“AGORA me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.
Eu vou cerrar os meus olhos.
Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
voem e voltem à terra.
O terceiro é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
de fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que me sigas olhando.
Amigos, isso é quanto quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro negro:
Meu coração foi interminável.
Porém, por que peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
sucede que vou viver.
Sucede que sou e que sigo.
Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém, a mãe-terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.
Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia.
Peço licença para nascer.”
Caros amigos, queridas amigas, em tempos áridos, vamos de poesia.
Acordo, asseio matinal, dejejum, leio os jornais: corrupção, violência e crise climática. Penso, nos desenvolvemos para isso? Isso é o que classificam como “progresso”?
Em tempos difíceis, é nas artes que me refugio. A arte é minha válvula de escape.
Recorro a Neruda para acalmar a mente. Lia-o no passado, na juventude; lei-o agora, no outono da vida.
A poesia de Pablo Neruda vem das forças da terra, uma presença única debruçada sobre o oceano de suas inquietações. E o quão é difícil eleger os versos mais belos de Pablo Neruda. Isso porque Neruda confunde-se com a própria poesia, ele é o poema em pessoa. Ele cantou o mar, a terra, o vento, a chuva, as estações, o amor despedaçado, ele cantou as estrelas e o infinito, as águas e os pássaros, a fruta e a flor. Cantou a alegria de viver e também a noite definitiva.
Estou no Rio de Janeiro, vim para as bodas de um filho, que escolheu o Cristo Redentor como testemunha de seu amor. Observo o mar, de uma tonalidade diferente do mar de águas turvas de minha Ilha do Amor.
Mesmo na cidade grande, por paradoxal que seja, procuro o silêncio, na esperança de acalmar a mente. A poesia de Neruda me inebria, suavizando o dia. A dura realidade me diz que tenho que seguir em frente.
Luiz Thadeu Nunes e Silva – Engenheiro Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.
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