O Círio de Nazaré em Belém do Pará é uma das maiores festas católicas do mundo, realizada no segundo domingo de outubro. O Círio de Nazaré é muito mais que uma festa religiosa. É manifestação cultural de um povo. Fogos de artifício, novenas e celebrações, brinquedos de Miriti (palmeira típica da Amazônia usada no artesanato paraense), tudo isso faz parte do Círio.
Para os paraenses o Círio de Nazaré tem o mesmo significado que o Natal, tanto que o desejo de “Feliz Círio” entre íntimos e desconhecidos é comum neste período. No lugar da ceia, a tradição na mesa familiar é o almoço do Círio, após a procissão do domingo. O prato número um é o pato no tucupi (sumo da mandioca), temperado com jambu, pimenta de cheiro. Em menor escala tem o leitão no tucupi ou a maniçoba.
As contas do Círio são superlativas: 11 procissões, mais de 2 milhões de pessoas participando, passa dos 200 anos de tradição e mobiliza todo o país, especialmente a Amazônia já que a santa é considerada a padroeira da região.
Roteiro do Círio
Com a missão campal iniciada às 5 horas na Catedral Metropolitana tem início a maior procissão do Círio. Até a Igreja Santuário são pouco mais de 3,7 quilômetros. Porém, é curto para as extremadas demonstrações de fé e devoção à santa.
A berlinda contorna o Ver-o-Peso quando o sol está saindo na manhã do segundo domingo de outubro. A Associação dos Feirantes recebe a santa com salva de fogos. Na esquina da Frutuoso Guimarães a corda é atrelada à berlinga. Segue então a romaria pelo Boulevard Castilhos França.
Mais ou menos por volta das 8 horas os arrumadores queimam 36 mil pistolas de fogos em homenagem à santa, antes da subida da avenida Presidente Vargas. Pega então a avenida de Nazaré em direção à praça do Santuário onde chega por volta do meio-dia. Precisão não há diante de tamanha devoção.
Procissões
O calendário oficial do Círio é composto por 11 procissões. Além do Círio propriamente dito, a Trasladação é a mais tradicional delas. No final da tarde de sábado, após a missa em frente ao Colégio Gentil Bittencourt, tem início o cortejo, formado predominantemente por jovens estudantes. Termina na Catedral.
Das romarias que foram o Círio fazem parte a Transladação, Traslado para Anindeua, Romaria fluvial, a Romaria rodoviária, Moto romaria, Ciclo romaria, Círio das crianças, Círio da juventude e Recírio.
A lenda da santa
Plácido José de Souza era um caboclo da região. Filho do português Manuel Aires de Souza com uma nativa. Era agricultor e caçador. Possuía um sítio na estrada do Maranhão, hoje avenida Nazaré. Assim começa a história da devoção à imagem de Nossa Senhora de Nazaré, lá em 1700.
Foi às margens do igarapé Murutucu que Plácido encontrou a imagem da santa. Levou para casa e ela retornava sempre ao lugar onde encontrara. Foi então levada ao Palácio do Governo. O fenômeno se repetiu outras vezes. Concluíram então que ali era sua morada. Os milagres se multiplicaram junto com os devotos que vinham do Moju, das margens do Rio Guamá, do Maranhão ou de Vigia. Contam que foi em Vigia que começou a devoção à virgem de Nazaré em 1687 com os padres Jesuítas.
Quando a imagem de madeira com 28 centímetros retornou de Portugal, onde fora para ser restaurada, em 1774 foi alojada na capela onde em frente havia um terreno cedido pelo governo. Em sua chegada ao porto de Belém a imagem foi recebida por dezenas de devotos. Daí o bispo convocou os fiéis a conduziram a santa até a capela em procissão.
Superando uma enfermidade, o governador Francisco de Souza Coutinho cumpre sua promessa, sendo que na tarde de 8 de setembro de 1973 ele carrega a imagem de Nossa Senhora e entrega ao padre José Raiz de Moura que inicia a procissão com a tropa da cidade à frente com romeiros levando grandes velas, os círios.
Diz a lenda que a imagem encontrada em Portugal pelo alcaide-mor de Porto de Moz, D. Fuas Roupinho seria uma cópia da mãe de Jesus esculpida na cidade de Nazaré, na Galiléia. Quem há de duvidar, duvide da fé!
Onde mais tem Círio:
Morro Vermelho (Minas Gerais) – Acontece em Caeté, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), no mês de setembro e é conhecida como Carvalhada Nossa Senhora de Nazaré. Tem como ponto alto a encenação do fim da guerra entre mouros e cristãos. É uma das mais antigas do país. Foi levada pelos colonizadores portugueses há mais de 300 anos, fala-se em 1704, no apogeu do ciclo do outro.
