Prezados leitores e leitoras. Sobre o tema de hoje, destaco as liberdades fundamentais, como o direito de manifestação e de reunião (inciso XVI, Art. 5º da CF): “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais aberto ao público, independentemente de autorização”. Esse princípio já veio reconhecido nas primeiras declarações de direitos e depois incorporadas aos catálogos de direitos de todas as Constituições que se pretendem democráticas. Na contramão dessa prerrogativa de todo cidadão, esbarramos com um caso atípico e estranho de desvio da atividade policial aqui em São Luís com repercussões negativas.
Durante toda semana internautas em grupos de WhatsApp, nas redes sociais e os blogs também, veicularam denúncias dando conta que a SEIC – Seção de Investigações Criminais, órgão subordinado à Polícia Civil do Estado do Maranhão, com atribuição de polícia judiciária, estaria INTIMANDO dezenas de pessoas que organizavam uma CARREATA em protesto aos atos de gestão praticados pelo governador Flávio Dino, principalmente no combate ao coronavírus.
Se confirmadas essas ocorrências, a SEIC deixa de ser órgão de Estado para se transformar em instrumento de governo para REPRESSÃO POLÍTICA IDEOLÓGICA. Tal condição, além de ilegal e abominável no mundo jurídico, fere e acaba maculando a imagem de uma instituição até então respeitável e que certamente tem prestado relevantes serviços à sociedade maranhense. E esse desvio é típico de estado clandestino de exceção.
O direito a livre manifestação, representa o eixo central de todas as cartas democráticas do mundo. A doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que em época de PANDEMIA a constituição não está revogada.
Com efeito a título de direito comparativo,o Tribunal Constitucional da Alemanha ditou em 16/04/2020, que os cidadãos mantém o direito de manifestar-se publicamente mesmo em tempo de pandemia. A Corte alemã defende que sejam cumpridas as recomendações de distanciamento social, não aceitando a suspensão deste tipo de direitos. A decisão atende a pedido de um grupo de ativistas pró-democracia que queria manifestar-se. O Tribunal Constitucional alemão delibera assim contra a decisão do tribunal administrativo de Giessen, que defendeu a proibição da convocação de uma série de manifestações previstas para meados de abril.
No Brasil, apesar da pandemia os direitos fundamentais previstos na constituição não estão suspensos. Manifestantes por todo o país, inclusive em Brasília, sem nenhum impedimento judicial ou policial, fazem carreatas semanais em protestos a governadores, congresso, STF e apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Não existe suporte juridicamente legítimo a justificar qualquer tipo de intervenção no âmbito do direito fundamental.
Neste particular, o outrora polêmico ministro Celso de Mello, o mais antigo magistrado em atividade na Suprema Corte, se manteve fiel a seus próprios precedentes, incluindo o multicitado caso da “marcha da maconha”, assegurando, em regra, posição preferencial às liberdades de reunião e expressão.
Em 7 de maio de 2020, na MEDIDA CAUTELAR Nº 8.830- DISTRITO FEDERAL, formulada pelo líder do PT na Câmara dos Deputados, Deputado Enio Verri (PT-PR), onde buscava a interdição de carreata/manifestação em Brasília marcada para o dia 8 de maio e prisão dos envolvidos, que tinha como alvo principal o próprio Supremo Tribunal Federal e seus Ministros”, ele , Celso de Mello, além de rejeitar o pedido por força de competência penal, rechaçou qualquer violação ao direito de reunião e manifestação mesmo em época de ´pandemia.
O que aqui se impõe seja destacado, e por isso a relevância da decisão, é que embora pudesse ter o seu prolator, Celso de Mello, se limitado ao não conhecimento da ação, foram tecidas considerações importantes sobre o mérito do pleito, deixando claro que caso fosse conhecido e julgado, o resultado seria o seu indeferimento, por frontal violação das liberdades de reunião e de manifestação e expressão consagradas na Constituição e no direito internacional dos direitos humanos, designadamente na Declaração Universal da ONU, de 1948 (artigos XIX e XX), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigos 19 e 21) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 13 e 15).
Dentre os argumentos invocados no seu voto, o ministro decano da Suprema Corte brasileira, além de invocar importantes precedentes, anotou:‘’…Vê-se, portanto, que o direito de crítica e o direito ao dissenso – desde que não resvalem, abusivamente, quanto ao seu exercício, para o campo do direito penal, vindo a concretizar, em virtude de conduta desviante, qualquer dos delitos contra a honra (calúnia, difamação ou injúria) –, encontram suporte legitimador em nosso ordenamento jurídico, mesmo que de sua prática possam resultar posições, opiniões ou ideias que não reflitam o pensamento eventualmente prevalecente em dado meio social ou que, até mesmo, hostilizem severamente, por efeito de seu conteúdo argumentativo, a corrente majoritária de pensamento em determinada coletividade (…) O pluralismo político (que legitima a livre circulação de ideias e que, por isso mesmo, estimula a prática da tolerância) exprime, por tal razão, um dos fundamentos estruturantes do Estado democrático de Direito! É o que expressamente proclama, em seu artigo 1º, inciso V, a própria Constituição da República. É por isso que se mostra frontalmente inconstitucional qualquer medida que implique a inaceitável “proibição estatal do dissenso” ou a livre manifestação do pensamento’’.
Tal entendimento, aliado a padrões internacionais como visto na Alemanha, por sua vez, guarda estreita sintonia com a jurisprudência dominante formada pelo STF, em especial desde o julgamento da ADP 130, relatada pelo então ainda ministro Carlos Britto, que considerou não recepcionada pela Constituição a antiga lei de imprensa editada sob a égide do regime militar, do que dão conta, na sequência, outros julgamentos.
O alto significado que o direito de reunião assume nas sociedades democráticas foi acentuado, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.969/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, quando a Corte, em sessão de 28/06/2007, declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 20.098/99, editado pelo
Governador do Distrito Federal, que vedava “a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros”, em determinados locais públicos, como a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios. Em resumo o Acordão foi assim ementado: ‘’ a liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (Willezur Verfassung).
Ora leitores. Quer dizer que lá fora pode tudo. Aqui não pode nada. Lá fora a constituição de 88 vale. Aqui não. Por quê? A conclusão de tudo até aqui lavrado é que tanto o Juiz Titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos do TJMA, como os Delegados de Polícia da SEIC, estes últimos que intimaram pessoas que não concordam com a forma com que governador Flávio Dino, governa, não têm o poder, o primeiro pelo ativismo judicial para proibir carreata (decisão inconstitucional) e os demais por agirem em tese em flagrante abuso de autoridade previsto na Lei nº 13.869/2019 (Arts. 27, 30, 33 e seu parágrafo único)combinado com o princípio da reserva legal, externado no artigo 5º , inciso II , da CR/88 , que estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Logo, as obrigações dos indivíduos só podem ser criadas por espécies normativas produzidas em conformidade com o devido processo legislativo. AFINAL, O ATIVISMO JUDICIAL NÃO PODE TRANSPOR LEIS EXISTENTES E NORMAS CONSTITUCIONAIS VIGENTES E A POLÍCIA É DE ESTADO E NÃO DE GOVERNOS!