O impulso econômico inicialmente liderado por Dona Miúda continua refletindo na vida dos moradores de toda a região do Jalapão. Um dos momentos mais aguardados é o período liberado pelo Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) para a colheita do capim-dourado, entre os meses de setembro e novembro. Para comemorar, a Comunidade Mumbuca realiza a Festa da Colheita, que este ano ocorreu entre 13 e 15 de setembro.


A realização conta com apoio do Governo do Tocantins, por meio das secretarias do Turismo e da Cultura, além do Naturatins. A programação incluiu discussões de temas como manejo do fogo e do capim-dourado e a importância do turismo de base comunitária para a região. Atividades esportivas, apresentações culturais, shows musicais e a aguardada demonstração da colheita também marcaram o último final de semana.
“É importante ressaltar que, apesar de toda a beleza natural do Jalapão, é o seu povo, com suas tradições, artesanato e receptividade, a verdadeira riqueza desta região”, pontua o secretário de turismo do Estado, Hercy Filho. “Venham conhecer o Jalapão, suas belezas e sua gente”, convida.
História


Desde que o artesanato feito com a Syngonanthus nitens foi “apresentado” ao mundo, muita coisa mudou na vida dos moradores do Jalapão, uma região conhecida tanto pelas belezas naturais quanto pela escassez de oportunidades econômicas.
O capim diferente, que era usado apenas para fazer peças simples e utilitárias ganhou ares de joia rara após várias capacitações com designers levados ao Jalapão ao longo dos anos, por entidades públicas e privadas. Os artesãos se organizaram em associações cadastradas no Naturatins e autorizadas ao manejo, desde que seguissem regras para sua preservação.
Este trabalho é a base da economia criativa jalapoeira, que muito deve à Dona Miúda (Guilhermina Ribeiro da Silva, 1928-2010), uma liderança local que se tornou referência cultural do Tocantins.
Os moradores da Comunidade Mumbuca, distrito a 35 km de Mateiros (241 km de Palmas), são originários da Bahia e viviam praticamente isolados por cerca de 150 anos. O início do manuseio do capim-dourado teria começado com Dona Laurinda, que aprendeu e ensinou a outras mulheres o trançado do capim unido pela “seda” retirada do buriti, palmácea abundante nas veredas úmidas do Jalapão. Coube à Dona Miúda assumir este legado e difundir o artesanato.
Licenças


Neste ano, foram entregues 52 licenças entre a Comunidade Quilombola Mumbuca, a Associação das Comunidades Quilombolas das Margens do Rio Novo, Rio Preto e Riachão (Ascolombolas Rios) e a Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros. As demais licenças requeridas pelas associações serão entregues posteriormente pelo Naturatins.
Não estamos apenas entregando documentos, mas reconhecendo o valor da tradição e da cultura dessas comunidades. O capim-dourado é muito mais do que uma matéria-prima; ele carrega a identidade quilombola e de todos os envolvidos nessa cadeia produtiva. Garantir a regularização desta atividade é preservar um legado histórico que atravessa gerações”, afirmou o presidente do Naturatins, coronel Edvan de Jesus Silva.
Também houve cadastro de trabalhadores para emissão da Carteira Nacional do Artesão. Além do Mumbuca, duas servidoras da Secult também estiveram na sede da Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores (Acappm), Mateiros, totalizando 120 cadastros.
Para a presidente da Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado Mumbuca, Silvanete Tavares, a entrega das licenças e emissão da Carteira do Artesão representa uma grande conquista para a comunidade. “Esse momento é o resultado de muito esforço e dedicação. O capim-dourado faz parte da nossa história, e essa regularização nos dá a tranquilidade de trabalhar de forma segura e legal, garantindo o sustento das nossas famílias e preservando a nossa cultura e essa matéria-prima tão valiosa”, afirmou.
Desfile


No sábado, 14, a Festa da Colheita brilhou com um desfile estrelado por crianças, adolescentes e adultos, que não apenas expressaram as histórias de resiliência e esperança das famílias da região, mas também revelaram o talento das artesãs locais por meio das peças cuidadosamente confeccionadas.
O desfile trouxe à tona não apenas a beleza das peças artesanais confeccionadas com o capim-dourado, mas também o espírito de preservação ambiental e cultural que envolve a comunidade.
Filha da saudosa matriarca Dona Miúda, a líder comunitária Noemi Ribeiro da Silva, carinhosamente chamada de Doutora, é conhecida por seu trabalho dedicado ao bem-estar local e à preservação das tradições culturais. No desfile, ela exibiu com orgulho as peças de capim-dourado, simbolizando a rica herança cultural do Mumbuca. “Desfilar com as peças de capim-dourado é muito mais do que mostrar a beleza do nosso artesanato, é carregar a história e a alma da nossa comunidade. Como filha do Mumbuca, cada peça representa a força e a resistência do nosso povo. O capim-dourado é nossa identidade”, destacou.


Composto por cinco modelos, o desfile de encerramento contou com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura na coleção Ouro do Cerrado, assinada pelo estilista Luiz Fernando Carvalho e produzida pelas artesãs da comunidade Mumbuca. As peças misturam tradição e sofisticação, refletindo a importância do capim-dourado na cultura tocantinense.
A jovem Taiza Pereira contou como a realização de um sonho a motivou na criação de um projeto para a coleção de vestidos de capim-dourado. “É uma alegria imensa e um sonho realizado participar dessa celebração. Desde criança, sempre sonhei com esse momento. Quando recebi meu primeiro vestido de capim-dourado, percebi que queria compartilhar isso com minhas amigas. Assim, idealizamos uma coleção de cinco vestidos, com a intenção de atrair mais pessoas para a Festa da Colheita e trazer mais visibilidade ao evento”, detalhou, ao lembrar que o trabalho contou com a parceria do estilista Luiz Fernando Carvalho, que desenhou cada peça pensando no corpo de cada modelo.
Texto: Seleucia Fontes