Estava eu com um grande amigo, meu computador, procurando ideias para esta crônica, quando outro amigo – humano, este – apareceu de repente na sala, onde eu forcejava por encontrar essa boa ideia que servisse a uma conversa com meus supostos leitores. Ele vinha cantando um famoso bolero, ali dos anos cinquenta, quando éramos dois fedelhos. Nunca me esqueci da letra dessa canção, em sua primeira estrofe: “Alguém me disse que tu andas novamente /De novo amor, nova paixão, todo contente /Conheço bem tuas promessas /Outras ouvi iguais a essa /Esse teu jeito de enganar conheço bem”.
Por uma associação ligeiramente bizarra de ideias, dei um estalo. Não o estalo de Vieira, e sim coisa mais modesta. Eu liguei instantaneamente a mulher com um “novo amor, nova paixão” à Câmara dos Deputados. Sim, à chamada Câmara Baixa brasileira. Eu diria Câmara Baixíssima. Mas, Lino, qual a ligação de Câmara dos Deputados com novo amor, nova paixão? Explico, caro amigo. De cara, se vê como ambos são volúveis, os deputados de um lado e os novos apaixonados pelo dinheiro público, o novo amor deles, embora antigo, mas novo na forma de gastar sem fiscalização de ninguém.
Não havia, até poucos anos, emendas parlamentares. Quando elas vieram à luz do dia, foi aquela paixão desenfreada, cada deputado, ou dizendo melhor, todos os deputados revelando desejos inconfessáveis por recursos públicos dos quais ninguém teria de prestar contas. Se um deputado pedisse para participar da festa, lhe seria atribuído quase automaticamente um ingresso para a festa. Como assim, ninguém fiscalizava a aplicação das emendas, é sério? Aí a luz se fez. Como não conectar emendas e paixão? A canção fazia todo sentido. Veja, caro leitor: “Alguém me disse que tu andas novamente /De novo amor, nova paixão, todo contente.” A nova paixão eram as emendas. Contudo, os cidadãos não reclamaram no começo do folguedo.
Mas, falando sério, o Parlamento brasileiro inventou esse verdadeiro jabuti parlamentar na forma de emendas ao orçamento público. Significa tal invenção dar ao Congresso Nacional, cuja função é votar leis, mas não transformá-las em normas efetivas, aquilo que os americanos chamam “dar-lhes força”, a também oferecer-lhe a execução do orçamento, numa espécie de governo compartilhado. Era assim na Roma Antiga. Havia os coimperadores, governantes de partes do império simultaneamente, cada um dentro, teoricamente, de seus limites de competência territorial ou funcional. Tal arranjo não podia dar certo, como não deu em várias ocasiões.
Com a mal-aventurada novidade brasileira não é assim. O Legislativo se apossou de metade de todos os recursos orçamentários federais livre de vinculações, ante Executivos fracos, e passou a aumentar sua parte mais e mais a cada ano. Quem conhece o a vida pregressa de Arthur Lira (consultem a Wiki pedia e não se surpreendam) conhece igualmente com são essas manobras espúrias dele principalmente, pois ele é o grande manipulador dessas movimentos bastardos. Quando o Supremo Tribunal Federal se levantou contra a usurpação, o conflito entre os Poderes se mostrou. Se o STF fraquejar, de 12 bilhões do orçamento livre das vinculações setoriais e disponíveis para outros gastos do governo, 6 bilhões serão abocanhados pelo Legislativo. Nem num sistema parlamentar de governo, imoralidade como essa ocorre.
Neste momento (sexta-feira, 27/12/2014), a Câmara fez o impossível ao se reunir no período de recesso parlamentar. Para votar propostas de interesse do povo brasileiro? Não, com o fim de chantagear o Executivo, com a ameaça de aprovar outros projetos de interesse pessoais da maioria dos deputados.
Lino Raposo Moreira, PhD – Doutorado pela Universidade de Notre Dame nos Estados Unidos. Da Academia Maranhense de Letras e ex-presidente da instituição.