Levar o reggae para os palcos é, sem dúvida, um ato de coragem e resistência — tão essencial quanto ao próprio espírito do reggae. No entanto, enquanto espetáculo, “Ilha Jamaica” parece carecer do pulso e da vitalidade que se espera tanto do gênero musical quanto da linguagem cênica de um musical.
O que se vê em cena é uma peça longa, arrastada, que poderia — e deveria — passar por uma edição rigorosa. Faltam, faltam viradas dramáticas e, sobretudo, falta o frescor característico dos musicais. A simples presença de músicas cantadas não basta para enquadrá-lo como musical: o espetáculo se ancora muito mais em um texto denso, quase novelístico, do que numa dramaturgia musical integrada.
O excesso de texto é um dos principais entraves. As informações são ditas e repetidas, esgotando qualquer espaço para o subtexto e, consequentemente, a participação ativa da plateia. Tudo está explicitado em cena, sem nuances, sem margem para a imaginação. Isso limita o envolvimento do público e torna a experiência passiva.
O enredo, que oscila entre ser uma homenagem ao reggae e uma história de amor, falha em construir uma relação convincente entre os protagonistas. O romance, que deveria ser o motor emocional da narrativa, é tão forçado e sem química. Dito, mas não vívido. A pergunta que fica é: trata-se de uma peça sobre o reggae ou apenas um melodrama com trilha sonora?
Para quem conhece um pouco sobre o reggae, o espetáculo pouco acrescenta. Sente-se falta de contexto histórico, político ou cultural. Não fica claro qual o recorte temporal nem qual a função do cenário — bandeiras e uma paisagem genérica ao fundo — que pouco dialogam com a narrativa.
A estrutura dramatúrgica também sofre com a reprodução de uma fórmula: texto, música, blackout. Uma sequência previsível que não nos conduz a um clímax empolgante. A dramaturgia parece linear e desprovida de surpresas
Dentre os poucos pontos positivos, destaco o ator que interpreta o caranguejo, figura carismática e com forte presença cênica. Talvez ele deva ser o verdadeiro condutor da história. E, claro, a banda — vibrante, competente, e, ironicamente, o elemento mais fiel ao espírito do reggae.
Curiosamente, o espetáculo que se propõe a ser sobre o reggae traz mais dança contemporânea do que reações corporais do próprio gênero. Uma escolha estética questionável e que distancia ainda mais o musical de suas raízes.
No fim, “Ilha Jamaica” é uma proposta ousada, mas que precisa ser desenvolvida. A ideia é potente — falta-lhe execução à altura.
Fernando Braga – Ator – Diretor de Cena – Dramaturgo (Instagram @fernandobragapub)