1.Em São Luís desde maio, em peregrinação lírico-espiritual, lançar novos livros de poemas, revisitar origens, família, amigos, lugares, curtir cores, odores, sabores, enfim, deleitar-me com as curvas e reentrâncias da Ilha. Dois acontecimentos marcaram minha observação logo à chegada. O amplo trabalho desencadeado pela Prefeitura para melhoria do tráfego com novo visual e remanejamento, ampliação e melhoria de espaços públicos. E o escândalo que se abateu sobre um dos mais famosos logradouros, a Praia Grande, precisamente sobre o Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, importante equipamento cultural, saqueado por marginais, que surrupiaram-lhes as vísceras, já que todo o corpo, esqueleto e ossos, havia sido roubado, ao longo dos anos de abandono. Fato escancarado pelas mídias sociais há poucos meses e que indignaram o maranhense.


- Foi para entender essa tragédia, que percorri a pé, a Praia Grande, conversando com técnicos, urbanistas, artistas, intelectuais, artesões, visando a compreender as origens desse funesto desacontecimento, que macula nossas mais ricas tradições. Venha comigo. Cidadãos e usuários da Cultura Maranhense, ao comentarem a publicidade governamental, convidando turistas para um dos mais representativos São Joões do mundo, em São Luís — confessam sua perplexidade. Como acreditar que turistas virão divertir-se nas festanças juninas, tendo como carro-chefe, o boi e seus múltiplos sotaques, sem estender a visita ao berço cultural (ao menos para uma selfie) que sintetiza a ampla variedade de sons, ritmos, cores, e que encontra refletida no sítio histórico da Praia Grande, a moldura mais fiel? Ora, era ali, entre brechós, saraus, lojas de artesanatos, galerias, restaurantes, Mercado das Tulhas, museus, circulação de diversas tribos e o rico aparato de beleza e entretenimento, que a cidade acionava as cores da sinfonia que seduzia a todos. Hoje, terrivelmente, o quadro, é outro. Até as festas juninas de 2024 não se realizaram na Praia Grande, por insuficiência de estrutura básica para o evento. Embora bandeirinhas coloridas possam sinalizar o contrário. Viva o Boi! Mas viva mais também a Praia Grande e seu rico patrimônio histórico e cultural!
- Aos que amam a cidade ou a visitam para conhecer a riqueza arquitetônica da Cidade Patrimônio da Humanidade, reconhecida pela Unesco, desde a gestão Roseana Sarney, em 1977, encontrarão no prédio do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, o típico exemplo de tombamento posto em ação, pelo poder público. A destruição das instalações do prédio, por omissão e incúria, proposital, para outros, do qual foi preservada apenas a fachada, além da desvalorização do legado da casa, corpo de funcionários, largados ao esquecimento. Composto de Teatro, Biblioteca, Sala de Dança, Anfiteatro, Espaços de Exposições, Cinema, Sala para Cerâmica e Azulejaria, Galeria, além de eventos significativos como o Café Literário, dentre outros, o Odylo tornou-se dos mais importantes endereços culturais da cidade, além de fábrica de difusão das técnicas de fazer artístico. Nada restou que pudesse servir de memória desse tempo de júbilo multicultural.


4 Gosto da Praia Grande. Tenho um caso amoroso com ela. Em 1999, lancei no Canto do Tonico, confluência da Rua Portugal, com a Rua Djalma Dutra, onde está o Beco Catarina Mina, meu livro Bhagavad – Brita: A Canção do Beco. Outro dos meus livros, O Vampiro da Praia Grande, foi escrito ouvindo as palpitações do personagem central que se escondia nos mirantes dos velhos sobrados. Mas sou testemunha presencial do massacre contra o Odylo. Por quê? Foi lá, em 2013, que lancei A Poesia Sou Eu, minha Poesia Reunida, 2 volumes encadernados e vinte livros de poemas, em megaevento e multidão de amigos. E o Centro de Criatividade operava integralmente, em todos os seus segmentos. Somente a Biblioteca já contava com 3500 exemplares.
- Logo em seguida, o Governo do Estado, a partir do primeiro mandato de Flávio Dino, inexplicavelmente, iniciou o processo de desmantelamento dos órgãos da Secretaria da Cultura e desvalorização das entidades e corpos funcionais. Estranha atitude, que culminou neste ano de 2024, já em outra gestão, com a retirada dos seguranças e vigias que mantinham o resto da incolumidade dos vestígios do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho. E que gerou, como frisei acima, um apocalipse, que feriu a todos. Ao que o cartunista e ex-vereador Cordeiro Filho, disparou: “A chave do Centro Histórico foi entregue na mão dos bandidos”. Nenhuma academia chiou, nenhum deputado reclamou, nenhum senador engasgou. Mas após o escândalo ganhar intensa repercussão, o Governo resolveu amaciar a questão, exibindo placa, que está lá, informando a reforma do prédio,sem todavia, informar o valor da obra e suas especificações técnicas, de acordo com a lei.
- Mas o desmonte que figura o Odylo, como personagem central, não se resume apenas a ele. Foi estendido, pasmem, a todas as casas de cultura e museus nesse período de aproximadamente dez anos. O Domingos Vieira Filho, de portas fechadas, está com a varanda escorada, com o acervo dentro. O Solar dos Vasconcelos está em péssimas condições físicas. Os saques atingiram ainda o Museu do Reggae e a Casa de Nhozinho. A própria Secretaria da Cultura foi transferida para prédio próximo à Fribal, enquanto seu belo sobrado, está desde aquela época, com sérios problemas estruturais e de telhados. No começo do atual Governo, foi colocado tapume sinalizando começo de obras, mas em seguida foi retirado. Há problemas de toda ordem e se estende a outras entidades do setor público. O prédio da Defensoria Pública, abandonado, também foi saqueado. E o prédio do Arquivo Público sofre o mal da desassistência, vírus dos dias atuais. O importante setor de patrimônio está completamente esvaziado, sem pessoal. Como poderá exercitar seu trabalho de fiscalização de um patrimônio histórico gigantesco de mais de seis mil imóveis, sendo que mais de quatro mil são de responsabilidade do Estado e o restante do Iphan? Senhoras e senhores, onde está o Ministério Público de nossa terra? “A Praia Grande está muito maltratada!” — resume, desolado, o artesão Sotero Vital.
(*) Luís Augusto Cassas, 71, poeta, é autor de 30 livros de poemas, dentre os quais O Retorno da Aura e Quatrocentona: Código de Posturas e Imposturas Líricas da Cidade de São Luís do Maranhão.