Teve-se que esperar bem mais que um período gestacional para que a Favela do Samba, através do enredo “Do Renascer da Grécia Antiga ao Berço da Cultura Popular: o Legado de um artista chamado Dionísio”, prestasse, ante a população do Estado, justa homenagem àquele que, por décadas, dedicou-se a transformar a agremiação carnavalesca na maior ganhadora de concursos da modalidade no Maranhão.
O anúncio dessa condição de vitoriosa deu-se no dia 21 de fevereiro do corrente ano. O que deveria ocorrer em 2022, teve, então, que esperar 2023. Inúmeras variáveis, como a pandemia, ainda presente, no país, em 2022, explicam o fato, reafirmado, em um belo espetáculo de som, luz, dança e encantaria, levando os que se identificam com a maior manifestação da cultura popular brasileira ao êxtase, na quadra, nas ruas e na passarela.
Acostumado com a arte de homenagear, foram tantas homenagens e homenageados (das) ao longo de quase três décadas, imaginei ser fácil ostentar a condição de objeto da distinção. Confesso que, no início da caminhada, nas conversas preliminares, sentia-me confortável.
Entretanto, à medida que passava o tempo as inquietações de mim se aproximaram e se puseram a provocar o meu espírito acerca dessa honraria.
Passei a ser o primeiro dirigente de agremiação carnavalesca a receber, em vida, esta prestimosa distinção. Por justiça, aos denodados diretores da Favela disse, em uma tarde de domingo, em minha casa no Araçagi, e faço questão de lembrar: nunca vendi uma homenagem enquanto estive como dirigente da escola e jamais aceitaria comprar um local neste Pantheon de distinguidos. O singelo registro a mim conferido, a bem da verdade, somente realça a dedicação de todos que fazem a nação favelense.
Ficava atordoado quando pensava na possibilidade de o resultado ser outro que não o campeonato. Doía-me a possibilidade de contribuir para conduzir a escola ao fracasso. Perguntava-me, nas solidões que este tipo de evento proporciona, se eu, pelo menos euzinho, estava preparado para me defrontar com um eventual fracasso. Ancorava-me, no entanto, nas convicções de vitória que emanavam da direção da agremiação.
Não tive dúvidas alguma das dificuldades que o próprio jurado teria de sopesar a minha vida e, a este legado, oferecer um julgamento. Sempre fui frio ou quente, jamais dei guarida à falta de posição e posicionamento, sempre combati de frente e com destemor. Vivo o meu tempo e continuo a combater os meus demônios e os destes tempos. Ao sim, disse sim e ao não também disse não.
Neste mais que meio século de militância, diligenciei para encontrar a minha essência e busquei na coerência a pedra que pode forjar quem põe fé e esperança em tudo que faz.
Sou sabedor de que o desfile é competitivo e que, nas homenagens, por vezes, deixa o julgador de oferecer nota ao quesito em julgamento para rebaixar eventual desafeto, o que é péssimo para o carnaval. Sempre tive dificuldades em fazer homenagens, não obstante as muitas que fiz. Na avenida o que se julga é mais que a coerência do enredo. É a beleza das fantasias, a plasticidade e o encanto dos bailados, o número de carros alegóricos, seus movimentos, luzes cênicas e seus destaques e composições, a quantidade de brincantes e alas distribuídas ao longo do desfile. Todo este conjunto de atenções são tocados por uma letra que guarde coerência com o tema e uma melodia que faça dançar, sorrir e encantar.
Desejo registrar o eterno pleito de gratidão à Sociedade Recreativa Favela do Samba, que me cobriu com tamanha distinção; através dela, a toda diretoria, compositores, intérpretes, carnavalescos, aderecistas, empurradores e trabalhadores em geral, que ofereceram apoio e incentivo a este projeto, que fez com que a Favela chegasse, pela 20ª vez, ao mais alto patamar do carnaval de passarela.
Já perto dos setenta, penso que combati o bom combate e ofereci parte de meu existir, de diversas formas e maneiras, à organização do povo. Da ditadura até aqui estive do mesmo lado e jamais calei o meu berrante, fui vereador e busquei honrar a confiança do voto, fui dirigente estadual e municipal, fui desportista, empresário, líder comunitário e produtor cultural, que hoje, na condição de poeta, busca encantar os Pirilampos que vagueiam em busca da luz e do esplendor.
Por fim, depois deste momento, forte em minha vida, posso dizer que a maior parte de meus arrependimentos estão ligados ao que eu não fiz, ou não pude fazer. Fui inteiro em tudo que fiz, inclusive neste desfile.
Renato Dionísio – Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultural