No início da década de 1990, o então artista plástico, carnavalesco e arte educador Antônio Eugênio Araújo Ferreira vai para o Rio de Janeiro cursar pós-graduação, começando pelo mestrado e posteriormente doutorado e Pós-Doc. Para começar sua experiência científica, Eugênio Araújo desenvolve uma dissertação cujo objeto eram as escolas de samba de São Luís do Maranhão e ele foca sua análise na criação e evolução da Sociedade Recreativa Favela do Samba, onde faz uma releitura de como se deu a transformação histórica daquela agremiação carnavalesca.
O novo integrante do campo investigativo científico vai percebendo que havia nos grupos locais uma dependência muito grande com a apadrinhamento político, fato que deixava os nossos grupos culturais muito submissos aos gestores públicos que estavam no comando administrativo de nosso Estado, bem como aos chamados padrinhos que também desenvolviam um papel de conduzir os destinos dos grupos por meios de laços de dependência que deveriam ser objeto de troca nas relações sociais que interligam os responsáveis pelos respectivos grupos, além dos praticantes e apreciadores de cada grupo.
Esse cenário foi sofrendo adequações com o passar do tempo e cada vez mais, as nossas manifestações culturais de cunho popular, especialmente aquelas que são integrantes do ciclo carnavalescos, como as Escolas de Samba, Blocos Tradicionais do Maranhão, Blocos Organizados, Tribos de Índios, etc., ficam atreladas a essa prática histórica de dependência e passam a se produzir artisticamente para passar na “Passarela do Samba”, ou seja, a produção dos grupos carnavalescos da cidade de São Luís do Maranhão ocorrem prioritariamente para competir nos concursos oficiais de cada categoria de grupos carnavalescos e para que isso aconteça torna-se imprescindível a montagem de uma estrutura que seja congruente com a realização dos concursos competitivos.
Essa estrutura que viabiliza esses concursos tem sido historicamente a Passarela do Samba e a ajuda oficial do poder público, que contrata um número determinado de apresentações de cada grupo, que se comprometem, por meio de contratos formais, a realizar um número “x” de apresentações em cada temporada do ciclo carnavalesco. Assim, os grupos sobrevivem e desenvolvem ao longo do ano diversas atividades ritualísticas que incluem a escolha dos enredos, concursos de samba enredo/tema, idealização das fantasias inspiradas no tema escolhido, ensaios de baterias, atividades recreativas nas respectivas sedes dos grupos, participações nas prévias da pré-temporada e na temporada propriamente dita, desfile no concurso oficial que geralmente obedece um rigoroso ritual que é avaliado por um júri técnico previamente selecionados por órgão organizador do poder público, entre outras medidas.
Para consagrar tudo isso, o palco sagrado dos grupos carnavalescos, sem dúvida nenhuma, é a Passarela do Samba. É lá que cada um atinge o ápice do trabalho desenvolvido ao longo do tempo e a cada ano esse ciclo ritualístico é reconfigurado, redimensionado e ocupa as mentes de diversos atores protagonistas: carnavalescos, mestres de ritmo musicais, compositores, ritmistas, costureiras, ferreiros, carpinteiros, aderecistas, dançarinos, intérpretes, pintores, entre tantos outros. Enfim, existe uma grandiosa estrutura de pessoas que se doam e se dedicam a construir o sonho carnavalesco para desfilar na tal Passarela do Samba, portanto, essa equipamentos estrutural, que é fruto da construção coletiva do saber e fazer popular local, tem que existir, sob pena de acabar com aquilo que chamamos de tradição cultural de nossa terra.
A Passarela do Samba é pois, o espaço sagrado do povo apreciador dos grandiosos desfiles carnavalescos de nossa cidade, que por conseguinte, criou raízes e tornou-se elementos identitários do povo ludovicense. Esse fato vem somar-se à estrutura das cadeias produtivas da cultura e do turismo na nossa terra, atraindo turistas e dezenas de pessoas para estarem na cidade de São Luís no período das festas do ciclo carnavalesco, gerando emprego, trabalho e renda para centenas de pessoas, que se dedicam de corpo e alma para cada grupo que compõem as diversas categorias de nossas manifestações culturais daquele ciclo festivo.
Mas, por que estamos a reafirmar essa assertiva? Nos últimos dias verificamos que o espaço da montagem da Passarela do Samba na capital maranhense tem se transformado em um canteiro de obras e o mais grave de tudo isso é que, acaba de ser divulgado na imprensa e nas redes sociais de que no local da referida Passarela do Samba será construída uma “arena multiuso”, que de forma nenhuma atende aos interesses e nem as necessidades técnicas dos desfiles dos grupos carnavalescos. Desse modo, fica aqui o nosso repúdio aos autores dessa iniciativa, pois a comunidade protagonista da festa cultural local sequer foi convocada a opinar sobre a referida “arena multiuso”. Se isso ocorrer, os responsáveis pelo gerenciamento do poder público atual na nossa cidade e no Estado do Maranhão vão cometer um verdadeiro crime de lesa-pátria para as nossas manifestações carnavalescas locais. Pense nisso. Voltaremos ao assunto e continuamos a atravessar ao período da Pandemia Covid 19.
Euclides Moreira Neto – Professor Mestre em Comunicação Social e Investigador Cultural