Após dois anos sem dar o ar da sua graça, por força do surto pandêmico da Covid-19, o São João do Maranhão, em São Luís, volta a todo gás e poderia até cantando uma toada que tem tudo a ver com o peixe do clima que está se vivenciando, A Festa Mais Bonita, do cantador Adelino, então no Boi da Madre de Deus, em 1997: “A Festa mais bonita começou de novo/, com minhas toadas, eu alegro o meu povo!/Estou avisando pra contrário saber/que a minha Madre Deus é mais forte/e eu vou guarnecer!”


Com a maior diversidade de cordões no folguedo, no Brasil, além das brincadeiras do cacuriá, dança do coco, tambor de crioula, dança portuguesa, forró pé de serra e quadrilhas, até grupos parafolclóricos (Boizinho Barrica, da Madre de Deus, e Boi Pirilampo, da Cohab), é o Bumba-Meu-Boi que canta de galo no terreiro, personificando uma forte identidade do povo maranhense, e dá o tom maior das festança junina no Estado. Ele se configura em cinco sotaques de características relacionadas aos ritmos, instrumentos utilizados, indumentárias, danças, personagens. São eles: Matraca ou Ilha, Zabumba ou Guimarães, Costa-de-mão ou Cururupu, Baixada ou Pindaré, e Orquestra ou Sotaque de Rosário
Bois da Ilha ou Sotaque de Matraca – Ostentando matraca, maracá, pandeirão, tambor-onça e apito, quanto instrumentos que formam uma cadência característica do Sotaque da Ilha, típico de São Luís, e que ocorre, igualmente, em São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Icatu .A forte tradição torna o estilo um dos mais aclamados no folguedo. Sob o apito do amo ou cantador, concentra, ao longo do ciclo do boi, centenas de brincantes fiéis, que acabam encantando os turistas com o andamento dos batalhões pesados, e o gingado dos caboclos de pena, índias, caboclos de fita, vaqueiros ou rajados, e os caricatos Pai Francisco e Mãe Catirina.
Bois de Zabumba ou Sotaque de Guimarães – Com sua origem no município de Guimarães, o sotaque de Zabumba se destaca, além da tradicional indumentária, roupas aveludadas, chapéus com fitas e saias bordadas, uma riqueza de detalhes bordados em miçangas e canutilhos, pela presença contagiante da força dos instrumentos de percussão, entre eles, a zabumba, tambor de fogo e o tamborinho ou pandeirinho. A cadência é mais acelerada, o que determina movimentos corporais também ligeiros. Os brincantes dividem-se nos papéis de amos, indígenas, rajados, vaqueiros, palhaços, Pai Francisco, Mãe Catarina. Os principais grupos são, radicados em São Luís: Boi de Leonardo (Liberdade), Boi de Vila Passos, Boi da Fé em Deus, Boi Unidos Venceremos e Boi de Guimarães.
Bois da Baixada ou Sotaque de Pindaré – Sob o embalo de pequenas matracas e pandeiros pequenos, um dos destaques deste sotaque é o personagem Cazumbá, uma mistura de homem e bicho que, vestido com uma bata comprida, máscara de madeira e de chocalho na mão, diverte o público a valer. Outros usam um chapéu de vaqueiro com penas de ema. Apresenta um toque mais lento e suave que os bois da Ilha, insuflado por matracas, tambores-onça e pandeiros pequenos. Seus principais grupos, na Capital maranhense, são: Boi da Floresta de Apolônio, Boi Oriente, Boi União da Baixada, Boi de Pindaré, Boi Unidos de Santa Fé e Boi Penalva do Bairro de Fátima.


Bois de Cururupu ou Sotaque Costa de Mão – Têm como principal característica a forma como são tocados os pandeiros, com o dorso da mão. Origina-se em Cururupu e possui cadência lenta, construída também com tambores-onça e maracás. Quanto aos personagens, destacam-se os vaqueiros campeadores e de cordão, tapuias e tocadores. Ganhou este nome devido aos pandeiros tocados com as costas da mão. Estaria ligada à vida dos negros que eram castigados nas mãos pelos seus senhores, e que tocavam os pandeiros daquela maneira por estas estarem suas mãos feridas, para que não perdessem a Festa de São João. Caixas completam o conjunto percussivo. Além de roupa em veludo bordado, os brincantes usam chapéus em forma de cogumelo, com fitas coloridas e grinaldas de flores. Os grupos mais conhecidos são: Rama Santa, Brilho da Sociedade, Soledade e Brilho da Areia Branca.


