O que era para ser uma noite de celebração terminou em devastação. Mais de 180 pessoas perderam a vida durante o desabamento do teto de uma boate na República Dominicana, em pleno andamento de um show. A cena, que percorreu o mundo em vídeos amadores e manchetes estarrecidas, nos obriga a olhar para o espelho: será que estamos realmente preparados para evitar que o mesmo aconteça aqui?
Infelizmente, no Brasil, já vivemos esse luto coletivo. A tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013, marcou o país de forma irreversível. Foram 242 vidas interrompidas por uma combinação cruel de negligência, descaso com normas de segurança e despreparo diante de uma emergência. O caso expôs as rachaduras não apenas na estrutura física do local, mas nas políticas públicas, na fiscalização, na cultura de prevenção — ou melhor, na ausência dela.
De lá para cá, avanços ocorreram, é verdade. Mas será que aprendemos o suficiente?
O setor de eventos é, por natureza, pulsante, criativo e cheio de vida. Mas por trás das luzes, do som e da energia do público, há uma estrutura complexa que exige responsabilidade técnica, ética e emocional. O que ocorreu na República Dominicana — assim como em Santa Maria — não foi “azar” ou uma fatalidade isolada. Foi falha. E falhas, quando se trata de segurança, custam vidas.
Ainda vivemos em uma cultura em que a prevenção é, muitas vezes, negligenciada — seja por falta de fiscalização, por orçamentos apertados ou pela falsa sensação de que “aqui nunca aconteceu nada”. Mas é justamente essa lógica que transforma espaços de lazer em potenciais armadilhas.
Como especialista em Gestão de Riscos e Segurança em Eventos, posso afirmar: tragédias evitáveis continuam acontecendo porque o básico ainda é ignorado. Não é falta de conhecimento técnico. É falta de prioridade.
Fazemos checklists extensos para logística, marketing, produção artística — e muitas vezes relegamos a segurança a um protocolo genérico. Mas e se a primeira providência de qualquer evento fosse o estudo do risco? E se a equipe fosse treinada, de fato, para agir em emergências? E se primeiros socorros fossem parte da formação básica de todos os envolvidos na produção?
Fica o alerta: enquanto a segurança for vista como despesa e não como investimento, viveremos sob risco.
Não estamos falando apenas de estruturas metálicas, extintores ou saídas de emergência. Estamos falando de pessoas. De famílias que esperam seus entes voltarem para casa depois de um show, um festival, uma confraternização. Estamos falando de profissionais que dedicam suas vidas a fazer os outros sorrirem — e que merecem, também, voltar em segurança para os seus.
Existem associações e entidades que estão atuando ativamente para promover essa mudança de mentalidade. Oferecendo capacitações, reunindo especialistas, fomentando boas práticas e pressionando por regulamentações mais eficazes. Mas a transformação real só virá quando segurança deixar de ser um apêndice e passar a ser o ponto de partida.
Que a dor das tragédias — aqui ou lá fora — não seja em vão. Que elas nos sacudam, nos confrontem e nos empurrem para uma nova era no setor de eventos: uma era em que celebrar a vida não custe nenhuma.
Cacá Lima – Diretora Operacional Nacional da ABRAFESTA