O jornalista e poeta Celso Borges é autor de pelo menos um clássico da música popular produzida no Maranhão, sobretudo no período junino. Muitos cantam e assobiam, mas poucos se ligam que ele é parceiro de Zeca Baleiro e do saudoso percussionista argentino Ramiro Musotto em “A serpente (Outra lenda)”, de versos como “eu quero ver/ quero ver a serpente acordar/ pra nunca mais a cidade dormir”, gravada por Baleiro em seu álbum “Pet shop mundo cão” (2002).
Seus poemas-toadas, registrados nas páginas de seus livros, ou gravados por vozes como a de Cláudio Lima (“Boi tarja preta”, parceria com Alê Muniz, gravada em “Rosa dos ventos”, de 2017), vez por outra trazem ácidas críticas ao sistema político ou mesmo à degeneração de grupos de bumba meu boi, que veem a originalidade diluída, transformando-se em boizinhos de butique para turistas de pacote, conversa pra boi dormir pra inglês ver.


Se “A serpente (Outra lenda)” não figura na coletânea “Boi” (Editora Passagens, 2020, 30 p.; disponível para download gratuito em editorapassagens.blogspot.com) não faltam bons motivos para baixar o volume e lê-lo. A obra integra a coleção “Livrinho também é livro”, coordenada por ele e a editora Isis Rost, que já publicou os títulos “Rua morta”, de Luís Inácio Oliveira, e “O declínio da narrativa”, dela, todos em 2020, todos durante o período de isolamento social imposto pela pandemia de covid-19.


Em “Boi”, Celso Borges revê poemas e letras de música que têm o bumba meu boi como mote, escritos por ele ao longo dos últimos 25 anos, “tempos depois do compositor Giordano Mochel me dizer que o nosso coração pulsava no ritmo do boi. Eu já sentia isso naquela época, mas a certeza dessa verdade cresceu mais e mais nos anos seguintes”, anota o autor em “O silêncio do boi não é do boi”, à guisa de prefácio. Ele abre o texto: “Não ouvimos as toadas, matracas e zabumbas dos bois do Maranhão em 2020. Esta é a primeira vez na história, desde quando o boi se apresenta em quintais, terreiros, largos ou arraiais da cidade, que ouvimos apenas o silêncio ensurdecedor de nossa representação mítica mais potente. Este livrinho nasce dessa não voz, ou da poesia dessa voz na memória, ou do afeto que vislumbro a partir da falta do boi e suas zoadas essenciais”.
Com projeto gráfico e diagramação de Isis Rost, “Boi” é também uma coleção de representações do bumba meu boi, entre pinturas e fotografias, de nomes que vão de Pablo Picasso a Cícero Dias e Ribamar Rocha, passando pela xilogravura de J. Borges, entre outros. A capa apresenta o detalhe de uma pintura de Ciro Falcão sobre o São João do Maranhão.
Texto: Zema Ribeiro