O Grupo Grita prometeu e cumpriu o que anunciou com o tema Da Poeira aos Palcos: Um Diálogo Entre os Territórios, em sua encenação da Via-Sacra deste ano, a partir das 19 horas da quinta e sexta-feira Santa, pelas ruas do Anjo da Guarda: trouxe uma reflexão metafórica sobre a trajetória do Grupo Grita, com um pé na casa dos 50 anos, e sua relação com a comunidade, e a escrita da história do teatro maranhense como forma de resistência e identidade.


Foi dito e feito: resgatou a origem da entidade e do Bairro Anjo da Guarda, ambos nascidos da poeira, do barro e da luta, para se tornarem territórios de arte, cultura e cidadania. Com atividades desde 1975, o Grupo Grita enfatizou os começos do fazer teatral a céu aberto, a partir de 1981, a origem da comunidade com os remanejados que foram vítimas do incêndio das palafitas do Goiabal, na adjacência da Madre de Deus, em 14.10.1968, e seguidos dos moradores da Salina do Goiabal, em 1969, e os da Salina do Lira e os da Praia da Madre de Deus e de outras áreas ribeirinhas, com a construção da Barragem do Bacanga, em abril de 1970. Como estava no folder distribuído no itinerário da exibição, “Esse percurso dialoga com marcos históricos, como o fim da ditadura militar, os eventos promovidos pela antiga Federação de Teatro Amador e a relação do Grupo Grita nas comunidades!”
A arte transformadora — Também no folder da Via-Sacra deste ano, não me passaram despercebidos os trechos em que o Anjo da Guarda, hoje, é um dos centros culturais mais importantes de São Luís, cheio de artistas, músicos e grupos de teatro: “O Grupo Grita foi essencial para essa transformação. Há 50 anos, começou a levar arte para as ruas, criando um movimento cultural forte e duradouro. O que era um sonho pequeno, virou uma tradição que mostra a força da Cultura Popular. A Via-Sacra é parte da alma do Anjo da Guarda. Todo ano, mostra como o teatro pode transformar vidas. E deixa uma pergunta no ar: se a poeira virou palco, o que precisamos fazer para manter esse palco vivo no futuro?”


O palco vivo no futuro: o bem-comum –— De caso-pensado, sabendo que amanhã os bons sucessos necessitam continuar, crianças e adolescentes são partes integrantes da maioria das promoções do Grupo Grita, e num crescendo, qual os voltados para os de instrumentos de percussão, de teatralização, dentre outros de interesse coletivo. Com a participação cada vez mais frequente dos novos, o palco vivo vai estar assegurado no porvir.
Concorrência com Nova Jerusalém (PE) — Porque a grande meta é prosseguir, não vai demorar para a Via-Sacra do Anjo da Guarda disputar a primazia de maior e mais bonita, ao ar-livre, que a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano, está com atores da Rede Globo de Televisão, que alteou mais a sua grandeza!


O ato das autoridades competentes — O Governo do Estado e a Prefeitura de São Luís poderiam subsidiar o cenário em alusão a Jerusalém, para a entrada triunfal de Jesus, antes do Largo do Teatro Itapicuraíba, e onde mais houvesse identificação com Jerusalém! Bastaria patrocinarem, pois os cabeças do Grita dariam conta do recado! Eles são: Cláudio Silva, Zezé Lisboa, Adailton Dias, Wharles Lemos, Carl Pinheiro e Simoney Cunha.
Lúcifer “com o diabo no couro”, Nathan Máximo e o possuído — Apresentaram-se, literalmente, “com o diabo no couro”, Antônio Garcia e Auro Juriciê, como Lúcifer, em debate acalorado, no Recanto da Paixão, contra Jesus Cristo (em dupla de Jorge Smith e Carlos Vasconcelos), na artimanha de querer ganhar no abafa, tentando um poder que queria muito ter, sabedor que o Filho de Deus venceria a parada, quando o mandasse para o fogo do inferno, qual aconteceu! Meu velho camarada Nathan foi o Máximo na representação do Homem do Povo, saído sobre os vendilhões do templo, numa intervenção impecável, na fala e na gesticulação, que emudeceu e paralisou comerciante, “oferecidas” e rufiões. Perguntei a ele se foi decorado, ou outra forma, o que para mim seria eu clamando no deserto que nem São João, e recebi: “Gravei o áudio e falei em cima”! Sem dever sequer o feitio a ninguém, Lucca Silva foi o possuído para demônio nenhum botar defeito e pôs à prova a tarimba de quem estava ali Jesus para ser exorcista.
Observações e reparos — Cá, com meus botões, antes de Salomé (Palloma Borges) dar o ar da sua graça, com a cabeça de João Batista, viriam a calhar maiores informações do narrador (se Edi Ramalho, tiraria de letra, tanto quanto ator veterano) a respeito para a galera da geral: a causa do martírio foi por que Herodíades, esposa do rei Herodes Antipas e ex do seu irmão de criação, queria ver João Batista morto, quando ele foi preso, pelas denúncias pesadas contra ela, em suas pregações. Salomé, filha de Herodíades, cobiçada por Herodes, dançou, num aniversário dele, com a exigência de que, instruída pela mãe, receber a cabeça do desafeto de bandeja; era pegar ou largar, e Herodes pegou! Sem todas as riquezas de detalhes, melhoraria o entendimento da plateia!


Judas e Patrimônio Imaterial do Maranhão — Ouvi de presentes, depois do enforcamento de Judas (Warlem Amorim), na quinta-feira, que assuntos políticos brasileiros, saídos na sua falação, deveriam ser, no quinto ato, no Corredor da Reflexão, na Rua Palestina. Warlem Amorim segue uma tradição de feras fazendo o papel de Judas: Bena, na Paixão de Cristo, do martirólogo Cecílio Sá, no Teatro da Igreja São Pantaleão, na minha meninice, e Aldo Leite (ator e teatrólogo premiado), também com Cecílio Sá, na minha maturidade. Se houver algum precipitado achando tal qual o pintor que repreendeu o sapateiro por dar palpite nas cores de sandálias num quadro, e não deveria esticar seu olhar além dos chinelos, foi por que sou torcedor do Grupo Grita e da Via-Sacra desde que nasceram! Soube, há pouco, da criadora do Grupo Grita e da Via-Sacra, arte-educadora e atriz Zezé Lisboa, que, nesse tempo todo, foram agraciados com moções da Assembleia e do CEUMA! Estou, desde já, apontando a Via-Sacra do Anjo da Guarda para ser Patrimônio Imaterial do Maranhão! Quem se habilita? O professor e ex-prefeito de Guimarães, Osvaldo Gomes, ofertou o grau dessa importância para o bairro, São Luís e o Maranhão:
“Verdade! Com um grande diferencial: um espetáculo de fé de uma comunidade que, não apenas tem o nome de um Anjo da Guarda, mas escreve o roteiro, dirige participa no elenco e da platéia, demonstrando ser possível reviver e difundir a mensagem de amor, esperança e ressurreição de Jesus, o ” rosto humano de Deus”.
Texto: Herbert de Jesus Santos