Em andanças pelo mundo, uma coisa sempre me chamou atenção. Em países árabes e também em Israel, vi homens com terços nas mãos. As mesmas mãos que seguravam terços, eram as mãos que jogavam bombas. Nas guerras modernas que acompanhamos ao vivo e os núcleos pela TV, refastelados no sofá de casa, não se jogam mais bombas; mas são os mísseis teleguiados, que têm alto poder de destruição.
Estes dias auxiliam, a interpretação magistral da atriz Bibi Ferreira do “Monólogo das mãos” do carioca Giuseppe Artidoro Ghiaroni, que reproduzo aqui.
“As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever…
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola da famosa revolução. Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena. Foi com as mãos que Jesus amparou Madalena. Com as mãos que David agitou a fundação que matou Golias. As mãos dos Césares Romanos decidiram a sorte dos gladiadores vencidos na arena. Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência.
Os antissemitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte. Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram. A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda. O operário construir e o burguês destruir. O bom amparar e o justo punir. O amante acariciar e o ladrão roubar. O honesto trabalho e o viciado jogam.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do “Homo Rebus” lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para relatar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, procure-se as chamas.
A mão aberta, acariciando, mostra uma pegada; fechado e elevado mostra a força e o poder; empunha a espada a pena e a cruz! Modelo de mármore e bronze; dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria uma riqueza. Doce e piedosa nos afetos médicos como chagas, conforta os aflitos e protege os fracos. O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada. Jesus abençoava com as mãos. As mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes. Nascidas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem. Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham, e o coração para, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera, que continuam na morte as funções da vida.
E as mãos dos amigos nos conduzem…
E as mãos dos coveiros nos enterram!”
Luiz Thadeu Nunes e Silva – Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. Instagram: @Luiz.Thadeu – Facebook: Luiz Thadeu Silva. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br.