Que a Santa Coroa do Divino Espírito Santo nos proteja contra o mal
Por Paulo Melo Sousa
Em razão da pandemia do Covid 19, o tradicional Festejo do Divino Espírito Santo de Alcântara não será realizado este ano. Como acontece há muito tempo, no encerramento do festejo, após a realização de missa solene na igreja do Carmo, ao final da tarde, no domingo de Pentecostes, é feita a obrigatória leitura do pelouro (lista com os nomes dos festeiros escolhidos para o mando do festejo no ano seguinte). Em 2019, a leitura do pelouro indicou o nome da advogada Alda Pinheiro para ser a Imperatriz de 2020. Importante lembrar que, em Alcântara, o mando do festejo nos anos ímpares é feito pelo Imperador, enquanto que nos anos pares o mando é da Imperatriz. Diante desta situação inusitada e bastante desagradável, a população de Alcântara se encontra triste. Porém, sem perder a fé, os devotos fizeram ecoar foguetes pela cidade domingo passado, quando seria realizada a busca dos mastros, bem como na última quarta-feira,quando aconteceria o carregamento e levantamento do mastro da Imperatriz, Alda Silva Pinheiro (nascida em Alcântara a 21 / 12 / 1969), que concedeu a entrevista exclusiva abaixo ao jornalista, escritor e pesquisador de cultura popular Paulo Melo Sousa, do JP Turismo.


Divulgação
JP Turismo (PMS)- Segundo o Coordenador do Festejo do Divino Espírito Santo de Alcântara, Mestre Sala e artesão Antônio de Coló, bem como alguns pesquisadores de cultura popular,esta será a primeira vez na história de Alcântara que esse tradicional festejo não será realizado, em razão da pandemia do Covid 19. Como você está enfrentando essa inusitada situação?
Alda Silva Pinheiro (ASP) – Em março, quando o país já estava afetado pela pandemia, a Coordenação do evento, juntamente com os festeiros, decidiu pelo adiamento do Festejo do Divino Espírito Santo de Alcântara. Essa mudança provocou, num primeiro momento, um sentimento de muita tristeza, pois já tínhamos organizado toda a parte dos insumos, e estávamos aguardando o início da nossa festa,que consideramos o início sendo na Aleluia. Após isso, eu conversava com a minha mãe e ela me dizia: “minha filha, vamos aceitar a vontade do Divino, a vontade de Deus”. Então, foi aí que eu fui me acalmando, mas, é muito triste para mim não realizar essa festa. No ano passado eu estava num pique tão grande, buscando as coisas, conversando com várias pessoas a respeito de como organizar certas coisas na Casa do Divino, conversando com a Coordenação, pedindo opinião e para mim foi como uma bomba que caiu, não realizar a Festa do Divino este ano. Foi uma tristeza muito grande.
JP Turismo (PMS) – Levando em consideração que o adiamento do festejo para o ano que vem implica numa mudança histórica, sabendo-se que em Alcântara o mando da Imperatriz acontece nos anos pares e o mando do Imperador em anos ímpares, como você analisa essa situação, já que o mando da Imperatriz agora será nos anos ímpares…
ASP – Em razão da pandemia, rompeu-se uma tradição, ao mesmo tempo em que se inicia um marco histórico no festejo. Por conta desse infortúnio, esse paradigma será alterado, sendo que a partir de agora haverá inversão de mando.


