Ouvi de um amigo, que é médico, a metáfora que melhor define, no meu entendimento, o acometimento do vírus da Covid 19: ” é uma roleta russa”.
Várias interpretações podem ser feitas à luz dessa expressão. Porém, aqui entender-se-á como um jogo perigoso no qual o vírus escolhe suas vítimas, podendo levá-las à morte.
Quando fui diagnosticado com o Covid, me veio logo a lembrança de pessoas próximas a mim que perderam suas vidas: ex-alunos, colegas professores, amigos comuns que frequentavam a minha casa. Algumas, na grande maioria, bem mais jovens que eu. E por que elas e não eu? O que de estranho tem esse vírus que ataca com tanta potencialidade uns e outros não? Ah, mas aí a medicina explica que determinada pessoa tinha comorbidades e por isso o vírus a escolheu para matá-la. Mas, quanto àquela que não tinha comorbidades, era bem jovem, quase atleta, mas mesmo assim o vírus foi cruel com ela, como explicar isso? Tambem tem outra que possue várias comorbidades e idade avançada e consegue se salvar, mas seus filhos não. Por outro lado, existe, ainda, pessoa que está com o vírus e não manifesta nenhum sintoma e leva a vida na normalidade dela. Como a medicina explica tais situações? Na verdade, a medicina, nesse caso, não está conseguindo explicar muita coisa não. Mesmo porque a doença é recente e tudo é muito novo. Como toda pesquisa científica, levará anos para essa doença ser melhor explicada, isso se realmente vier a ser explicada, pois essa doença, na minha compreensão, também tem seus mistérios que só quem teve contato direto com o vírus consegue descrevê–los. É tão estranho que um indivíduo, embora jamais ter contraído o vírus, adoece mentalmente em razão dele.
É muito esquisito tudo isso! Ainda tem as sequelas que o vírus deixa no corpo que varia de pessoa para pessoa, o que não dá para tirar uma média ou fazer generalização. E quanto tempo dura tais sequelas e a dimensão destas no corpo ninguém sabe. Do mesmo modo, não se sabe dimensionar os impactos psicológicos no cotidiano e no futuro.
Muitos estão sendo cobaias de si mesmos, uns apelando aos remédios caseiros e sem comprovação científica, outros recorrendo aos protocolos da medicina, nos quais cada médico tem sua receita já formulada. No final das contas, não se sabe o que realmente curou, ou se curou, ou mascarou o que estava potencializado.
Será que se está efetivamente curado do vírus ou ele prolongou o sofrimento com o surgimento de novas doenças no corpo, produto das suas sequelas? O que dizer daquela pessoa que desenvolveu síndrome de pânico após ter contraído a doença?
Pois é, ora aparece umas dores na costa, ora a capacidade de raciocínio escapa da mente, sem falar no ataque que o vírus faz em qualquer parte do corpo, seja no fígado, nos pulmões, seja no coração, nos olhos ou na cabeça, além dos efeitos neurológicos e psicológicos, inclusive alterando em alguns momentos o humor.
Até aquela dor antiga no braço ou na perna que havia desaparecido agora voltou com bastante intensidade. É tudo muito estranho e muito esquisito! Parece coisa de outro planeta, de outra dimensão cósmica.
Como será a vida daqui pra frente? Haverá transformações nas relações que se estabelecem atualmente entre os indivíduos? Os costumes e as tradições persistirão como obras divinas no comportamento social do povo? O ódio, a intolerância, a inveja, os preconceitos, a misoginia, o machismo brasileiro e os racismos ganharão força nessa pandemia? Quem cresce e quem se apequena diante dessa pandemia?
Algumas dessas perguntas, acredito, jamais encontrarão respostas. Outras ficarão sem explicação. Porém, todas elas terão uma relação de causa e efeito, ou seja, o vírus do Covid 19 será determinante no comportamento social das atuais e novas gerações.
As dúvidas e os questionamentos que o Covid suscita abre um leque de possibilidades relevantes para pesquisas não só na área médica, mas, sobretudo, no campo das ciências sociais.
Ou, quem sabe, se possa compreender tudo isso buscando uma explicação além da ciência. A partir, talvez, do plano espiritual, diante de algumas lições de vida que ainda não se foi capaz de entender na pandemia.
Mas, quando se atingir esse estágio de compreensão, com certeza se verá refletida positivamente em cada ação de cada indivíduo, contribuindo para o seu crescimento, tornando-o melhor. É o que se almeja e é o que se espera, senão a roleta russa continuará destruindo não alguns, mas muitos.
Alderico José Santos Almeida – Sociólogo, Cientista Político e Professor