Uma cidade se projeta a partir de seus educadores, de seus artistas que criam as condições de criatividade que a distinguem em si mesma e no cenário nacional e até planetário.


Uma cidade só começa a existir de fato quando pessoas a percorrem, atravessam, se identificam com ela, a amam e lá permanecem criando vínculos de famílias, pelas quais compartilham saberes, do convencional e além. E são essas rotas de passagem que vão ao longo dos séculos compondo a imagem e identidade de uma Ilha. E, por isso, mais que o nome do lugar, os significados e sentidos que as pessoas, que nela habitam, dão e incorporam a suas vidas. E vão, assim, compondo uma imagem, através de textos e retratos, de acontecimentos, de fatos que se destacam e que, num dado momento, põem em evidência no contexto das outras cidades-ilhas, esta, por algum peculiar destaque. E, assim, o passado, o mais remoto, que também teve seu ato e capítulo na peça da biografia, em cartaz, vai ficando para trás, porque, afinal, não se vive de saudosismo e nostalgia, que o presente urge pleno de poema e poesia. Mas cada cidade tem do passado e do presente episódios marcantes.
Nesse contexto, as ilhas sempre foram lugares remotos, difíceis de acesso, às vezes até soturnas e inóspitas e, talvez, por isso, é lá que, no mundo, a cultura, a ciência, a arte, o folclore, por esse confinamento e necessidade de se expressar, melhor aflore.
Que seria da ilha de Ítaca ou Cume, na Grécia, se o primeiro poeta andarilho, Melesígenes, não houvesse passeado pelas ruas dessas ilhas e ultrapassado o passado de ostracismo e se tornado Homero, não só por conta de que ficasse cego. Foi esse passeio de um Homero (cego) que impôs um significado planetário aos nomes, até então anônimos, de Ítaca e Cume. É por causa da criação das obras literárias Odisseia e Ilíada que, após quase três milênios, Ítaca e Cume, como o pássaro Fênix rejuvenescem, em cada reedição dos livros, em cada livro de Homero, que chega às mãos de milhares de leitores, no mundo.
Assim também qual era a projeção planetária da ilha de Dublin, na Irlanda, antes das obras monumentais de James Joyce, os romances Ulisses e o enciclopédico Finnegans Wake?
Que seria da pequenina ilha de “St. Lucia, encravada no Arquipélago das Pequenas Antilhas, no mar (ignoto) do Caribe”, não fosse a concepção, gestação e parto de um poema-romance genial de um de seus filhos, Omeros, de Derek Walcott, Prêmio Nobel de Literatura, de 1992, uma releitura da Odisseia, e Homero, assim como também foi o Ulisses, de James Joyce? Walcott, sem dúvida, ao receber o prêmio, não se esqueceu de seus dois pais.
Que seria da bela ilha de Manhattan, não fossem as obras geniais dos irmãos George e Ira Gershwin e do cineasta Woody Allen? A trilha sonora do filme homônimo eterniza os artistas e pelas obras de criatividade dos monstros sagrados da música e do cinema, a ilha de Manhattan está, para sempre, com os pés na calçada da fama de todas as pátrias, por causa de Manhattan – Rhapsody in Blue.
Que seria de São Luís, esse espaço topográfico de Tapuitapera, onde viveram 27 tribos de índios, sacrificados ou obrigados à deserção em exílio, vítimas de um holocausto ou genocídio em menos de dez anos, não fora o genial Brasil e Oceania, do poeta Gonçalves Dias que, após dez anos de pesquisa, no Nordeste, demonstrou, nessa obra fantástica de antropologia, a ciência e inteligência natural dos índios, ratificada por outro maranhense, não menos humanista, em Mortunguethá, um Decameron Indígena?
Antes São Luís despontou no contexto do cenário do Brasil e da Europa, quando aqui se hospedou e viveu o Padre Antônio Vieira, no século XVII/XVIII, e aqui escreveu o genial Sermão aos Peixes ou de Santo Antônio, a nos ensinar que “os peixes grandes devoram os pequenos”.
Que seria de São Luís sem a as obras de Maranhão Sobrinho, Odorico Mendes, João Lisboa, Gomes de Sousa e Sousândrade? Não haveria São Luís além do Cais da Sagração e da Ponte da Estiva não fora Gonçalves Dias, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, Ferreira Gullar, Manoel Caetano Bandeira de Melo, Oswaldino Marques e José Chagas.
É preciso mergulhar como escafandrista nas páginas da vida de São Luís do Maranhão: corpo e alma, uma obra-prima da professora e escritora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, para sentir como é a pulsação deste povo, destas pessoas, que são uma extensão de outras pessoas, depois de dezesseis gerações de pessoas, após 408 anos.
Você, eu e os demais devemos entender que São Luís, além de um espaço geográfico, é um microcosmo onde gravita a cultura em samba, suor, alegria e lágrimas, que respira cultura popular, folclore, teatro, cinema, fotografia, literatura, poema, poesia, porque poesia não se expressa exclusivamente através de versos, ledo engano. O maranhense Joãozinho Trinta demonstrou ao Brasil e ao Mundo que poesia é alegoria. Sim, a poesia que se manifesta hoje, na Grande Ilha do Maranhão, São Luís, em Bumba-meu-boi, Tambor de crioula, Cacuriá, Tambor de Crioula, Mina, Caixeiras do Divino, porque São Luís do Maranhão tem tantos ritmos, que não é preguiçoso ao ponto de continuar a mostrar ao mundo que precisa pedir emprestado o ritmo de outra pátria.
Neste, 08 de setembro de 2020, precisamos cantar com orgulho o hino da Ilha dos Amores, Louvação a São Luís. Parabéns, terra de Gonçalves Dias, Coxinho, Alcione Nazaré e Zeca Baleiro:
“Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça”.
E viva o paraíba, o pau de arara, pois foi o Nordeste o berço do Brasil e São Luís do Maranhão o que de melhor existe em nosso país:
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá”
Aqui é longe de uma terra sem palmeiras,
Sem canto, nem sabiá.
Aqui, é inútil a lábia.
Texto: Alberico Carneiro