O mundo vive sob o impacto da trigésima primeira olimpíadas da era moderna. Os números dizem muito: esta edição registra a inscrição do maior número de países com um recorde de atletas inscritos. Pela primeira vez a abertura do evento aconteceu fora de um estádio. Não houve veto à participação de nação alguma. Nestes jogos o número de homens e mulheres participantes aproxima-se da igualdade. O evento é assistido, simultaneamente, em pelo menos metade do globo e por estrondosa parcela de seus viventes.
Este acontecimento esportivo, sabidamente o maior e mais antigo de todo mundo, é repleto de encantos e desencantos: Como não se maravilhar pelo esforço dos atletas na luta pela superação buscando novos recordes? Como não chorar ou sorrir com a emoção dos competidores,independentemente de seres estes compatriotas ou não, após um recorde quebrado ou uma tentativa frustrada? É muita emoção, aguenta coração! Como diria um certo Galvão.
Como não classificamos nossa seleção masculina de futebol para as olimpíadas, ao assistir a derrota de nossa seleção feminina, inclusive com a expulsão de nossa rainha Marta, para o escrete espanhol, passei, como forma de compensar meu sofrimento, a recorrer a nosso passado e revisitar nosso panteão, repleto de ídolos, cuja entrega e devoção inspiram, ou deveria, a muitos que hoje no mar em terra ou no ar, o caso do kitesurf, representam nossa glória esportiva.
Ainda de olho na “telinha”, me veio a memória a figura lendária de nosso rei Pelé, que há pouco deixou este plano para morar na história e em nossos sentimentos. Como a majestade não foi atleta olímpico, de pronto, a câmera de meus sentidos estacionou em nossa Rebeca Andrade, em sua história e sua luta para se constituir neste fenômeno. Lembrando Antoine de Saint-Exupéry. – tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas-, penso: Quanto peso, quanta responsabilidade esta menina acaba de colocar sobre os próprios ombros.
Cada competidor, somente pelo fato de ali ter chegado, merece nosso respeito e reconhecimento, cada medalha, pode representar, além do talento, o quanto de recursos e planejamento foi despendido para este objetivo; neste sentido, não é obra do acaso o fato dos países mais desenvolvidos ficarem em destaque no ranque de premiação. O talento, entretanto, pode descobrir um Caio Bonfim, que prata na marcha atlética, honra o legado familiar de uma mãe atleta e de um pai treinador, que são parte indissolúvel desta conquista.
Minha irrequieta alma de prosador me manda e, de pronto obedeço, revisitar meus guardados, para lembrar de Pedro Laurindo Filho que no dia 31, passado, nos abandonou sem despedidas ou cerimônias.
Categoricamente, entretanto afirmo, que sua existência representou rotunda declaração de amor ao jogo de damas, esporte que embora praticado em muitos países não alcança número suficiente para ser incluído nas olimpíadas. Isto mesmo, o DOTINHA dedicou parte considerável de sua existência a um esporte, que embora não sendo olímpico, fez dele um amoroso ‘escravo” e devotado cultor.
O ano é 1969, o estado do Maranhão, ainda sob o Governo José Sarney, faz a entrega do segundo conjunto da Cohab Anil.
Muito jovem, acompanho o recebimento, por minha mãe, dona Catarina, de uma banca na recém-criada feira, do nascente bairro. Logo a seguir, no centro comercial se instalaria uma academia, onde se praticava jogos de damas e similares. No local, inclusive, eram organizados muitos campeonatos.
Durante anos seu Pedro, pai do comentado, organizador dos campeonatos, se mostrava preocupado, quando as decisões, volta e meia ficava entre os filhos Dotinha e Maior. Este clássico movimentava muitos e as torcidas ficavam inflamadas. Eu que vivi as medalhas da Rebeca e os campeonatos da academia na Cohab, consigo enxergar um traço comum: a imensa disposição de alguns, para fazerem do esporte motivo e razão de suas vidas.
Parabéns aos nossos medalhistas olímpicos, e vivas a quem fez de sua vida dedicada uma medalha.
Mestre Dotinha, assim eu o chamava, por várias vezes campeão maranhense, foi campeão brasileiro e mundial nas damas de vinte e quatro pedras. Sem patrocinador, sem bolsa atleta ou qualquer outra forma de incentivo a não ser seu amor àquele esporte, orgulhosamente representava o Estado do Maranhão. Que ficou menor com sua partida e triste muitos admiradores que não tiveram do poder constituído, sequer uma notinha de lamento e despedida. Povo sem memória acaba ficando sem alma. Triste. Lamentavelmente triste.
Como, enquanto uns descansam outros carregam pedras, voltemos a Paris, com seus múltiplos segredos e encantos e entre a Torre Eiffel e o Rio Sena, ainda que em pensamento, vejo o sol da liberdade, neste momento estacionado sobre a “cidade luz”, proporcionando, pelo menos, até o momento em que escrevo, momentos únicos e significativos de convivência e respeito, apesar da Ucrania e da Palestina, ao povo que cada atleta representa. Que os Deuses zelem pelo exitoso final.
Renato Dionísio – Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultura