Leila Naiva gerencia o boi de Axixá, um dos grupos mais tradicionais da cultura popular do Maranhão – Foto: Divulgação
Por Paulo Washington
Um vídeo em formato de documentário, com o tema ‘As mulheres que dominam os bois: o comando das mulheres no bumba meu boi do Maranhão!’, exibido nessa semana na programação do projeto de extensão ‘Do Nosso Jeito’*, atraiu a atenção, curtidas e comentários de internautas, realizadores, produtores culturais, estudiosos e admiradores da cultura popular do Estado do Maranhão.
Apresentado nas redes sociais: @cultura.ufma e ufma.cultura, da Diretoria de Assuntos Culturais (Dac) da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), pela pesquisadora da cultura popular maranhense Marla Silveira, servidora da Ufma, e mestra em Cultura e Sociedade, o vídeo abordou a evolução e desafios das mulheres que exercem a função mais difícil e desejada na hierarquia interna do bumba meu boi (Bmb): a liderança do grupo.
“Muita gente nem imagina o que existe anterior e posteriormente ao momento do grande espetáculo, que tanto atrai e agrada o público”. (Marla Silveira)
A pesquisa ‘As mulheres que dominam os bois: o comando das mulheres no bumba meu boi do Maranhão’ busca observar as modificações e permanências presentes nas práticas do bumba meu boi a partir da presença de mulheres no comando de grupos. “Visa identificar a representação da liderança feminina nos bois e analisar o significado dessa representação, interna e externamente”, disse Marla Silveira.
“Poucas pessoas param para pensar o quanto é complexo o processo organizativo e logístico desta que é a mais importante manifestação da cultura popular do Maranhão, sendo, inclusive, reconhecida internacionalmente como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco no início deste ano. (Marla Silveira)
Segundo a autora, “comandar um grupo de Bmb equivale a assumir uma importante responsabilidade de liderança. Essa posição equivale a representar o grupo liderado nas mais diferentes situações, manter o grupo organizado, garantir espaços de apresentações e outras formas de angariar recursos financeiros, além de conduzir o boi nos momentos das apresentações públicas, de maneira que acaba atraindo para si, todo o reconhecimento que o grupo comandado alcança”, afirma Marla Silveira.
Inclusão
Segundo Marla Silveira, “a história do bumba meu boi, de modo geral, carrega os ditames da organização patriarcal, tão arraigados nos indivíduos. A participação de mulheres foi por muito tempo proibida. Elas foram excluídas da ‘brincadeira’. Havendo permissão no decorrer de muitas décadas, porém era limitada e restrita. Inicialmente, assumindo funções secundárias, de pouca visibilidade e importância, como acompanhantes ou ajudantes de seus pares (as mutucas), ou ainda, costurando, bordando ou cozinhando. A permissão para brincar no cordão foi conquistada num período posterior a esse”, explica a pesquisadora Marla Silveira.
Observa-se, assim, a existência de divisões de funções, com papéis bastante definidos, que perpassa pela questão do gênero, havendo diferenciação entre as atividades masculinas e femininas. Havendo diferenças bastante demarcadas entre as funções de um homem e de uma mulher. Esse formato durante anos não permitiu mudanças mais profundas.
Porém, seguindo, sobretudo, o fluxo da aceitação das transformações sociais e culturais, as mulheres foram assumindo funções anteriormente restritas aos homens, ganhando espaço e importância na ‘brincadeira’. De modo que o bumba meu boi, a partir da metade da década de 1970, passou a ter mulheres no comando de grupos, tratando das questões financeiras, das tomadas de decisões e, principalmente, sendo reconhecidas como figuras centrais do grupo que lideram.
Pioneirismo
A primeira mulher a comandar um boi foi Dona Terezinha Jansen, em 1975, herdando o Bumba meu boi da Fé em Deus, do saudoso Laurentino. A pesquisa revela que, atualmente, o número de mulheres que comandam bois é bastante representativo. Como breve amostra desse fato, o vídeo, produzido pela própria pesquisadora, nesse período de isolamento social, para o Projeto ‘Do Nosso Jeito’ destaca quatro grupos de grande reconhecimento e relevância em todo o estado.
