Era final dos anos 90. Estava em Teodoro Sampaio, SP, no auge do conflito agrário no Pontal do Parapanema, a trabalho, como Perito Federal Agrário. Era o governo de FHC, e as invasões de terras estavam no auge. Fazia parte de uma força tarefa do INCRA, com Peritos de diferentes estados brasileiros. Foi nessa época que tomei conhecimento da grandiosidade da obra de Sebastião Salgado. O renomado fotógrafo mineiro, radicado em Paris, lançara projeto Terra, e parte da exposição foi para o Pontal. Do projeto Terra faziam parte além de Salgado, o escritor português José Saramago e o compositor Chico Buarque de Holanda. Fiquei maravilhado com as fotos em preto-e-branco.
Depois disso acompanhei a trajetória de Salgado, e vi algumas de suas exposições em diferentes cidades brasileira e em Paris.
Salgado morreu na sexta-feira (23/04), em Paris, aos 81 anos, de leucemia, devido às complicações decorrentes de malária.
Nascido em 1944 em Aimorés, interior de Minas Gerais, Salgado se formou em economia antes de migrar para a fotografia no início da década de 1970. Desde então, percorreu mais de 130 países documentando com sensibilidade e profundidade temas ligados à condição humana, às desigualdades sociais, aos fluxos migratórios e à destruição ambiental.
Reconhecido mundialmente por sua fotografia em preto e branco de forte carga estética e política, Salgado dedicou sua carreira a narrativas humanitárias. Entre seus principais projetos estão as séries Êxodos, Trabalhadores, Terra e Gênesis — esta última voltada à celebração da natureza e à denúncia da devastação ambiental.
Em 2014, sua trajetória foi retratada no documentário O Sal da Terra, codirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders e por seu filho, Juliano Ribeiro Salgado. O filme foi premiado em Cannes e indicado ao Oscar de Melhor Documentário.
Sebastião Salgado partiu. E com ele vai um dos maiores olhares que o Brasil e o mundo já conheceram. Não era só um fotógrafo. Era um contador de histórias sem palavras. Mostrou ao mundo a fome, o êxodo, a guerra, o trabalho, a esperança. Capturou a humanidade em sua forma mais crua e, ainda assim, profundamente digna. Sebastião Salgado também semeou futuro. Ao lado de sua companheira de vida, Lélia, plantou mais de 2,5 milhões de árvores e recriou, ao longo de 25 anos, uma área inteira da Mata Atlântica. Uma floresta brotou onde só havia terra seca. E é assi m que ele deve ser lembrado: como quem não apenas registrou o mundo, mas o reinventou. Hoje perdemos um artista, um ativista, um homem imenso. Mas o legado continua vivo, em cada foto que nos comove e em cada árvore que resiste.
Com um olhar arguto e perspicaz, não era de fora, mas de dentro. Não agia como um observador distante, neutro, que clica e desaparece. Daí a explicação para seus registros íntimos, como se fossem autorretratos dos excluídos. Sua aflição existencial tornou-se sua estética. Não explorava o outro, adaptava-se à convivência, fundia-se ao outro. Não se resumia a um fantasma entre os vivos, era um vivo que mandava notícias do reino dos fantasmas da sociedade. Abordou as migrações, as profundas desigualdades financeiras, a dizimação dos povos originarios, a devastação das florestas, o colapso climático, a escalada desenfreada do consumo e do processo industrial.
Com rica biografia, Salgado passou por três das mais prestigiadas agências internacionais: Sygma, Gamma e Magnum. Herdeiro de Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, David Seymour e George Rodger, pela Magnum flagrou a tentativa de assassinato a tiros do então presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 1981.
Recebeu os principais prêmios da fotografia mundial, como o Eugene Smith de Fotografia Humanitária, dois prêmios ICP Infinity de Jornalismo, o Prêmio Erna e Victor Hasselblad e o prêmio de melhor livro de fotografia do ano do Festival Internacional de Arles por Workers (Trabalhadores).
Em andanças pelos 130 países, criou exposições e livros que marcaram a história: Trabalhadores, Gênesis e Êxodos.
“A fotografia é a memória de todos nós”, repetia Sebastião Salgado em suas falas.
Luiz Thadeu Nunes e Silva – Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. Instagram: @Luiz.Thadeu – Facebook: Luiz Thadeu Silva – E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br.