Nas quatro noites da chamada Semana Gonçalvina, um dos pontos altos das celebrações alusivas aos 115 Anos da Fundação da Academia Maranhense de Letras (AML) e do Bicentenário de Nascimento do Poeta Gonçalves Dias, sempre antes das conferências proferidas por intelectuais de renome alteroso, foi brilhante a performance da atriz e jornalista maranhense Amélia Cristina Araújo Ferreira, que, com o nome completo por um triz não igual ao do grande amor não consumado de GD (Ana Amélia Ferreira do Vale), vestiu-se à caráter e abriu o verbo, com voz maviosa, para declamar quatro poemas líricos do excelso Cantor dos Timbiras. As palestras começaram na segunda-feira (7.8.), às 18h, com Gonçalves Dias, Uma Ideia de Brasil, ministrada pelo professor e poeta Marco Lucchesi, diretor da Biblioteca Nacional e membro da Academia Brasileira de Letras(ABL). Na terça-feira (8), também a partir das 18h, A Canção de Todos os Exílios, com a romancista e poetisa cearense Ana Miranda, numa parceria com a Academia Ludovicense de Letras. No dia 9, Antônio Carlos Secchin (da ABL) falou sobre Gonçalves Dias, o Outro, a Outra. No dia 10, Merval Pereira (presidente da ABL) discursaria na sessão solene comemorativa aos 200 anos de GD e aos 115 da AML.


Amélia Cristina recitou Ainda Uma vez, Adeus! (dia 7), Olhos Verdes (dia 8), Leito de Folhas Verdes (dia 9) e Se se Morre de Amor (dia 10). Filha de Maria Isabel Araújo Ferreira e de Antônio José de Ribamar Ferreira, concluiu o Curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em 2000. Em 1999, foi Miss Maranhão, quando o estilista Chico Coimbra apostou numa mudança de paradigma, com uma candidata (universitária) oriunda de eixo social não contumaz, e bem-vinda, tanto que ganhou a maior torcida de integrantes da ABMI (Associação dos Bumba-Bois da Ilha), da qual, começando em 1996, representando o Boi da Madre de Deus, ajudei a dirigir ao lado do pai dela, mais chamado Nacional, pelo Boi do Sítio do Apicum (São José do Ribamar), momento em que, com diversos companheiros, gerenciamos o Parque do Folclore da Vila Palmeira, recebido do Governo do Estado, em regime de comodato, e beneficiamos cordões de todos os sotaques, cada qual com uma barraca de alvenaria, e com promoções coletivas em auxílio às suas despesas para louvarem São João. Amélia Cristina passou uma temporada de cinco anos em Portugal, onde realizou Mestrado em Teatro, na Universidade de Évora, e teve participações, como atriz, em diversas novelas lusitanas.


O maior poema de GD à Ana Amélia— Ainda uma Vez — Adeus! I Enfim te vejo! — enfim posso, Curvado a teus pés, dizer-te, Que não cessei de querer-te, Pesar de quanto sofri. Muito penei! Cruas ânsias, Dos teus olhos afastado, Houveram-me acabrunhado A não lembrar-me de ti! II Dum mundo a outro impelido, Derramei os meus lamentos Nas surdas asas dos ventos, Do mar na crespa cerviz! Baldão, ludíbrio da sorte Em terra estranha, entre gente, Que alheios males não sente, Nem se condói do infeliz! III Louco, aflito, a saciar-me D’agravar minha ferida, Tomou-me tédio da vida, Passos da morte senti; Mas quase no passo extremo, No último arcar da esp’rança, Tu me vieste à lembrança: Quis viver mais e vivi! IV Vivi; pois Deus me guardava Para este lugar e hora! Depois de tanto, senhora, Ver-te e falar-te outra vez; Rever-me em teu rosto amigo, Pensar em quanto hei perdido, E este pranto dolorido Deixar correr a teus pés. V Mas que tens? Não me conheces? De mim afastas teu rosto? Pois tanto pôde o desgosto Transformar o rosto meu? www.nead.unama.br 3 Sei a aflição quanto pode, Sei quanto ela desfigura, E eu não vivi na ventura… Olha-me bem, que sou eu! VI Nenhuma voz me diriges!… Julgas-te acaso ofendida? Deste-me amor, e a vida Que me darias — bem sei; Mas lembrem-te aqueles feros Corações, que se meteram Entre nós; e se venceram, Mal sabes quanto lutei! VII Oh! se lutei!… mas devera Expor-te em pública praça, Como um alvo à populaça, Um alvo aos dictérios seus! Devera, podia acaso Tal sacrifício aceitar-te Para no cabo pagar-te, Meus dias unindo aos teus? VIII Devera, sim; mas pensava, Que de mim t’esquecerias, Que, sem mim, alegres dias T’esperavam; e em favor De minhas preces, contava Que o bom Deus me aceitaria O meu quinhão de alegria Pelo teu, quinhão de dor! IX Que me enganei, ora o vejo; Nadam-te os olhos em pranto, Arfa-te o peito, e no entanto Nem me podes encarar; Erro foi, mas não foi crime, Não te esqueci, eu to juro: Sacrifiquei meu futuro, Vida e glória por te amar! X Tudo, tudo; e na miséria Dum martírio prolongado, Lento, cruel, disfarçado, Que eu nem a ti confiei; “Ela é feliz (me dizia) “Seu descanso é obra minha.” Negou-me a sorte mesquinha… Perdoa, que me enganei! XI Tantos encantos me tinham, Tanta ilusão me afagava De noite, quando acordava, De dia em sonhos talvez! Tudo isso agora onde pára? Onde a ilusão dos meus sonhos? Tantos projetos risonhos, Tudo esse engano desfez! XII Enganei-me!… — Horrendo caos Nessas palavras se encerra, Quando do engano, quem erra. Não pode voltar atrás! Amarga irrisão! reflete: Quando eu gozar-te pudera, Mártir quis ser, cuidei qu’era… E um louco fui, nada mais! XIII Louco, julguei adornar-me Com palmas d’alta virtude! Que tinha eu bronco e rude C’o que se chama ideal? O meu eras tu, não outro; Stava em deixar minha vida Correr por ti conduzida, Pura, na ausência do mal. XIV Pensar eu que o teu destino Ligado ao meu, outro fora, Pensar que te vejo agora, Por culpa minha, infeliz; Pensar que a tua ventura Deus ab eterno a fizera, No meu caminho a pusera… E eu! eu fui que a não quis! XV És doutro agora, e pr’a sempre! Eu a mísero desterro Volto, chorando o meu erro, Quase descrendo dos céus! www.nead.unama.br 5 Dói-te de mim, pois me encontras Em tanta miséria posto, Que a expressão deste desgosto Será um crime ante Deus! XVI Dói-te de mim, que t’imploro Perdão, a teus pés curvado; Perdão!… de não ter ousado Viver contente e feliz! Perdão da minha miséria, Da dor que me rala o peito, E se do mal que te hei feito, Também do mal que me fiz! XVII Adeus qu’eu parto, senhora; Negou-me o fado inimigo Passar a vida contigo, Ter sepultura entre os meus; Negou-me nesta hora extrema, Por extrema despedida, Ouvir-te a voz comovida Soluçar um breve Adeus! XVIII Lerás porém algum dia Meus versos d’alma arrancados, D’amargo pranto banhados, Com sangue escritos; — e então Confio que te comovas, Que a minha dor te apiade Que chores, não de saudade, Nem de amor, — de compaixão. FIM
Texto: Herbert de Jesus Santos