

O dia 19 de novembro de 2025 marca os 411 anos de uma das mais importantes batalhas do Brasil colonial. Travada em solo maranhense, a Batalha de Guaxenduba (1614) foi decisiva para definir o destino da porção setentrional do território que viria a ser o Brasil. Em nenhum outro momento daqueles primórdios coloniais duas potências europeias – França e a monarquia luso-espanhola (sob a União Ibérica) – se enfrentaram de forma tão direta, em terras maranhenses, pela posse não apenas do Maranhão, mas de todo o Norte do Brasil.
Desde 1612, o Maranhão estava ocupado pelos franceses, que haviam se instalado e fortificado na Ilha Grande do Maranhão, a Upaon-Açu dos Tupinambás. Ali ergueram o núcleo da chamada França Equinocial.
Os portugueses só chegariam dois anos depois, em outubro de 1614, estabelecendo-se no continente, do outro lado da baía de Guaxenduba (atual Icatu), onde construíram o Forte de Santa Maria. A partir desse momento, estavam dadas as condições para um confronto inevitável: de um lado, os franceses consolidando seu projeto colonial; de outro, os luso-espanhóis determinados a retomar o controle da região.
Após sucessivas missões de reconhecimento e espionagem sobre o acampamento português, acompanhadas de escaramuças e da captura de três navios inimigos, o comandante da França Equinocial, Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, convenceu-se de que os portugueses estavam em clara desvantagem: menos homens, menos armamentos, suprimentos escassos e agora com a frota reduzida.
Seguro da vitória, La Ravardière abandona o Forte de Itapari, do outro lado da baía, decidido a “fazer guerra” aos portugueses. A confiança francesa era enorme.


Na manhã de 19 de novembro de 1614, nas areias das praias do então sítio de Guaxenduba, deu-se o choque entre os exércitos. O cenário hoje corresponde às praias de Santa Maria, Boca da Lagoa e São Pedro, no povoado de Santa Maria de Guaxenduba, município de Icatu (MA).
Ali, franceses e portugueses se enfrentaram numa batalha renhida e sangrenta pela posse do Maranhão.
As forças portuguesas eram comandadas pelo Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque, auxiliado pelo Sargento-Mor do Brasil Diogo de Campos Moreno. Do lado francês, o comando geral era de La Ravardière, que permaneceu a bordo com cerca de metade de suas forças, não chegando a desembarcar. Em terra, a chefia do exército francês coube ao nobre De Pézieux.
Embora em nítida superioridade numérica e bélica – o que fazia dos franceses os favoritos –, uma série de fatores pesou contra eles: erros estratégicos e excessiva autoconfiança dos comandantes; a morte prematura de De Pézieux em combate; e fatores naturais decisivos, como a maré vazante, que impediu o reforço das tropas que estavam a bordo com La Touche.
Resultado: as debilitadas, mas aguerridas forças portuguesas impuseram uma derrota fragorosa e inesperada aos franceses.
Um dos segredos do êxito luso-brasileiro foi o uso de um estilo de guerra adaptado ao Brasil colonial, mesclando táticas europeias com estratégias indígenas. O exército português adotou um ataque-surpresa rápido e fulminante, lançando-se contra as tropas francesas justamente quando estas ainda descansavam do desembarque e tentavam se fortificar na praia. As tropas portuguesas foram divididas em duas colunas principais, uma pela colina e outra pela praia, de forma que cercaram os franceses por todos os flancos, interceptando sua possível rota de fuga.
Os franceses, por sua vez, contavam com um contingente expressivo: entre 1.500 e 2.000 índios tupinambás flecheiros, aliados, além de cerca de 200 soldados europeus. No entanto, mantiveram um estilo de combate tipicamente europeu, inspirado nas guerras de Flandres, menos adequado àquele terreno e àquela realidade.
Outro ponto decisivo: boa parte das forças francesas que desembarcaram não era formada por soldados profissionais, mas por gente de ofício – carpinteiros, ferreiros, colonos –, trabalhadores que haviam atravessado o Atlântico para colonizar a França Equinocial e “fazer a América”. Muitos deles foram improvisados como soldados e se viram obrigados a enfrentar um exército português maltrapilho, mas muito mais experiente em campanhas de sertão.
Nos depoimentos dos prisioneiros franceses capturados em Guaxenduba – documentos nos quais relatam suas vidas de simples trabalhadores e narram como vieram ao Maranhão com suas famílias – fica registrada a sensação de terem sido enganados pelos seus comandantes. La Ravardière e outros chefes “venderam” a imagem de um paraíso tropical, mas a realidade foi bem diferente: além das dificuldades cotidianas, foram forçados a pegar em armas e muitos acabaram massacrados na batalha.
As perdas francesas foram pesadas: entre 115 e 150 combatentes mortos e 9 prisioneiros dos cerca de 200 que desembarcaram, sem contar as centenas de indígenas tupinambás aliados que tombaram na luta.
Do lado português, os registros falam em um contingente de 180 soldados e 234 índios flecheiros, com 10 mortos e 18 feridos.
O próprio Diogo de Campos Moreno, em sua obra Jornada do Maranhão, descreveu a Batalha de Guaxenduba como um verdadeiro “inferno na praia”, sobretudo para as tropas francesas de La Ravardière que, confiantes numa vitória certa, acabaram terrivelmente surpreendidas.
Apesar de sua importância na consolidação do domínio luso-ibérico e na definição das fronteiras coloniais no Norte do Brasil, a Batalha de Guaxenduba ainda é pouco conhecida pelo grande público brasileiro.
Lembrar seus 411 anos, revisitando documentos, relatos e testemunhos da época, é não apenas resgatar um capítulo fundamental da história do Maranhão, mas também compreender como, em uma praia de Icatu, se decidiram destinos que ecoariam por todo o território brasileiro.
Guaxenduba permanece, assim, como um símbolo de choques de impérios, encontros e desencontros culturais, alianças indígenas e estratégias militares – um episódio em que o Maranhão foi palco central de uma disputa internacional e de um dos combates mais dramáticos do nosso passado colonial.
Euges Lima – Historiador, professor, bibliófilo, palestrante e membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão (CIJVS), Portugal.
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