Passado o reinado de momo, quando o Maranhão vivenciou seu primeiro carnaval, o de passarela viria depois, organizado a peso de ouro, com pompas e circunstâncias pelo Governo Estadual e pela Prefeitura de São Luís, diga-se, em espaços, estruturas e recursos distintos. No final da folia, foi anunciado pelos organizadores como tendo este modelo artístico consumido algo em torno de 90 milhões e propiciado 800 milhões de faturamento, ocupando a rede hoteleira e projetando o estado para o mundo. Pelos números, inegavelmente muito a comemorar.
Passado o período momesco tradicional, tivemos o segundo reinado de momo, e este, sendo o articulista parceiro ou conivente, bem mais modesto e acanhado. Organizado fora de época a pedido das entidades carnavalescas, confessadamente para fugir da concorrência com a cultura de massa que reinou no primeiro. Organizado na passarela do samba, com uma estrutura que ao final, é menos da metade do que já foi, sem nenhuma televisão aberta noticiando ou fazendo cobertura, sem grande aparato estatal e público reduzido.
Diante dos fatos, como folião e cidadão maranhense, me senti na obrigação de refletir, o que de positivo ficou? Onde perdemos, se perdemos? Onde deixamos de avançar? Primeira provocação a ser respondida é se necessário se faz esta divisão. São os dois modelos inconciliáveis e incomunicáveis? Reconheço que são modelos distintos, o primeiro sustentado pelos meios de comunicação e comprometido com o mercado, o segundo sustentado na tradição e na cultura popular e comprometido com a historicidade.
Quem acompanhou este período, observou nosso Governador Carlos Brandão, em caravana animando as noites de folias organizadas na Avenida Litorânea. Enquanto isto, o Prefeito Braide, com séquito e tudo mais, se esbaldava na Cidade do Carnaval e fazia selfies para o mundo. Na semana seguinte, para meu desgosto, o serviço de som e a montagem da passarela atrasava os desfiles e impingia aos organizadores a pecha de incompetentes. Próceres da Prefeitura afirmavam, o poder público não é obrigado a fazer carnaval, entretanto, assumiam e validavam tudo que ocorria nos circuitos do Centro e da praia. Para piorar, em chacota, o povo procurava, pagando a peso de ouro, uma foto das autoridades na passarela.
Existe algum erro ou pecado no fato do poder público incentivar e apoiar o carnaval em qualquer de suas formas ou linguagens? Claro que não. É incorreto que estas autoridades gostem mais de uma experiência que da outra? Também não. Podem existir concomitantemente o carnaval mais voltado para o mercado e o voltado para as tradições? Claro que sim. O que não é bom é que o poder público, consciente ou inconscientemente, desequilibre esta relação enquanto uma das linguagens recebe milhões e a outra, migalhas.
No mesmo sentido, não pode ser aceitável que os músicos de fora, que praticam preços estratosféricos neste período, recebam seus cachês de forma antecipada e os locais na posterioridade. Da mesma maneira, não se pode exigir que os artistas locais sejam obrigados a se inscreverem em editais com exigência de muitas certidões e atestados, enquanto os “artistas nacionais” são agraciados com o instituto da inexigibilidade, a bem da verdade, prevista em nosso ordenamento pátrio, para contratações artísticas.
É afrontoso saber que o total dos cachês pagos aos locais seja coberto pelo valor pago a duas ou três atrações nacionais. Choca saber que enquanto na Praia Grande e na Litorânea nada se paga para participar, na Passarela do Samba compra-se fantasia, frisas e camarotes, fato que, aliás, os organizadores precisam explicar para onde vão estes recursos, uma vez que são recolhidos de qualquer forma, menos com um documento de arrecadação.
Em favor da festa popular, não é desproporcional analisar a extensa cadeia produtiva do carnaval. O pouco recurso recebido pelas entidades será usado para o pagamento de músicos, aderecistas, pintores, escultores, soldadores, costureiras e empurradores de carro, desta forma, este recurso passa a fazer parte da economia local como ativo circulante, ao passo que o investido nos artistas nacionais, migrará para outras bandas.
Reconheço que o Governo Brandão tem feito grandes carnavais. Da mesma forma tem agido em nossa maior festa, o São João. Somente precisa entender que, se temos um modelo artístico que exportamos e é reconhecido mundialmente no São João, precisamos construir esta identidade para nossa festa carnavalesca. Falta pouco, basta fortalecer nossos blocos tradicionais e outras manifestações, para podermos oferecer aos turistas o que ele não verá em outro lugar. Foi exatamente isto que transformou Pernambuco e Bahia na vitrine que são. Não precisamos excluir nada, afinal, precisamos de tempo para esta virada cultural.
Sabemos que o carnaval, em tese, é uma incumbência da Prefeitura, entretanto, o Governo tem obrigações com todo Estado, desta forma, deve ajudar, financiar o que for preciso, para transformar o evento na festa de todos os maranhenses. Temos que abolir tudo que culturalmente nos divide. Somente nossa unidade aumentará nossa visibilidade e aguçará o interesse alienígena.
Não tenho a pretensão de ser dono da verdade, menos ainda imagino que estas poucas linhas esgotem o tema. Antes, entretanto, mesmo na pequenez de meus argumentos e contributo, desejo informar que a concorrência não nos intimida. Não somos contra a competição. Assumimos a defesa de que o livre mercado deve regular preços e qualidades. Entretanto, com toda vênia e perdão, temos que entender de vez, que se desejam medir os resultados, nos coloquem todos, na mesma linha de partida. Não sendo assim, seremos os últimos, e isto, a história mostrará ser péssimo para a cultura do Maranhão.
Renato Dionísio – Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultural