Em 2023, fui convidado a fazer parte do corpo docente do Pré-Vestibular Municipal de Icatu – iniciativa de grande envergadura naquele município. Após analisar a proposta e tê-la acatado, passei a viajar aos sábados para aquela encantada cidade. Só não imaginava é que ficaria tão vislumbrado pela pacata urbe e tão envolvido em suas ações educacionais e culturais, a ponto de vir a fazer parte (enquanto membro correspondente) da Ailca – Academia de Letras, Artes e Ciências de Icatu.
Esse novo comprometimento foi o suficiente para rapidamente eu passar a me ater sobre a geografia, História, literatura e costumes do povo icatuense. As participações em eventos da Academia e o contado com alguns dos seus membros, levaram-me a conhecer pessoalmente o escritor José Almeida – presidente-fundador da Ailca, pois já o conhecia pelo nome e por alguns dos seus feitos literários.
Em uma manhã de sal, sol e de poesia, após longo diálogo com o confrade, tive o privilégio de receber das suas mãos, como empréstimo, uma das obras de sua autoria, Isaura – Romance da Balaiada. Ao retornar da viagem, chegando a casa, fiz a leitura, de um só fôlego. Até tentava parar, mas as deliciosas engrenagens do enredo não me permitiam cessar o deguste.
Embora alguns concebam a obra, apontando-a como sendo pertencente ao gênero romance, talvez induzidos pelo subtítulo, em que a palavra ambígua romance é consubstanciada estrategicamente pelo autor, Isaura – Romance da Balaiada é, de fato, uma novela, pois suas pernas dão passadas além do conto, mas não alcançam o romance, a exemplo de muitas produções na literatura brasileira que de tão boas, pouco importa a definição do gênero. Importa é saber que ela se insere entre as melhoras já produzidas neste Estado, neste país.
Sob o contexto histórico da Balaiada, grande revolta popular ocorrida no século XIX, no Maranhão, Almeida põe o leitor a par das esperanças e das agruras daquela época. Sua acuidade ao narrar cada detalhe dos acontecimentos oferta-nos uma verossimilhança, mas uma verossimilhança que nos deixa em alguns momentos divididos entre o verossímil e o inverossímil, levando-nos a pensar que o narrador esteve naquele período, dado ao seu poder de retratação da História, misturado com sua criatividade, tal qual um Walter Scott nas façanhas de Ivanhoé.
Essa onisciência nos revela uma obra rica em detalhes. Espaço, tempo, costumes, hábitos, crenças e tradições são habilidosamente trabalhados para que o leitor tenha o máximo de compreensão das intenções da narrativa em torno dos personagens centrais, Isaura e Ramiro que mesmo diante da linearidade discursiva vão nos surpreendendo com suas ações de heróis e de anti-heróis ao longo do desencadeamento da trama. A confecção de cada capítulo é simples, mas não é simplória. Ao contrário, tem o requinte da escolha das palavras contextualizadas, empregadas de acordo com o tempo e o ambiente retratados.
Além desses recursos, três outros nos revelam um ficcionista contumaz e um historiador autodidata implacável: o poder da síntese, o suspense e a propriedade para trazer à tona o cenário à época da Balaiada. O leitor é surpreendido inúmeras vezes com resultados que contariam sua expectativa.
Também é perceptível a expertise almeidina quando, a partir do seu prisma, engrena o real com o fictício, faz alusão a vultosos nomes da Balaiada, cantando a sua terra com devoção, homenageando ilustres, a exemplo do jornalista José Ribamar Sousa dos Reis e do poeta Severiano de Azevedo a quem o autor atribui a origem do nome dos principais personagens da obra em voga, inspirados em um poema do referido vate. Tudo isso amalgamado com arguto olhar, descritor das andanças, dos apetrechos bélicos, das patentes militares, das trincheiras, dos horrores e dos momentos de descanso e de esperança.
Eis pequena exposição de como José Almeida projeta sua plasticidade, esboçando, desenhando e pintando seus personagens, a exemplo de Isaura e Ramiro; Heliodório e Alice; Armindo e Ainaré. Como bem defendera o major Reginaldo Alves Lima, escritor icatuense e membro da Ailca, ao prefaciar a obra: “Impressionante como o autor insere no contexto, personagens fictícias para conviverem com as da vida real”.
E não poderíamos deixar de destacar a grandiosidade humana da personagem Dora, mucama – única a saber da precoce gravidez de Isaura, quem lhe providenciou “remédio”, evitando que a descoberta do estado de uma ainda adolescente e a chegada de um bebê a um mundo hostil, vaticinado pelo preconceito e pela imperdoável crítica tornassem dois seres escravizados pelo desprezo e pelos julgamentos. Dora foi fiel, manteve-se até o fim com o segredo do ato de Isaura. Tendo agido certo ou errado, dado às circunstâncias, o que menos importar é o julgamento a seco, pois sua intenção e sua discrição são grandes demonstrações de empatia, diante de um assunto polêmico.
Isaura, de sua inocência na escola ao namoro e à (in)consequente gravidez, resultando em aborto; Ramiro, do universo estudantil, de vida simples, namoro puro ao poder e à arrogância, resultando em seu infeliz casamento com Emirena – outra descompensada. O sacrifício de Isaura para resgatar Ramiro, a indiferença deste e as decepções dela – tudo confluindo para um final triste, com a revelação da morte dos personagens principais no final da trama, com Isaura em estado de miséria.
Eis a mestria do prosador icatuense em potencial, José Almeida, pesquisador inveterado, cantador do seu torrão, universalizando sua cidade, pondo-a no patamar que de fato atinge e que merece, a de celeiro cultural, mantedora da tradição literária maranhense, com responsabilidade. Isaura – Romance da Balaiada, tudo o que já descrevemos e pelo que o leitor haverá de descobrir por si mesmo, insere-se no rol das grandes obras prosaicas produzidas no Maranhão, desde o século XIX. Vida longa ao autor, muita saúde e inspiração para novas publicações em 2025.
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César William é poeta, professor e pesquisador, membro fundador da Associação Maranhense de Escritores Independentes – Amei; da Academia de Letras de Paço do Lumiar -ALPL; sócio correspondente da Academia Icatuense de Letras Ciências e Artes – Ailca; membro da União Brasileira de Escritores – Ube e pertence ao grupo Os Integrantes da Noite – uma sociedade virtual de escritores em que se difunde, discute e se analisa arte, sobretudo a literatura maranhense.
É verdade, a obra Isaura: romance da Balaiada, de José Almeida é fascinante.
legado na história literária.
Importante para a literatura!