Charles Eduardo
JP Turismo (PMS) – Como ponderou sabiamente a sua mãe, é importante aceitar a determinação do Divino Espírito Santo, já que não sabemos acerca dos desígnios de Deus. Qual o ensinamento a tirar dessa situação? Existem males que vêm para o bem, como nos ensinam os antigos. Quais as possíveis vantagens que você pode visualizar nesse adiamento forçado do festejo? Mais tempo para organizar as coisas, tornar mais imponente e vigorosa a manifestação cultural que estará sob seu comando?
ASP – A partir das palavras da minha mãe eu me conscientizei que o tempo de Deus é diferente do nosso tempo. Estamos organizando alguns aspectos da festa, como por exemplo o lado financeiro, já que diante dos gastos que estão sendo feitos com a saúde, não sabemos se o governo terá condições de subsidiar o nosso festejo no ano que vê. Além disso, vamos tentar resgatar algumas tradições que estão sendo esquecidas no festejo, organizando também como melhor fazer em 2021 uma festa para ficar na história, como a minha família sempre fez. Esse agora é meu objetivo para o ano que vem,fazerde tudo o que nós sabemos datradição para tornar o festejo de 2021 uma festa linda, com muita fartura, com muita beleza, mostrando nossa força cultural, com muito brilho, uma festa digna do Divino Espírito Santo.
JP Turismo (PMS) – Sua família possui uma profunda identificação com as tradições culturais em Alcântara, notadamente com relação ao festejo do Divino Espírito Santo e o festejo de São Benedito. Seu pai (Liene Pinheiro) e sua mãe (Maria Silva Costa) sempre estiveram presentes nessas manifestações, bem como seus irmãos e irmãs, a exemplo do seu irmão Augusto Pinheiro, que foi, inclusive, Imperador do Divino Espírito Santo em 2017. Qual a importância da cultura alcantarense na sua vida, especificamente?
ASP – Em 1969 quando aconteceu o festejo do Divino Espírito Santo, eu estava com dois meses no útero da minha mãe. Seguindo também em agosto já estava escutando o batuque do festejo de São Benedito. Nesse contexto, desde a concepção eu já fui privilegiada. Então, todo esse engajamento da minha família nas manifestações culturais de Alcântara faz com que isso tenha uma importância indescritível para mim, pois isso está intrinsecamente enraizado em minha vida.
JP Turismo (PMS) – Você comentou acima que está preocupada em resgatar alguns aspectos da tradição que estão sendo esquecidos. Isso é muito importante, já que vimos nos últimos anos que o lado profano do festejo vem sobrepujando o lado religioso do mesmo, que foi a motivação inicial dacelebração ao Divino Espírito Santo. Quais aspectos da tradição você considera que esteja enfraquecendo e o que você pretende fazer para resgatar e manter viva essa tradição?


ASP –Ao longo da minha vida, desde criança, fui observando várias mudanças, várias mutações no Festejo do Divino Espírito Santo. Uma dessas mudanças se refere ao carregamento do mastro. Ao longo do trajeto em que o mastro é carregado, havia um hino. Os carregadores e o povo falavam: areia, areia!…Nos últimos anos, foi adotado o refrão “licor, licor: sem licor o mastro não vai”. Além disso, eu estava observando algumas fotos da minha avó, Oscarina Pinheiro, que foi caixeira do Divino Espírito Santo, verifiquei que ela estava usando vestido estampado na porta da igreja. Aí eu fui pesquisar, fiz umas perguntas para pessoas mais velhas e descobri que as caixeiras usavam antigamente no chamado “domingo do meio” (primeiro domingo do festejo) as caixeiras usavam vestidos estampados. Ao longo do tempo foi sendo mudado e já há muitos anos que a roupa é outra. Em 2021 irei retomar essa roupagem das caixeiras nesse dia. Temos também a questão da ciganagem (prática hoje em desuso no festejo, que consistia no pedido de jóias ou esmolas, feito pelas ciganinhas, crianças ou meninas adolescentes, para ajudar os festeiros), que praticamente deixou de existir. Eu ciganeiem vários festejos, eu gostava muito daquilo, pois a gente fazia a ciganagem em devoção ao Divino Espírito Santos, e as ofertas que nós recebíamos eram inseridas no que a gente chama de esmolas que são doadas para um grupo de pessoas carentes que necessitam e que são relacionadas previamente pelos festeiros. Então são esses aspectos que irei tentar resgatar no festejo. No dia do mastro irei conversar com os carregadores do mastro e as pessoas que acompanham o cortejo. Irei conversar carinhosamente com todos para que se volte a cantar novamente “areia, areiaaaa”. Podemos manter o outro refrão, mas é importante resgatar a nossa tradição.
Muito bom ver alguém preocupado com a verdadeira essência da festa