Hoje, o editorial poderia ser sobre agosto, o mais belo dos meses, embora alguns insistam em associá-lo a superstições, agosto é, no Nordeste do Brasil, um mês solar, alegre, intenso, mês de registro de ventos fortes, nas cidades, no mar, desenhando cristas de cristais nas ondas e assanhando as cabeleiras das árvores nas florestas. Agosto é um nome redondo, orbital. A pronúncia da palavra sugere plenitude ovalar: gô, gôs, gost (incomensurável). Mas, embora não gostássemos, o Editorial de hoje é para falar de saudade, de uma busca de matar a saudade imortal. Teremos de falar da partida de nosso querido amigo, jornalista, escritor – contista e poeta – Jorge Nascimento. Jorge Pereira do Nascimento, que nasceu em 08 de janeiro de 1931, e desencarnou em 11 de agosto de 2020, última terça-feira.
Na realidade, todo ser humano, desde o nascimento, não é mais que uma abreviatura, do ponto de vista físico, esse ente que é apequenado na morte, diária e progressiva, do corpo, para poder sobreviver, na memória, com dimensão de grandeza de alma, de espírito, que quiçá galgou. Por isso posso dizer que Jorge atingiu esse patamar, que não se mede por parâmetros de lugar na pirâmide social, mas por exercício de talento, arquétipo, ícone.
Jorge Nascimento, na intimidade, foi sempre uma pessoa de agosto. Tinha o plexo solar iluminado por aquele amarelo dourado próprio do sol dos quadros que reproduzem novas paisagens, que eram antigas, dos originais girassóis pintados por Van Gogh.
Jorge Nascimento vive, inspira, empresta sopro de vida poética. Seu inigualável Zé Coré, obra prima do conto maranhense, é uma espécie de síntese autobiografia de uma infância autêntica e sofrida. Jorge Nascimento, por detrás dos olhos de galo de briga, era conduzido por uma alma de menino, de um adulto que resolveu se perder na quadra da infância. Era extrovertido, entre os íntimos, alegre, expansivo, comunicativo, amistoso. Tinha na pele o sol e o sal do mês de agosto, o que vinha de sua alma, de seu espírito, de seu temperamento generoso: gost, incomensurável; ghost, alma, espírito que retorna para consolar.
Entre estranhos, Jorge era lunar, taciturno, silêncio em plenitude. Era quando só escutava, para se retirar sem ser percebido, pois era rigoroso com a pretensão.
Homem culto, uma espécie de enciclopédia ambulante. Amante da sintaxe da Língua de Camões. Jorge, de São Jorge, pois que guerreiro. Não à toa se dizia também amante do box. E Nascimento, porque trazia em seu plasma a marca da origem, das coisas em seu estado natural, primacial. A morte física de Jorge é uma perda que representa ganho de memória.
Na edição JP Turismo, da próxima sexta-feira, esperamos poder pôr, em uma página sobre o passamento, o que se acumulou no fluxo da memória, no hipocampo, o limpo de uma bela história de vida de um poeta, que resta íntegra no último andar do condomínio dos neurônios de quem conheceu um campeão olímpico das Letras. Salve, Jorge!