Sotaque de Orquestra ou de Rosário – Começou em 1955, no município de Rosário, com Barbosa, músico da Polícia Militar, criando assim o Boi de Barbosa, ainda em atividade, depois do falecimento do seu fundador. Porque na Região do Munim, havia outros ases em instrumentos de corda e sopro incorporados à PM, não demoram a surgir, com Francisco Naiva, em 1958, o Boi de Axixá, seguido do de Primeira Cruz, com Waldemar, e assim sucessivamente: Boi de Humberto de Campos; Boi de São Simão (Rosário), sob o comando, hoje, da folclorista Emília Nazar; Boi de Morros; Boi de Presidente Juscelino; Boi de Nina Rodrigues; Boi de Perizes; Boi União da Mocidade de Rosário, no início dos anos de 1980, nascido de uma promessa de D. Maria Salomão, por 11 anos, que o seu filho, Hamilton Misteira, e Luzian Silva Fontes teimaram em fortalecer e continuar; e fora do circuito do Rio Una e Itapecuru, o Boi do Tamarineiro, em São José de Ribamar, desde que o lendário amo Biluzinho de Amor retornou à cidade-balneário, na Rua 17 de Novembro, com o traslado do Boi de São João de Rosário.
A fogueira de São João: Promessa de Isabel à Mãe de Jesus – A história conta que a fogueira queimou nas montanhas da Judeia para anunciar o nascimento de João Batista. Isabel, sua mãe, teria feito um acordo com a prima, Maria, que também estava grávida e seis meses depois deu à luz a Jesus. Pediu que acendesse uma fogueira para avisar sobre nascimento do sobrinho, que batizaria o Nazareno no Rio Jordão. Virou tradição no Mundo: Até hoje, as fogueiras são acesas, no Dia do Aniversário de Nascimento do Precursor do Salvador: 24 de junho.


O Boi da Maioba dispensou a fogueira – O batalhão maiobeiro, há anos mandou para o espaço a tradição dos pandeiros cobertos com couro animal (cabra ou bode), que são retesados na fogueira, e aderiram ao sintético (náilon) mais apropriados para bateria de escolas de samba. Qualquer um boi de matraca, num confronto com o da Maioba, arrasa com a percussão do poderoso conjunto.


Apanhou uma sonora surra do Boi de Maracanã – Chagas ainda cantava no Boi da Maioba e o fato se deu na Rua Grande, em São José de Ribamar, no primeiro domingo de julho (no Lava-Bois). Humberto (uns quatro anos antes da sua morte) subia com o batalhão de Maracanã, na outra pista, com pandeiros se aquecendo nos carros de fogo, e seria apanhado de surpresa, com o Boi da Maioba (descendo), se não fosse avisado por mim, assistindo ao feito do Bar do Comércio de D. Iracy Pavão. Ele apitou pra guarnecer, e eu vi as vibrações sonoras de uns 40 pandeiros de couro animal calando, literalmente, uns 100 pandeiros de náilon, e publiquei tudo neste jornal. No outro ano, Chagas tiraria toada de pique, dizendo que Humberto era feiticeiro, e já no Boi de Ribamar não cantou, numa chamada minha, em 2016, na frente da casa onde eu me achava hospedado, na Rua da Liberdade, alegando estar adoentado, até que passou a hora da brincada, sob a cantoria de Ronny e a pedido do então presidente do Boi do Outeiro (Matraca de Ribamar), Ribinha Jacaré, de quem sou padrinho de casamento.
Pra inglês ver no Rio de Janeiro – Dizem que a frase teria sido dita por dom João VI, e, também, que, ao ludibriar os britânicos, por volta de 1830, os brasileiros inventaram a expressão. Quando Dom João VI e sua corte tiveram de fugir para o Brasil, tangidos pelas forças de ocupação francesas, a chegada ao Rio, depois da longa viagem pelo Atlântico, deu-se no fim da tarde. Decidiu-se que o desembarque seria no amanhecer seguinte. A noite chegou enluarada, realçando aquele cenário de penedos e morros enlaçado à baía e às formosas praias. Em meio àquela visão, o monarca também percebeu que estava ancorada na baía uma nau inglesa. E comenta: “Muito bom para inglês ver”. Daí, ao que consta, estava criada essa expressão. O Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos, de R. Magalhães Júnior, registra: “Expressão surgida durante o Império, quando Brasil firmou convênios com a Inglaterra, no sentido da repressão do tráfico de escravos, sendo estabelecidos tribunais de julgamento, para os navios negreiros apreendidos. Tinha o Brasil a obrigação de patrulhar as costas, as quais eram também patrulhadas pelos navios britânicos. Mas o tráfico continuava, fazendo o governo vista grossa. Dizia-se, por isso, que o nosso patrulhamento era fictício, isto é, apenas para inglês ver.
Pra inglês ver em São Luís – Está no jornal Semanário Maranhense que uma fragata inglesa, fundeada na Baía de São Marcos, teve a oportunidade de ver num Dia de São João a brincadeira do bumba-boi já com as matracas, e os estrangeiros ficaram boquiabertos com o que presenciaram, e saíram com a África teria invadido o Brasil por causa de um bom número de negros vadiando no brinquedo com dezenas de outros sem-berço.
Texto: Herbert de Jesus Santos