São eles: O bumba meu boi da Liberdade, do mestre Leonardo, hoje comandado por sua filha, Claudia Regina, desde 2000; o boi de Maracanã, do mestre Humberto, liderado por sua esposa, Maria José Soares, que muito antes de seu falecimento, já comandava a parte administrativa e financeira do boi; o boi da Floresta, de mestre Apolônio, comandado por sua esposa, Nadir Cruz, que também já havia assumido as competências administrativas e financeiras do boi. E o Bumba meu boi de Axixá, liderado por sua filha caçula, Leila Naiva.
Vale destacar ainda o trabalho administrativo e artístico-cultural que vem sendo desenvolvido por Maria da Conceição Fortes Braga de Camargo, mais conhecida como Concita Braga, a frente do boi de Nina Rodrigues. Natural de Barras, no Piauí, Concita Braga fundou o boi de Nina Rodrigues no ano de 1990, onde é além de fundadora, presidente, ama e compositora de toadas.
“Pensar a interface liderança e comando feminino no bumba meu boi não é somente analisar o significado dessa função no interior da brincadeira e no que lhe é externo, mas identificar e analisar o valor da presença feminina, sob o olhar das relações que permeiam a posição de comando enquanto elemento-chave, essencial para a prática do bumba meu boi. E isto envolve todo o sistema de coexistência de um grupo, para além da representação performática das apresentações, que tanto atrai e agrada o público”, complementa Marla Silveira.
“Grande parte dos grupos de bumba meu boi são comandados por mulheres. Este fato despertou o interesse de observar tal fenômeno de maneira sistemática, a partir de um olhar histórico, uma vez que não tão distante do tempo presente, a participação de mulheres no bumba meu boi era limitada e restrita. Elas eram proibidas de participar da brincadeira”. (Marla Silveira)
* ‘Do Nosso Jeito’ é um projeto de extensão da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), realizado por meio da Pró-Reitoria de Extensão (Proec), via Diretoria de Assuntos Culturais (Dac). Oferece uma programação multicultural online com apresentações musicais, performances artísticas, oficinas e palestras de personalidades ligadas à arte e à cultura. Música, Teatro, Artes Visuais, Cinema e Literatura na tela do seu computador, tablet e celular! Saiba mais em: www.cultura.ufma.br
Sobre a autora
Marla Silveira é pesquisadora da cultura popular maranhense, mestra em Cultura e Sociedade, bacharel em Biblioteconomia, pós-graduada em Gestão da Cultura, servidora pública (UFMA) e produtora cultural. Tem formação técnica em Arquivologia e Cinema. É autora do livro ‘Nas entranhas do bumba meu boi’ (EDUFMA, 2018). Produtora executiva do CD ‘Zabumbas da Resistência: bumba meu boi de Leonardo’ (2019) é diretora e roteirista do filme documentário ‘Pelas entranhas do bumba meu boi’ (em produção) e produtora do filme ‘Bodas de papel’ (2016), filme vencedor do 10º Festival de Cinema Maranhão na Tela (MA, 2017) nas categorias de melhor filme, melhor roteiro e melhor atriz de filme curta-metragem. O filme foi selecionado para o 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (DF, 2016) e para o 8º Festival de Cinema Tudo Sobre Mulheres (MT, 2018).
Texto: Paulo Washington
Ilma. Pesquisadora Maria Silveira,
Parabéns por este lindo trabalho em divulgar dando visibilidade as mulheres em seu Estado. Um relato brilhante de força e fé.
Este artigo atinge a mim como artista brasileira, artesã e filha de uma senhora no interior da Bahia que ensinou à muitas (os) através do artesanato como meio de vida, Railda. Eu continuo lutando!
Agraciada pelo amor divino, na fé, pela riqueza da vocação e coragem por vencermos tantos obstáculos nestas terras brasileiras, aplaudirei entre milhares estas personalidades.
Beleza e paz hão de nos seguir, até breve!
Amei a postagem, estava faltando alguém que falasse da importância da mulher a frente das associações folclóricas maranhenses. Gostaria muito de ter feito parte desse quadro de guerreiras. Sou produtora do BUMBA MEU BOI MOCIDADE DE PINHEIRO.
Fernanda Carvalho do boi Novilho Branco da liberdade