A sala de espetáculos do Theatro Municipal volta seus holofotes para o canto coral com uma obra inédita e atual composta especialmente para ele, de autoria de André Mehmari. O espetáculo intitulado “Cantata: André Mehmari e Coral Paulistano” apresenta uma cantata sobre poemas de Cruz e Sousa para coro SATB (soprano, contralto, tenor, baixo), piano e clarineta. É um trabalho composto em nove partes, especialmente para o corpo artístico do Theatro Municipal e homenageia, musicando alguns de seus textos, o poeta simbolista brasileiro que viveu entre 1861 e 1898. Além do coral paulistano, participa do espetáculo a clarinetista Paula Pires.
Maior incursão de Mehmari pelo território coral até o momento, a obra é composta por movimentos intimistas camerísticos que enfocam solistas vocais. Esses momentos são alternados por outros nos quais a escrita para coral é mais densa. A parte do piano serve como apoio ao coro mais do que como solista, embora algumas liberdades criativas sejam a ele permitidas – como no contínuo de uma peça barroca. A clarineta, rica sonoramente, além de generosa em sua tessitura e gama dinâmica, passeia e sobrevoa todo discurso musical, fazendo comentários complementares, como uma supervoz extra-coro, expandindo sua paleta de cores e gestos. “Por vezes, em conjunto com o piano, ela atua como uma pequena orquestra que responde ao afeto do texto”, pontua Mehmari.
Considerado o precursor do simbolismo no Brasil, o poeta Cruz e Sousa nasceu de escravos alforriados na atual Florianópolis e teve uma educação privilegiada, demonstrando desde cedo um talento para as letras. Sobre a iniciativa de trabalhar com seus poemas, Mehmari lembra que chegou a cogitar trabalhar na língua Tupy ou passando por variados idiomas e dialetos — ideias que não descartou como possibilidades para obras vindouras. Mas conta que a iniciativa de se aproximar à obra do poeta veio (em consonância com o universo onírico dos simbolistas) de um sonho com o próprio. “Imediatamente me veio a fagulha inicial da composição com o belíssimo poema simbolista Anima Mea”, diz.
Além deste, outros oito poemas integram a obra vocal de larga escala, que conta com aproximadamente 50 minutos. Sobre o desafio de integrá-los, o compositor explica: “Vários foram os desafios para criar um arco expressivo utilizando textos que embora sejam do mesmo autor, apresentam afetos, cores e caminhos bem diversos entre si. Gosto de perceber como os textos dialogam entre si e se complementam’”, diz.
Maíra Ferreira, regente titular do Coral Paulistano do Theatro Municipal de São Paulo explica que o desejo do coral de trabalhar com André Mehmari é ainda anterior à pandemia e se deve ao fato de ser esse artista, compositor e pianista único. “Desde que assumi o Coral Paulistano pensei muito sobre a vocação do coral de fazer a música brasileira e mundial, sem esquecer que somos um coral que foi criado pelo Mário de Andrade lá atrás para valorizar e interpretar esse repertório. Ao celebrar os 100 anos da semana, a gente precisa pensar a música que está sendo feita hoje. E o André a representa brilhantemente“, atesta a regente.
E completa: “O que me encanta na obra dele é que ele une o melhor da tradição brasileira com o melhor das influências de diversas tradições, como a francesa, isso tudo da forma mais natural possível, graças a sua formação consistente e muito eclética somada, claro, a seu talento. O Coral Paulistano se alegra de estar nesse lugar de trânsito por estilos no qual o Mehmari tem fluência. É muito bonito que eles se encontrem nesse momento de suas vidas artísticas, o Mehmari sendo esse artista que vai do simples ao complexo e que representa a música brasileira e a poesia brasileira, no caso do Cruz e Sousa, um poeta negro de quem ainda não se fala o suficiente. É, de alguma maneira, resgatar os melhores valores da semana de 22 e adaptá-los à nossa realidade”, completa.
Serviço:
“Cantata sobre poemas de Cruz e Sousa para coro SATB, piano e clarineta (50′)”
Sala de Espetáculos do Theatro Municipal
17 e 18/9, às 17h
Coral Paulistano
Maíra Ferreira, regência; André Mehmari, piano e Paula Pires, clarinete.
Programa: André Mehmari
- Anima Mea
- Na Luz
III. Voz Fugitiva
- Acrobata da For
- Velho
- Aparição
VII. Coração Confiante
VIII. Inefável
- Livre: Asas abertas
Classificação livre
Duração aproximadamente 50 minutos – Ingressos R$ 10 a R$ 30 (inteira)
Texto: William Prado e Laila Abou Mahmoud