O médico Leonardo Bastos, o escritor Euges Lima e o arqueólogo Deusdedit Carneiro discorreram sobre a trajetória, o dia a dia e os vestígios culturais e materiais de uma região de importante relevância histórica maranhense


A história como forma de regaste das mais profundas manifestações socioculturais de uma região, fomentando sua reconstrução histórica, trazendo à tona de uma imersão profunda, o conhecimento sobre uma realidade bicentenária com fatos marcantes da trajetória de uma sociedade e de várias comunidades.


Em meio a toda essa discussão, um rio e sua plenitude, nascendo no sul do Estado do Maranhão, na confluência das serras Negra, Menina e Crueiras, a 650 metros de altitude, percorrendo vários municípios maranhenses e mantendo viva a memória de cidades que beiram esse curso d’água importante patrimônio natural. Uma Vitória do Mearim presenteada por essa obra da natureza, às margens desse rio que ainda cruza as cidades do Estado; Formosa da Serra Negra, Grajaú, Barra do Corda, Esperantinópolis, Pedreiras, Trizidela do Vale, São Luís Gonzaga, Bacabal, Vitória do Mearim, Arari (onde se observa o fenômeno da Pororoca), entre outras, desembocando na Baía de São Marcos, na altura da Ilha dos Caranguejos, em um estuário amplo quer forma o ambiente de transição entre o Rio e o Mar.
A cidade de Vitória do Mearim tem possibilitado isso através de momentos culturais, literários e interativos que estão se tornando rotineiros, com o II Ano do Festival da Cultura Vitoriense, e primoroso como fonte de inspiração para as novas gerações, assim como importante fonte de conhecimento e aperfeiçoamento da histórias para aqueles que se mantêm firmes e fortes em obter cada vez mais informações que possibilitem o aprendizado –isso porque a vida é um livro de cabeceira para experiências enriquecedoras, e a história é o alicerce dessa contínua narrativa proporcionada pelo tempo–, sendo a ferramenta necessária para um caminhar em comunhão com a educação e o respeito para com os fatos históricos.


Abertura de homenagens póstumas a vultos inesquecíveis
A noite de 22 de novembro, no pátio do Jardim de Infância Menino Jesus, foi reservada ainda para homenagens póstumas a pessoas que colaboraram de alguma forma, a vida inteira, com o desenvolvimento e a cultura de Vitória do Mearim, realçados pelo presidente da Academia Vitoriense-Instituto de Literatura, Artes e Ciências, Washington Cantanhêde, enfatizando que assim a rendiam reverências “lembrando valores atuais e nossos antepassados, em memória”! Dentre os vultos destacados, finados nos últimos 12 meses, ele chamou a atenção para D. Maria de Beti e Iranilde Queiroz de Souza (D. Iranilde). Sobre a primeira, relatou que ela havia criado um nome querido, no seio de toda a comunidade, na área da Cultura Popular Maranhense, de uma maneira especial ao Bumba-meu-boi. Sobre D. Iranilde, acentuou bem que ela não havia nascido em Vitória do Mearim, que começou a frequentar, vindo de Arari, carregando sacolas de peças de vestuários para comercializar nas ruas e de casa em casa, batendo nas portas, fazendo freguesia e sólidas amizades. Recordou: “Ela vendeu uma calça comprida de couro para a minha mãe que a usou em suas cavalgadas que gostava de fazer pelos campos. Quebrou paradigmas: imaginem uma mulher carregando sacolas de confecções, anunciando os seus produtos, vendedora ambulante, que somente hoje seria chamada de sacoleira”! Ressaltou a importância do trabalho memorável: “Ela surgiu no final dos anos de 1960, facilitando a aquisição de utilidades em Vitória do Mearim, apenas encontradas em Arari, mais perto, e em São Luís, mais longe, numa época em que não havia a rodovia federal e o transporte fluvial era o nosso principal meio”! Mais: “Sem ela, a presença dos chamados marreteiros, era somente na Festa de Nossa Senhora Nazaré, em setembro, de arraial, com barraquinhas de palhas, os bazares. Nascida em Arari, em 25.3.1948, faleceu em 2024, e há muitos anos, ela e o marido, o famoso embarcadiço Antônio José, ficaram compadres dos meus pais, e com uma grata surpresa: a minha esposa, que se acha sentada aqui nas primeiras filas, depois eu vim saber que se considerava neta da D. Iranilde!”


Falas de estudiosos no fecho do II Festival da Cultura Vitoriense
No apogeu da programação diversificada e participativa do II Festival da Cultura Vitoriense, no pátio do Jardim de Infância Menino Jesus, em seu último final de semana, na noite de 22 de novembro, um público seleto teve a oportunidade de assistir ao palavreado do médico Leonardo Bastos, do historiador Euges Lima e do arqueólogo Deusdedit Carneiro. Em resumo, eles percorreram, em tom categórico e emocional, a vivência diária, e traços socioculturais de uma região, sem sombra de dúvida, de suma importância para a História do Maranhão.
Os conferencistas foram, devidamente, saudados pelo presidente da Academia Vitoriense-Instituto de Literatura, Artes e Ciências, historiador Washington Cantanhêde, que esboçou um breve perfil deles, antes de tomarem conta da palavra para as suas explanações. Cada um, por sua vez, reverenciaram uma plateia atenciosa.


Leonardo Bastos(médico dermatologista)
Começou agradecendo ao convite da Academia Vitoriense para proferir palestra sobre O Enfretamento da Hanseníase, a partir de Vitória do Mearim, citando ser realmente um desafio muito grande, em vista, antes de tudo, da despreocupação das pessoas, que poderiam ser afetadas. Lembrou, em resumo, que iniciou, com equipe de abnegados e competentes, esse trabalho em Buriticupu, antes de estar no município vitoriense, na gestão do prefeito José Inácio. Em suas atividades cotidianas, viu que a possibilidade de realizar um excelente trabalho em prol da saúde pública localizada em Vitória do Mearim e adjacência, quando sua atenção foi despertada para pessoas que se recusavam a comprar alimentações das mãos de certos negociantes, como precaução para não se contaminar, e aí cuidou de preparar uma equipe para dar o devido combate à propagação da hanseníase. Leonardo Bastos, ainda em seus esclarecimentos, evidenciou que fica curioso que, no de hoje, com remédios, publicidade da Secretaria da Saúde, ainda há caso de hanseníase, onde, realmente, já poderia ser erradicada. “Não pode mais haver medo, temos todos os recursos, médicos e de remédios, para combater, eficazmente, a doença!”! — disse a certa altura.


Euges Lima (historiador)
Os 340 anos da execução de Manuel Beckman, em São Luís, foram destacados na palestra do historiador Euges Lima, em sua fala, apontando que foi no Engenho Vera Cruz, da sua propriedade, em Vitória do Mearim, que o líder da Revolta, acontecida, supostamente, em 2 de novembro (Dia de Finados) de 1685, achou-se para ser capturado e trazido para sofrer a pena capital do enforcamento, e que teria sido denunciado pelo seu próprio afilhado, Lazaro de Melo. Em síntese, a Revolta de Beckman foi um movimento organizado no Maranhão, entre 1584-1685, motivado pela insatisfação da população com a administração colonial. Foi contra os religiosos jesuítas (que defendiam os índios que os colonos queriam cativos) e o monopólio da Companhia Geral do Comércio do Estado do Maranhão. A coroa portuguesa mandou uma esquadra e conseguiu restabelecer o domínio, e os principais envolvidos foram punidos de diferentes maneiras, cabendo a Manuel Beckman a morte pela forca, no local em que é lembrado num monumento perto da Av. Beira-Mar, na Capital Maranhense.
Euges Lima, em seu discurso, na brilhante noite de 22 de novembro supracitada, enfatizou que a data da morte de Manuel Beckman foi questionada pelo historiador Milson Coutinho (do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e/IHGM e da Academia Maranhense de Letras/AML), por ocasião a passagem do Tricentenário da Revolta de Beckman, mas que não avançou na data a ser reparada.


Desusdedit Carneiro (arqueólogo)
Autoridade no assunto referente à arqueologia, Deusdedit Carneiro relatou de maneira contundente como os indígenas, durante muito tempo, foram duramente perseguidos, e muitos massacrados até, eles também ocupando as margens do Rio Mearim, suas matas, tribos inteiras de diversas etnias. Inicialmente, com os Tupinambás, desde os chefiados por Ibiapina, amigo dos piratas franceses, que contrabandeavam o Pau-Brasil, e depois, sob a liderança do Principal da Ilha, Japi-Açu, quando da Fundação de São Luís, em 8.9.1612, com Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, com a malograda França Equinocial, três anos depois. Ele ressaltou acontecimentos envolvendo os silvícolas no período das Capitanias Hereditárias, assim em três grandes áreas: a Ilha Grande de São Luís (Upaon-Açu), Itapuitapera (Alcântara) e Cumã (que pegaria até região banhada pelo Rio Mearim). Pronunciou-se sobre episódios palpitantes no cenário do período colonial e a Inquisição portuguesa. Também situou a passagem em que se deu o advento dos engenhos de açúcar, região banhada pelo Rio Mearim, dentre os quais, os modelos holandeses. A esta altura, focou que foi num engenho, e Vitória do Mearim, que se deu a fatídica morte de Lázaro de Melo, enforcado por cordas de parelhas dos seus próprios bois.
Texto: Gutemberg Bogéa e Herbert de Jesus Santos
Edição: Gutemberg Bogéa














































































