Tão milenar quanto a tentativa de explicar as origens do homem e o seu pós vida é a luta titânica entre a fé e a ciência. Quase sempre ciência e fé estiveram quando não em briga declarada, em estado de beligerância ou desconfiança permanente. Embora para os menos versados, a política tenha sido o elemento catalizador dos conflitos, quando olhamos de forma mais acurada o debate, percebemos que é sempre a ciência ou a fé, e entenda-se como fé a religião e tudo que a completa organizacionalmente do ponto de vista físico ou metafísico, como da mesma forma, devemos entender o conhecimento como distinto dos dogmas, que pendendo para um ou outro lado produzem grandes dores a raça humana.
As religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo, as mais praticadas em nosso País, se especializaram na tentativa de explicar que é a morte que dá sentido a vida, posto que é através dela que chegamos ao paraíso, inferno ou a reencarnação. Assim, somente após a morte, saberíamos do gozo ou da danação sem fim. Em fragrante descompasso, sobretudo ao se libertar do jugo sacerdotal que prosperou até o início da idade média, a ciência se especializou em moldar o pensamento de que, embora não pudesse dar cabo da morte, podia ludibriá-la, aumentando a sua ausência e, prolongando, através do conhecimento acumulado em todas as áreas, a vida dos humanos.
O mundo vive, lamentavelmente, uma das mais graves crises sanitárias da história da humanidade a pandemia da Covid 19. A lhe acrescentar contornos de periculosidade, por incrível que pareça, conta com parte do conhecimento acumulado, viaja de avião de ônibus e trem bala, diferente das pragas anteriores, que levaram anos a transpor um continente e se beneficia da “insanidade” de parcelas da população que, conscientemente ou não, em nome de interesses confusos ou de suas ignorâncias, praticam um cego negacionismo ou forjam, à margem da ciência, curas e milagres que nem Deus nem a ciência conhecem.
É bem verdade que o mundo, sobremaneira a partir do crescimento populacional e da aglomeração de pessoas, viveu semelhantes experiências: A peste bubônica por volta do século XIV, a cólera por volta do ano de 1817 e a gripe espanhola um século depois, todas devastadoras. A bem da verdade também, estes desafios, somente encontraram cura com a utilização de todo conhecimento disponível, embora a fé de alguns, possa ver o dedo do altíssimo nesta solução.
Se tem se mostrado, séculos a fio, a difícil convivência entre ciência e religião, a equação torna-se explosiva quando a esta se acrescenta a política. Quando pacificadas esta união é fator de desenvolvimento em todos os sentidos, quando em confronto e fator de destruição de sociedades e culturas. Quando se juntaram religião e política condenaram Galileu, fizeram a inquisição e crucificaram o salvador. Quando a junção foi entre a ciência e a política tivemos os devaneios das teses supremacistas raciais que validaram o extermínio de milhões de judeus.
Vivendo o Brasil o auge da pandemia, um fato me chama atenção para a manifestação pendular da política brasileira, atendendo ao que recomenda a Organização Mundial da Saúde, o governante tem a obrigação de escolher uma de duas alternativas. A primeira é a vigilância pelo estado de todos ou o empoderamento do cidadão; a segunda entre o isolamento social e a solidariedade global. Esta dificílima escolha se impõe, sobretudo pela falta de uma forte liderança global capaz de impor uma pauta mundial, papel que os EUA exerciam antes do Governo Trump, a nível interno, pela negação ou incapacidade do Presidente Bolsonaro em assumir uma política nacional de enfretamento da pandemia. No salve-se quem puder, todos erramos mais.
Desta forma, observamos cada Estado, a seu modo e, de acordo com suas potencialidades, tentando encontrar saídas ou respostas para o atônito populacho. Registramos inclusive, o pedido dos governos locais, na ausência do governo central, ao STF solicitando o direito a decretar Lookdown. A sucessão é danosa, a ciência é trocada por achismos e outros devaneios, a fé foi atropelada por inconfessáveis interesses, assim, a política se impôs na tentativa de explicar e/ou resolver o problema. Um festival de compras duvidosas é realizado, curas milagrosas são oferecidas, remédios receitados e permissões ou proibições, algumas explicáveis outras injustificadas, foram feitas Brasil afora. Quase todas as ações ao arrepio do cânone científico.
Neste cipoal de Febeapá, um fato me levou a construir este registro, refiro-me a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental- ADPF-, protocolada em nosso Supremo Tribunal Federal, pela Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, através da qual, pedem os evangélicos, a abertura dos templos religiosos. Ou seja, o reconhecimento a desigualdade entre os praticantes de cultos religiosos, entre eles, e destes com o resto da população. Não informa o petitório se tal proceder se encontra pautado em seguro ensinamento científico.
Se reconhecemos que o altíssimo nada tem, embora os fundamentalistas vejam o dedo de Deus, como castigo, no surgimento da moléstia, temos que acreditar que é o conhecimento, e temos razões de sobra, nunca houve um esforço tão magnífico, e em tão pouco tempo, na busca de um lenitivo a dor humana, quanto agora. Firmamos da mesma forma que os médicos não resolverão o problema da existência, mas tem sido deles a maior contribuição para alongar nossa permanência na terra.
Se verdade for, que quase sempre, quando a política se alia a fé esta união produz frutos amargos. Porque buscaram esse remédio? Porque ao invés de recorrer ao STF não buscam nossos irmãos o caminho da ciência, via conselhos científicos, e até a OMS, para ajudar a salvar tantos corpos, da alma cuidaremos todos, quando a ciência nos conceder mais tempo para discutirmos o paraíso.


Renato Dionisio – Poeta, Compositor e Produtor Cultural