Tijuca (Rio de Janeiro). Copacabana (Rio de Janeiro) – O Círio no bairro carioca também acontece no segundo domingo de outubro. O trajeto da procissão é entre a Igreja de São Paulo Apóstolo, na rua Barão de Ipanema, até a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, em Copacabana, na rua Hilário de Gouveia. Conta com todos os ícones tradicionais como berlinda, corda e barco de milagres. Saquarema (Rio de Janeiro), Sumaré (São Paulo), Nazaré Paulista (São Paulo), Santos (São Paulo), Vila Carioca (São Paulo), Osasco (São Paulo), Cachoeira Paulista (São Paulo), Brasília (Distrito Federal), Jurupiranga (Paraíba), Natal (Rio Grande do Norte), Capistrano (Ceará), Fortaleza (Ceará), São Luís (Maranhão), Manaus (Amazonas), Rio Branco (Acre), Macapá (Amapá), Porto Velho (Rondônia), Cabra (Espanha), Nazaré (Portugal) e Cayene ( Guiana Francesa).
O arraial da Pavulagem
Um pequeno boizinho de veludo com estrela na testa, projetado em uma tala, se integrou à programação do Círio de Nazaré como mais um cortejo. Artistas e simpatizantes da alegoria se reúnem para homenagear a santa desde o ano 2000.
O cortejo ao ar livre que antes se concentrava na Praça da República passou a fazer um percurso tradicional. A multidão sai do Boulevar Castilhos França, em frente à Praça dos Estivadores, após o desembarque da santa da procissão fluvial de Icoaraci, no sábado (12), por volta do meio-dia, arrastando por uma multidão com chapéus de fita e muita disposição para enfrentar o dia ensolarado.
Ao ritmo de toada de boi-bumbá, merengue, retumbão, mazurca, quadrilha, Sairé, marcha de rua, o cortejo segue pelo Ver-O-Peso, praça do Relógio e desemboca na Igreja do Carmo.
Muito antes do Círio, no entanto, a brincadeira começa a ser urdida por pessoas vindo de todos os cantos da cidade, de todas as faixas etárias e camadas sociais. Aí pelo mês de abril as oficinas de adereços, canto, dança e ritmo e percussão dão os primeiros passos. A partir do segundo domingo de junho está tudo pronto para o boi ganhar as ruas.
A partir de 2003, o arraial passou a ser Instituto Arraial da Pavulagem, atuando em pesquisa e produção sócio-cultural. Se tornou então o Ponto de Cultura Arraial do Saber.
Festa da Chiquita é bacana
Ela já passou dos 40. A Festa da Chiquita é a banda mais profana da programação do Círio de Nazaré. Nasceu da cabeça de Eloi Iglésias, vocalista da banda de rock Ratos de Ravena, nos anos 70 do século passado. O lugar é sempre o mesmo: na Praça da República, esquina com o Teatro da Paz. Reúne o público LGBT e alternativos da cidade de Belém.
No pacote de tombamento do Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial brasileiro, o Iphan incluiu a “festa da Chiquita”, como referência cultural ligada tradicionalmente à festividade religiosa.
Tradicional é o troféu Veado de Ouro entregue a personalidade de destaque na cidade. Irreverente, o ex-prefeito e hoje deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL), chegou a ser condecorado na festa, embalado pelo legítimo carimbó, executado por um grupo importado diretamente do Marajó.
Por conta e força da algazarra que o público promove, a festa tem início depois da procissão da transladação e se estende até uma da manhã, segundo orientação dos órgãos de segurança do estado e da prefeitura de Belém.
Hino de Nossa Senhora de Nazaré
Vós sois o lírio mimoso
Do mais suave perfume
Que ao lado do santo esposo
A castidade resume
Ó virgem mãe amorosa
Fonte de amor e de fé
Dai-nois a bênção bondosa
Senhora de Nazaré
De vossos olhos o pranto
É como gota de orvalho
Que dá beleza e encanto
A flor pendente do galho
Se em vosso lábios divino
Um doce riso desponta
Nos esplendores dos hinos
Nossa alma ao céu se remonta
Vóis soi a flor da inocência
Que nossa vida embalsama
Com suavíssima essência
Que sobre nós se derrama
Quando na vida sofremos
A mais atroz amargura
De vossas mãos recebemos
A confortável doçura
Vóis sois a ridente aurora
De divinais esplendores
Que a luz da fé avigora
Nas almas dos pescadores
Quando em suspiros e ais
Sentimos a vida morta
Nessas angústias finais
O vosso amor nos conforta
Sede bendita, senhora
Farol de eterna bonança
Nos altos véus, onde mora
A luz da nossa esperança
E lá da celeste altura
No vosso trono de luz
Dai-nos a paz e ventura
Do nosso amado Jesus.
Texto: Henrique Bóis