Quando comunicado pelo parceiro, Wallace Godinho, de sua reincorporação ao grupo de artistas que fazem o Bloco Tradicional os Feras e conhecedor mais que privilegiado de seu talento e criatividade, logo me veio a ideia de escrever uma obra que retratasse um pouco esta história, da qual, orgulhosamente, por bondade do poeta e de Paulinho faço parte, por ser, em parceria, com o primeiro, assinantes de alguns sambas temas desta agremiação, assim escrevi:- … “ah se eu não te amasse tanto assim, se não machucasse tanto este amor, se liberdade eu tivesse e mesmo desejando eu pudesse, as vezes olhar para outro amor”.
Passa o tempo e agora, a pedido de Paulo Salaia, sou provocado a registrar meu testemunho acerca da caminhada do mestre ritinteiro, no carnaval de São Luís. Nas Escolas de Samba, nas Tribos de Índio, nas fanfarras e algazarras, das ruas de sua Madre de Deus, do inigualável Bicho Terra e do Barrica, mas sobretudo de sua engenhosidade e eternizada arte, na concepção, criação e direção do Bloco Tradicional OS FERAS.
Conheci Paulo Salaia, ainda muito jovem, no bloco OS VERSATÈIS, a pouco mais de um terço de século, onde entre os mais afamados, e não são poucos, mestres desta arte, já ensaiava a sua magistralidade. Multifacetado, logo se destaca, entre os jovens madredivinos, que sob a liderança de Zé Pereira Godão e Bulcão criam o Boizinho Barrica onde viria a ser o genial e inconfundível condutor do novilho.
Amante que sou de nossos Blocos Tradicionais, desde o advento da construção dos camarotes em 1999, quando o carnaval passou a ser organizado no Anel Viário, logo me tornaria usufrutuário deste espaço, de onde, confortavelmente assistia a inconfundível beleza destas manifestações e analisava o desfile de cada agremiação. E ali, mais que em qualquer lugar, era possível ver a nobreza dos passos e a leveza do bailado, provavelmente herdados de sua passagem pelo boi, deste fabuloso mestre, a reger sua não menos magistral orquestra FERAS.
Se quem descobriu o Brasil foi Cabral e não os marinheiros de sua frota, falar dos Feras a partir da figura central de Paulinho, a nosso juízo, nem embota, relativiza ou diminui a inestimável participação de todos. Entretanto, convenhamos, o inquestionável gosto pelo glamour, o equilíbrio de tons e cores e o persistente desejo de perfeição, em tudo, ou quase, deve-se ao jeito e cuidado deste mestre, que se fez gigante, entre os gigantes, para ser imortalizado em nosso carnaval.
Na efêmera existência humana, algumas coisas, materiais ou imateriais, colam-se as pessoas e depois, se não impossível, é difícil definir até onde vai o criador e onde termina, ou começa, a criatura, assim é a simbiose estabelecida entre o mestre Paulo Salaia e seu, BLOCO. Não me faz menos contente, reconhecer que em meu desejo de homenagear um poeta acabei alcançando dois artistas. Se é minha obrigação dar a Paulo o que lhe pertence, a ninguém melhor se assenta o final do poema. “Ah se finalmente tu soubesses, que ser fera é sempre fera ao nascer, e a fera que eu carrego em meu peito, só deixa de ser feras se eu morrer”… Vida longa menestrel, que seja imorredoura tua arte.
P.S. Texto escrito para o livro de memórias de Paulo Salaia.
P.S. 2. Fevereiro estava em seu decimo oitavo dia, quando, para meu desconforto, ouvir, em plena passarela, a despedida de Paulinho do carnaval, mesmo entristecido, por já está acostumado com estas lamurias, não levei tão a sério. Início de Abril sou procurado pelo poeta Godinho, que representando um movimento pelo não encerramento dos Feras, solicita a sede do Pirilampo, para o relançamento do Bloco. Dia 29 de março, em grande evento, o bloco renasce, no dia seguinte, sem nada combinar, sem aviso ou cerimonia, feito a própria Fénix, resolve Paulinho se encantar para nos assistir da casa divina.
Renato Dionísio – Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultural