

Na minha lida literária, iniciada na efervescência cultural que foi o Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (Sioge), em dezembro de 1975, na Revisão diuturna, prestigiada, na oficina de editoração, por alguns dos nomes mais reluzentes da Inteligência Maranhense, em verso e prosa, algum deles, que não me vem à memória, afiançou que nós escrevemos melhor o que mais apreciamos e sentimos, assim como a terra natal. Eles eram José Chagas, Nauro Machado, Waldemiro Viana, Lucas Baldez, Arlete da Cruz Machado, JM Cunha Santos, Francisco Tribuzi, José Maria Nascimento, Laura Amélia Damous, Alex Brasil, Roberto Kenard, alguns dos editados por Concurso Literário da Secretaria da Cultura do Estado (Secma), insuflando o surgimento de talentos, ou, para os consagrados, no Plano de Ação Cultural do Sioge (PACS), criado na direção do escritor e editor Jomar Moraes, da Academia Maranhense de Letras (AML), da qual foi presidente por um bom tempo. Ali, com requisitada fama de revisor, assisti à estreia de Lenita Estrela de Sá, com Reflexo (poesia), em 1979, prefaciado por Josué Montello (da AML e da Academia Brasileira de Letras), aos 17 anos, incentivada pelo poeta condoreiro Nascimento Morais Filho, e a tratei Estrela dos Sá, ela idealizando voos para uma constelação, e se acha, com brilho e dimensão próprios, e tendência, no meu ponto de vista bem-situado, para mais altura.
Coeditor, no mecenas e de vital importância Sioge, ajudando dar à luz obras, que estiveram em dores de parto, mas delas, em maioria, não nasceria um ridículo rato (para contrariar Horácio, o poeta latino, que pareceu tirar carta de seguro, no bem-dito “Até o bom Homero cochila, às vezes”, expressão para dizer que a suma perfeição em poesia não existe; até o grande Homero comete suas falhas), não desviei o olhar da propensão de Lenita, e da minha que realcei nas premiações literárias, em crônicas, novela e contos, e dois de poemas. Ficou notável que, numa iniciação meteórica (já em 1980, lançou Ana do Maranhão-teatro), nos brindaria, em 1988, sobre o venerando pai, com Do Palco à Paixão: Cecílio Sá, 50 anos de teatro; um hiato persistiu, e daí os títulos em aluvião; Pincelada de Dali e Outros Poemas(2015, prefaciado por Ferreira Gullar); Antídoto (poemas, com apresentação na orelha por Salgado Maranhão, em 2017); Brasas Ardentes na Ponta dos Dedos (contos, incensado por Alberto Mussa, em 2018); e, em 2019, Atrás do Baú de Guardados(contos), com recomendações de críticos paulistas, ela no exílio: Wisner Fraga e Krisnhnamourti Góes dos Santos.


(Pintura de contos de Lenita Estrela de Sá sobre cenários maranhenses)
Depois de Cinderela de Berlim e Outras Histórias, em 2010, ao qual emitir umas pinceladas de opinião, folgo, no telúrico Atrás do Baú de Guardados, em ver uma reedição do que o exponencial prosador maranhense, de posição cimeira na literatura nacional, Josué Montello, quando eu cuidei do seu Janela de Mirante, disse-me, em 1993, no canto do cisne do Sioge (e, certamente, em correspondência, para Lenita, bem jovem, em São Luís, ele, no Rio, depois do reitorado na UFMA) que o excelso romancista russo Léon Tolstói (citado, alhures, “Com a fúria de um profeta e a acuidade de um gênio”), olhando o Mundo da sua Escola de Yasnaia Poliana, lapidou: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia!”
Salta aos olhos calejados, a ascensão da artista mais firme em seu pulso de pintora de telas literárias indígenas e nosso falar coloquial, com entrechos que simbolizam a maranhensedade, como No Intervalo do Almoço, conto com que abre sua coletânea, e sua heroína (Marinalva), vendedora de uma loja de suvenires, na Praia Grande, quase diante da Baía de São Marcos, passa-se, incontinenti, para defronte da Baía de São José, quando a autora não perde o prumo e clareia logo ser imaginação daquela, que queria estar num lugar paradisíaco. Com lembrança fortuita de folhetins, incursiona sua performance ficcional, no séc. 19, e, com objetos e linguagem de época, protagoniza Donana Jânsen em Joalheria Madrid e Atrás do Baú de Guardados. Nesse diapasão do mestre russo —“Quem canta sua aldeia, canta o universo!”—, finais felizes e amores frustrados mais em Depois da Paixão o que Resta, Boas-Festas, topônimos da nossa benquerença em Divino Espírito Santo, Dom Sebastião, e o Se se Morre de Amor, em alusão a um dos mais belos poemas líricos da Língua Portuguesa, de Gonçalves Dias. Fã da sua lavra e do nosso berço, que não sofram solução de continuidade as manchetes na imprensa paulistana, tais: Lenita Estrela de Sá Lança Livro de Contos em Cenários Maranhenses, etc. Para quem desde cedo se entende nisso da alvorada dos bem-te-vis, na sucessão aos sabiás, faz bem ao orgulho nativista alteroso saber, com todas as letras, que nossa grandeza literária no Brasil permanece honra ao mérito!
Apresentação do crítico paulista — Em Atrás do Baú de Guardados, Lenita Estrela de Sá, autora de coletâneas de contos e poemas, nos oferece onze narrativas que se desenrolam no ambiente sutil do cotidiano. Das tramas onde passeiam personalidades históricas, como Ana Jansen, em Joalheria Madrid, à tensão teatral dos diálogos de Depois da Paixão o que Resta, a autora nos apresenta um rol de personagens com as mais diversas origens: latifundiários, moradores de rua, comerciantes, presidiário e poderosas mulheres da alta sociedade. São eles que nos guiam por tramas que guardam o frescor dos bons folhetins. O Maranhão, com seus encantos e fabulações, é a paisagem por onde eles peregrinam. Da São Luís do século XIX aos nossos dias, facilmente reconhecida nas descrições da sua geografia — Cais da Sagração, Bacanga, Ponta d´Areia, Rio Anil e Rua do Giz —, à paisagem fértil do campo maranhense, povoada por uma sociedade profundamente desigual, encontramos um país marcado por um passado colonial que insiste em não nos abandonar.


Entre o passado e o presente, a natureza de seus personagens reflete a complexidade da alma de um povo que nunca conseguiu ter uma existência plena. É na descrição detalhada desse universo — onde a autora se alinha aos neorrealistas— que encontramos a catástrofe da nossa história guiada por uma elite arraigada a um tempo de permanente exploração e que repercute em nosso momento com uma contestação: somos colonizadores de nós mesmos.
(Itamar Vieira Júnior, escritor, autor do livro Torto Arado)