Criada em 1997, para estimular a preservação e propagação das sementes tradicionais, a XI Feira Krahô de Sementes Tradicionais retorna após vários anos de inatividade. A programação acontece até 20 de junho, na Aldeia Cachoeira, na Terra Indígena Krahô, localizada entre os municípios de Itacajá e Goiatins, na região nordeste do Tocantins
A programação envolve dois importantes rituais (Amiji Kim), o Pàrcahàc, que marca o final do luto de uma grande família da aldeia, que ao todo conta com 425 habitantes, e a Tora da Batata, envolvendo toda a mística da criação das sementes. Também estão previstas oficinas e reuniões sobre as sementes tradicionais, com técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária no Tocantins (Embrapa) e da Fundação nacional do Índio (Funai).
Sábado, 19, será o ponto alto, com a exposição e trocas das sementes no pátio central da aldeia (Kà), além da tradicional brincadeira dos Hotxuá (palhaços sagrados).
“Cada semente é um filho nosso, precisamos cuidar para fortalecer nossa mãe Terra”, explica o Cacique da Aldeia Cachoeira, Pehrà Krahô, ao falar da importância do evento. “As Feiras de Sementes Tradicionais são muito importantes para o nosso povo, pois elas nos trazem incentivos e mostram caminhos práticos que nos possibilitam continuar conservando nossas sementes tradicionais”, afirma.
Idealizador junto com povo Krahô da Feira, o indigenista Fernando Schiavini lembra que a atividade é uma estratégia de circulação e preservação de recursos genéticos. “Os processos de conservação de materiais genéticos, em realidade, envolvem não apenas cada unidade familiar, e produtiva, mas também a aldeia onde se vive e outras aldeias”, ressalta Simone Moura, especialista em patrimônio material e imaterial, e apoiadora do projeto.
Proposto pela Associação Awkere, o projeto de retomada da Feira de Sementes Tradicionais em 2021 foi um dos aprovados em edital de apoio a cultura indígena, lançado pelo Governo do Tocantins por meio da Agência do Desenvolvimento do Turismo, Cultura e Economia Criativa (Adetuc), com recursos da Lei Aldir Blanc.
Turismo indígena
Apesar das restrições impostas pela Covid-19, impedindo a participação de não indígenas e etnias de outras localidades – uma tradição do evento –, a Feira de Sementes abre espaço para as discussões em torno da retomada de operações turísticas na Terra Indígena Krahô. Projeto neste sentido, envolvendo parceria com uma operadora de turismo, começou em 2017, com início das viagens de grupos em 2019, porém, foi suspenso em virtude da pandemia.
“Temos total interesse em retomar as saídas para a aldeia Manoel Alves, por entendermos que estas comunidades são as verdadeiras guardiãs da natureza, da cultura tradicional e de um patrimônio ancestral singular, além de possuírem modos de organização e convivência que nos servem de exemplo”, confirma o diretor da empresa Tekoá Brasil, Marcos Luz. “Em contrapartida, observamos o aspecto educativo desta modalidade de turismo, que enriquece a vida dos viajantes contribuindo com o autoconhecimento e aproximando realidades”, continua.
O diretor esteve em maio na aldeia Krahô Manoel Alves, onde foi implantada a primeira experiência de turismo ordenado no Estado, e ouviu das lideranças a solicitação da retomada das operações em 2022. “Temos que trabalhar dentro de padrões rígidos de segurança em relação à pandemia e buscar novos investidores, mas sonhamos, tanto quanto eles, com o retorno dos nossos roteiros”, pontua, lembrando que esteve reentemente com o presidente da Adetuc, Jairo Mariano, para tratar do tema.
Povo Krahô
Conhecidos como “os senhores do cerrado” e por sua alegria genuína, o povo Krahô habita terra indígena situada na região de Itacajá e Goiatins, com 302.533 hectares, demarcada em 1976. A última contagem apontava para 2.843, mas suas lideranças acreditam que a população ultrapasse as 3.500 pessoas, em função do alto índice de nascimentos.
Todas as suas aldeias apresentam estrutura em forma circular, com habitações em torno de uma área vazia, o pátio central ou Ká, que representa o coração da aldeia, onde se reúnem para dividir o trabalho e tomar decisões importantes para a comunidade. Pertencentes ao tronco Macro-Jê, têm suas aldeias divididas em dois partidos – o do inverno (Katam’jê) e o do verão (Wakm’jê) -, que se revezam no poder de acordo com os períodos de chuva e seca na região.
Texto: Seleucia Fontes
Edição: Gutemberg Bogéa