui
Caúra, Raposa, Panaquatira
Tô no rumo, tô na mira
Em São José fortaleço a minha fé
Minha alma canta, avisto a cidade, alegria
Gole de felicidade, na boca do dia
No horizonte te vejo em tela azul
Beirando o mar, ilha de Upaon-Açú
Maresia na onda do mar travessia na vela da canoa porto do sol a me esperar
Vento soprando na proa
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